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CULTURA

Chineses à vista

Enfrentando a “herança maldita” – que não é de nenhum governo oposicionista, mas do seu próprio – a presidente, Dilma Vana Rousseff tomou posse há menos de seis meses, mas parece estar no final do segundo mandato. Não deve ser fácil para ela reconhecer que é preciso intervir drasticamente na economia. Lembre-se que durante a campanha eleitoral, a então candidata rejeitou as chamadas medidas neoliberais (?) que fariam sumir a comida da mesa dos pobres, enquanto desalmados banqueiros se locupletariam... Mas eis que a inflação sobe, os preços disparam, o país deixa de crescer, empresas fecham, empregos diminuem. Fazer o que? Não há como escapar ao chamado ajuste fiscal.

  1. Dilma, sem constrangimento aparente, mudou o discurso e passou a conclamar o povo brasileiro ao sacrifício, para que o país saia da crise e volte a crescer. Nada é dito, porém, sobre o porquê dessa situação adversa. E mais: depois de 12 anos de (des)governo petista, a presidente e seu staff foram buscar socorro exatamente na China e na Rússia, países em desenvolvimento como o Brasil – e que cresceram enquanto nós regredimos.


Sem aprofundar o óbvio conteúdo ideológico de tal aproximação, ressaltemos a promessa de investimentos da ordem de 53,3 bilhões de dólares da China, para obras de infraestrutura e energia. O carro-chefe será a Ferrovia Transoceânica, a ser construída mediante parceria com empresários chineses. Tendo como ponto de partida o Rio de Janeiro, atravessará os estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre, prosseguindo no Peru até o Oceano Pacífico – assim facilitando o escoamento de nossos produtos para o Oriente. Será uma obra gigantesca, como também o é a reinaugurada – mas inacabada – Ferrovia Norte-Sul, iniciada no governo Sarney.

Comecemos pelo começo, como diria o conselheiro Acácio: a abertura da economia brasileira ao gigante oriental remete ao fato de que, na China comunista, prevalece um tipo de capitalismo de estado que tudo controla com mão de ferro e do qual pouco se sabe. Ou melhor, sabe-se somente o que interessa ao governo e ao regime divulgar: crescimento espetacular, competência técnica e disciplina férrea.

A extensão territorial da China (9.975.000 km2) é maior do que a do Brasil (8.512.000 km2). Entretanto, parte daquela área inclui enormes desertos, como o de Gobi, do tamanho do estado do Pará. O país também enfrenta problemas hídricos, com a poluição de seus principais rios – inclusive o lendário Yangtzé, o Rio Amarelo. De outra parte, é real a ameaça de falta de água potável no subcontinente chinês; e há crescentes limitações à produção de alimentos e à expansão das fontes de energia.

O maior problema está, contudo, na sua imensa população: 1 bilhão e 357 milhões de indivíduos (em 2013). Como atender às necessidades básicas de tanta gente? Não é de hoje que a China exporta seus nativos, inclusive para o Novo Mundo. Quando se discutia a abolição da escravatura, um mandarim veio ao Brasil sugerir a importação maciça deles, pois seriam dóceis e facilmente se adaptariam a duras condições de trabalho. O Imperador Pedro II rejeitou a ideia, que não prosperou – mas continuaram a vir imigrantes chineses, enquanto seu país era dilacerado por guerras civis.

De minha parte, vejo-os com simpatia, influenciada talvez por leituras do tempo de juventude, quando devorava os romances de Lin Yutang e Pearl S. Buck que enfocavam os contrastes entre a cultura ocidental e oriental.

Nos dias atuais, entretanto, há que refletir com cautela sobre uma política que abra as portas do Brasil à invasão de dirigentes e empresários chineses, sabidamente implacáveis em seus objetivos, estratégias e métodos. Temos regiões férteis e desabitadas; e dispomos (ainda) de abundantes reservas de água. Vivendo em área aproximada à da China, somos apenas 203,3 milhões de brasileiros (2014). A taxa de crescimento demográfico (1.6% ao ano) nos permite produzir e preservar o meio ambiente em desejável e necessário equilíbrio, que é preciso manter.

Há anos patrocinamos a indústria siderúrgica da China, exportando para esse país, a preço vil, minério de ferro in natura; em operação reversa, compramos produtos industrializados, de elevado valor agregado. Certo é que, mais cedo ou mais tarde se esgotarão nossas jazidas, vistas levianamente como inexauríveis. Parece que nada aprendemos com a História: o pau-brasil acabou; o ouro das minas acabou; a borracha da Amazônia acabou – e assim findaram melancolicamente os ciclos da economia brasileira.

Pensemos por um minuto o que seria a produção intensiva e a exportação continuada de grãos para alimentar bilhões de pessoas do outro lado do mundo, mediante a exploração exaustiva do que resta do cerrado e da mata amazônica. A Ferrovia Transoceânica induzirá e facilitará a operação. Muito dinheiro circulará, muita gente enriquecerá; lá, como aqui, haverá “progresso” e os políticos de plantão se perpetuarão no poder.

Um dia, porém, restarão exauridas nossas terras e esgotadas nossas águas e reservas minerais. Quando olharemos em redor e nos lamentaremos, lembrando o rei francês, Luis XV: “Depois de nós, o deserto”.

(Lena Castello Branco, [email protected])

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