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O sistema prisional não é órgão de segurança pública, diz Gilles Gomes

Advogado criminalista e integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO, Gilles Gomes concedeu entrevista exclusiva para o Diário da Manhã sobre a criação da Secretaria de Administração Penitenciária no Estado de Goiás. Após de várias mudanças, atualmente a pasta está conjugada à Secretaria de Segurança Pública. Gomes defende que a cisão trará mais atenção do poder público para a questão penitenciária como também uma cultura de humanização na gestão dos presídios no Estado. O advogado foi assessor da ministra de estado-chefe da secretaria de direitos humanos da Presidência da República, de 2011 a 2014, e assessor jurídico no Ministério da Justiça, de 2009 a 2010. Já foi representante do estado brasileiro na reunião de altas autoridades em direitos humanos no Mercosul, participou da criação da Comissão da Verdade e coordenou a exumação do ex-presidente José Goulart.

Diário da Manhã: Primeiro, qual a atual situação da criação da Secretaria de Administração Penitenciária?

Gilles Gomes: Em síntese, essa é uma proposta que o Ricardo Balestreri trouxe consigo, a de cindir a secretaria de segurança pública e criar uma pasta direcionada à temática penitenciária. Convencido o governador, um primeiro projeto foi enviado à Assembleia. Esse projeto foi alvo de críticas devido ao desenho que ostentava, depois de muitos acordos e arranjos, um segundo projeto, melhor acabado, foi enviado para a Alego pelo Zé Vitti, governador em exercício. Ocorre que anexo a esse projeto foi enviada a criação de 400 e tantas funções comissionadas, o que gerou um mal estar horrível. Nesse momento, o projeto corre o risco de ser devolvido novamente ao executivo e o eventual desgaste pode inclusive engavetá-lo de vez. Isso seria uma catástrofe para Goiás.

DM: Você falou que engavetá-lo seria uma catástrofe, por quê?

Gilles Gomes: Por que há uma reunião de fatores positivos, sobretudo políticos, e todos eles coincidem com a chegada do Ricardo Balestreri. Por consequência, o estado conseguiu firmar Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público, reorganizando a situação dos concursos para a categoria. Também passou a investir em capacitação, mas esses avanços só poderão tornar-se política pública se a estrutura for consolidada, através da secretaria própria. Entenda, isso muda totalmente a visão do sistema carcerário no estado, deslocando-o como integrante da segurança pública para execução penal, coisas totalmente distintas. Com essa estrutura, o primeiro passo estará dado para se tratar a questão penitenciária de forma planejada e organizada, e não como medida de repressão policial, como tem ocorrido. O fator criminógeno do atual modelo é alto, propiciando um circulo vicioso de criminalidade.

DM: Como que a criação de uma secretaria autônoma pode contribuir para que a questão penitenciária não seja tratada como medida de repressão? Qual a relação causa e efeito disso?

Gilles Gomes: Boa pergunta. A primeira passa pela autonomia administrativa, que permite planejamentos de médio e longo prazo. Com secretaria especial, as demandas da execução penal ganham em visibilidade, efetividade e eficiência administrativa. A segunda decorre da doutrina. O sistema prisional não é órgão de segurança pública, no máximo, um ator periférico. Logo, a perspectiva de enfrentamento do inimigo, própria das forcas militares, dá lugar à execução humanizada da pena, onde ganham espaço o dialogo, a autonomia, a responsabilidade e o respeito, valores necessários a qualquer processo de (re) socialização. Terceiro, a mudança de paradigma permitiria mais esforços em medidas alternativas à pena de restrição de liberdade, tendência que tem se mostrado menos desumanizante.

DM: Em regra há muitas críticas sobre criação de novas pastas no executivo, como gasto a mais no orçamento público, como você argumenta/refuta essas críticas?

