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Raul Seixas faria 70 anos

Walacy Neto,Especial para DMRevista

Em 1945, acabava a Segunda Guerra Mundial e a sociedade se via em meio a grandes dúvidas. Socialismo e capitalismo logo mais iriam começar uma disputa sobre qual modelo econômico é mais viável: Rússia contra Estados Unidos. Nesse ano, um outro acontecimento bem menor, na cidade de Salvador, capital da Bahia, também daria novos rumos para ideologias brasileiras. É que o povo daqui tem uma paixão forte pela música, sendo que é de muito importância os pensamentos dos cancioneiros para essa nação. Dia 28 de junho de 1945, hoje se completam 70 anos que o músico e compositor baiano Raul Seixas adentrou nesse planeta com ideias de sociedades alternativas e planetas além. Um louco? É bem provável que o músico fale sobre mundos utópicos e pregue em suas músicas ideologias contraditórias, mas a história de Raul Seixas vai muito além.

Desde pequeno o músico se interessava por essas questões do homem: de onde vim? Pra onde vou? E o que eu quero? “Quando eu era guri, lá na Bahia, música para mim era uma coisa secundária. O que me preocupava mesmo eram os problemas da vida e da morte, o problema do homem, de onde vim, pra onde vou”, diz Raul em uma entrevista. Saindo do segundo plano para o primeiro, foi através do rock and roll de Elvis que o músico baiano encontrou sua paixão. Em 1957, Raul Seixas e seu amigo Waldir Serrão criaram em Salvador o Elvis Rock Club, momento em que o músico começa a ter maior contato com as ruas e a vida boêmia. O grupo ia pelas ruas fazendo arruaça e vandalismo, coisa que Raul não gostava, mas ia junto pelo “rock and roll” daquele momento.

No ano de 1967, após várias tentativas de montar uma banda de rock, Raulzito encontra Mariano Lanat, Eládio Gilbraz e Carleba. A banda é batizada de Os Panteras e o primeiro CD vem no ano seguinte com título homônimo da formação. Sem concluir o cursinho, casa-se com Edith Wisner e se muda para o Rio de Janeiro a convite de Jerry Adriani, um produtor que queria investir no trabalho de Raul e d’Os Panteras. A banda assina contrato com a gravadora EMI-Odeon. Apesar das notícias boas, as dificuldades no Rio de Janeiro foram muitas e não demoraram a chegar. Raul Seixas afirma que nesse período chegou a passar fome na Cidade Maravilhosa, momento que deu inspiração para escrever a música “Ouro de Tolo”, gravada já em sua carreira solo.

Na segunda vez que Raul esteve no Rio de Janeiro, o roteiro foi diferente. Em 1973, o músico alcança grande sucesso com o lançamento de Ouro de Tolo. A canção é autobiográfico e conta daquele primeiro período no Rio, mas devido a proximidade, a letra também tem referência com a ditadura militar e do milagre econômico. O álbum Krig-ha, Bandolo!, de Raul Seixas, também tinha duas faixas bem marcantes na história da música brasileira: Metamorfose Ambulante e Mosca na Sopa. Nesse ano, o músico baiano começa a se interessar por astronomia e tem seu primeiro contato com o escritor Paulo Coelho, que viria a ser seu parceiro musical no futuro.

Não pare na pista

A relação entre Coelho e Seixas começou por esse interesse mútuo pela astrologia. A amizade entre os dois sempre foi muito complicada. Foi ele quem apresentou as drogas ao músico e também às sociedades secretas que participava. A partir desse contato também surgiu o manifesto sobre a Sociedade Alternativa, cantada nas composições de Raul e Paulo. Mesmo conturbado o relacionamento dos dois, era forte e vivo até hoje, afirmou o próprio Paulo Coelho à revista Rolling Stones.