Gilles Gomes: No caso, não haveria implemento do gasto, mas a incorporação da estrutura já existente pela nova secretaria. A rigor, o estado gasta muito menos do que deveria em política penitenciaria. Sobre a criação de novos cargos, o fato foi identificado como um equívoco durante a tramitação do projeto. Tanto o secretario quanto o governador estão cientes da crise que o pais atravessa, e sabem da inviabilidade de aumento de gastos com a criação de novos cargos. Importante salientar que a OAB já manifestou apoio à ação do governador, e espera que o projeto seja colocado em deliberação da assembleia, corrigindo-se através de destaques eventuais questões pendentes, mas tem que ser aprovado.

DM: Quais seriam os motivos para defender a não aprovação?

Gilles Gomes: Honestamente, embora a forma que a questão penitenciária foi enfrentada no Estado por longos anos esteja equivocada, ainda assim ela rendia certo capital político para alguns grupos que compõem o governo, legitimando certos discursos e também servindo para acomodação política. Tudo indica que o trabalho do secretario e do governador recebe resistência do próprio governo, tipo fogo amigo. Ou nem tão amigo.

DM: E qual explicação política para isso?

Gilles Gomes: A explicação política já foi manifestada pelo vice-governador, que não é técnico tampouco especialista da área de segurança pública ou política prisional. Ele manifesta o senso comum de que segurança pública se faz com tolerância zero, o que é inapropriado, um equívoco. Não à toa o Governador do Estado, de forma acertada, trouxe um especialista para a pasta. Goiás, hoje, possui o melhor time da segurança pública do país. Basta ver o currículo do Secretário e de sua equipe, bem como o apoio que tem recebido das corporações. 

DM: Você citou que no segundo projeto para criação da secretaria continha um anexo para criação de 400 funções comissionadas. Teve uma nova proposta do governo para lidar com o mal estar causado e para substituir essas 400 funções?

Gilles Gomes: Nada oficial. A solução ate agora encontrada foi a paralisação do trâmite do projeto.

DM: O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária  recomenda que a melhor forma de dar efetividade e eficiência a execução penal seria a criação de pastas autônomas?

Gilles Gomes: A lei de execução penal fala dos departamentos penitenciários nos estados. Art. 61. São órgãos da execução penal: I - o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; II - o Juízo da Execução; III - o Ministério Público; IV - o Conselho Penitenciário; V - os Departamentos Penitenciários; VI - o Patronato; VII - o Conselho da Comunidade. VIII - a Defensoria Pública. A secretaria cumpriria esse papel.

DM: Quais seriam os efeitos da criação da pasta para o atual sistema prisional do estado, principalmente em relação à garantia dos direitos dos presos, superlotação, ressocialização?

Gilles Gomes: Penso que o efeito imediato seria a possibilidade de planejamento das ações a curto, médio e longo prazos. Hoje inexiste qualquer planejamento mínimo que permita a efetivação da lei de execução penal. Cada presidio é um ambiente autônomo, com suas regras e com os mesmos problemas. Em decorrência desse planejamento, o tema ganharia maior visibilidade e atenção politica, saindo da penumbra em que hoje se encontra. Por fim, esse trabalho poderia proporcionar a edificação de uma cultura de humanização do apenado, reduzindo os efeitos nefastos da pena. Goiás tem tudo para oferecer uma política penitenciária para o país e esse é o momento.

DM: Sobre a ressocialização, com a criação da secretaria, este aspecto será melhor trabalhado? A assistência social ao reeducando egressos será efetivada?

Gilles Gomes: São apostas. Cabe à sociedade civil organizada, os órgãos da imprensa e ao ministério publico, OAB e defensoria publica exercerem esse controle social. Mas acreditamos que a nova estrutura contribuirá sobremaneira para a efetivação da lei de execução penal, produzindo impactos na segurança pública. Hoje, para se ter ideia, o presidio de caldas novas possibilita a remição da pena: lá alguns presos fazem trabalhos manuais com linhas. Em Itumbiara, no entanto, ha uma marcenaria desativada. Na CPP, há espaço para o ministério de aulas, atualmente desocupado. Essa falta de coesão se da por que sistema penitenciário nunca foi prioridade. E agora ha uma luz indicando que esse modo de pensar mudou. Conheço quase todas as prisões do estado, não por fora, mas de dentro das celas, falando com os presos. Todos clamam por oportunidade.

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