“A coisa que eu mais agradeço dessa relação foi ele ter me ensinado que cultura popular não é, necessariamente, uma coisa negativa. Ao contrário, a capacidade de se comunicar com todos é muito positiva. No fundo, é o objetivo do ser humano, a comunicação com seu próximo”. Paulo também afirma que a segunda coisa que Raul o ensinou foi a linguagem e como utilizá-la. “Eu me lembro de gostar de músicas do Raul, antes de ele ser famoso, que ele fazia para outras pessoas na CBS. Eu o ouvia e dizia: ‘Então essa música é sua. Que maravilha!’ Tem uma música que diz: ‘Estou voltando pra casa / Camisa amassada / Mais um dia de trabalho / Que afinal chegou ao fim’. Eu não sabia quem cantava. Só vim saber muito tempo depois que a canção era dele. Raul me ensinou a ver isso e guardo até hoje”.

Em 2014, Daniel Augusto dirigiu uma cinebiografia sobre Paulo Coelho, fazendo um laço entre sua juventude, idade adulta e na maturidade. O filme é feito através de relatos do próprio Paulo e a história perpassa por momentos marcantes da vida do autor. Os temas abordados são a relação do escritor com drogas, religião, sexualidade e, principalmente, a parceria e convivência com o músico Raul Seixas.

70 anos de Raul

Raulzito arrastava multidões e se tornou um dos grandes ícones do rock e da música popular brasileira. A origem baiana e o tempo que viveu no Rio de Janeiro estão contidos na música de Raul, assim como a repressão sofrida durante a ditadura militar e suas teorias loucas sobre universos e seitas. Raul virou um mito. Na manhã do dia 21 de agosto de 1989, o músico foi encontrado morto sobre a cama de seu apartamento na cidade de São Paulo. Ele teve uma parada cardíaca causada pela diabetes, agravada devido aos problemas de alcoolismo do músico. Na época, Raul se reunia para lançar o disco A Panela do Diabo pela Warner Music Brasil, que seria no dia 22. O LP póstumo vendeu mais de 150.000 cópias na época, rendendo o disco de ouro para Raul que foi entregue para a sua família e o atual parceiro Marcelo Nova.

Após a morte de Raul, seu trabalho continuou sendo divulgado intensamente. Raul se tornou um mito nas rádios, bibliografias e lojas. Diversas adaptações para o cinema e documentários foram produzidos sobre a vida do músico e sobre a tragédia de sua morte. “A única coisa que me desagrada hoje é uma certa manipulação da lembrança dele. E o que me surpreende muito é a atualidade das coisas que fizemos e, também, a atualidade da presença de Raulzito. Raul Seixas é mais atual que nunca. Vemos, nesse caso, a tragédia como força que consolida a carreira de alguém. Ele não precisaria ter morrido da maneira que morreu, mas repito que foi sua escolha. A tragédia consagra – infelizmente”, aponta Paulo Coelho em entrevista. Paulo compara a forma como tratam a imagem de Raul com o que aconteceu com Jim Morrisson e Michael Jackson. “A imprensa fez tudo para destruir Michael Jackson e, quando ele morreu, a comoção popular foi gigantesca. O mesmo aconteceu com o Raul. No final de sua vida, era convidado para programas de TV, visto como uma raridade. A tragédia faz com que a pessoa ganhe uma dimensão completamente diferente. Ou seja: ele se sacrificou por isso. Desde os mitos mais ancestrais, das mortes dos deuses, até hoje. John Lennon é mais importante que Paul McCartney porque foi assassinado”, afirma.

Lembro de uma entrevista em um programa de TV que Raul foi convidado, bem nesse período meio trágico que pensava pelo contato com o álcool. Jô Soares entrevista o músico ao lado de Marcelo Nova e Raul fala sobre seu contato com John Lennon. Ele afirmava que conheceu o músico durante seu período exilado, que chegou a morar com o beatle durante um tempo, onde passou compondo algumas músicas. Essa narração é considerada pra alguns amigos como a mentira mais bem contada de Raul Seixas, mas além dessas tem outras. Raul é um mito.

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