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A emboscada

Wallacy Neto, da editoria DMRevista

Há muito da história brasileira que está enterrada por sobre anos de preconceito. Os fatos que se deram na Guerrilha do Araguaia, por exemplo, que ao fim resultou apenas em um grande número de desaparecidos políticos. Também o período da ditadura militar, que promulgava atos institucionais a fim de calar a imprensa e deixar vazias as páginas sobre o que era decidido ou impedido. Destas épocas pouco é falado nas escolas e menos ainda é visto em livros da História do Brasil. Por esse fato, essa falta de informação, boa parte da população é guiada pelo senso comum, pelo pensamento geral que na maioria das vezes é falho e superficial.

Por esse fato, personagens da cultura brasileira se tornaram vilões e logo foram esquecidos, se tornando imagens cada vez mais obscuras. Virgulino Ferreira da Silva, por exemplo, nasceu igual a quase todo mundo que é brasileiro: no sertão e com poucas condições financeiras. Dizem que foi por entre os anos de 1889 e 1900, o dia mesmo é ainda mais vago quando se pesquisa. Também nasceu filho de Maria e José, igual a quase toda a maioria. Durante os primeiros anos de vida, 21 para ser mais preciso, era letrado, artesão, mas nessa parte o Virgulino se distanciava do povo da região, pois sertanejo que é sertanejo tem outras direções. Só um pouco mais a frente na história de vida desse sertanejo que o nome Virgulino vai para o segundo plano - junto com o artesanato - e este se apega nas armas, passando a ser chamado de Lampião, o Rei do Cangaço.

Reza a lenda que Lampião nasceu na cidade de Serra Talhada, no Pernambuco. Trabalhava com o pai na fazenda e se envolveu pela primeira vez com o cangaço justamente para vingar a morte de José, no ano de 1919. Em 1922, se tornou o líder do grupo e começou uma série de invasões a fazendas nobres. A primeira foi no ano de 1923, na casa da baronesa de Água Branca, em Alagoas. No ano de 1930, o nome de Lampião já estava entre os mais procurados em diversos Estados do Nordeste, assim como o do resto dos membros do bando. Os saques, assaltos e doações forçadas de comerciantes passaram a sustentar Lampião e seu grupo, que seguiam Nordeste a fora a cavalo, trajados com roupas de couro e chapéus (traje tradicional do movimento do cangaço).

Cangaço

O cangaço marcou anos da história brasileira durante os últimos séculos. Talvez tenha sido uma das maiores expressões de revolta de uma sociedade frente às péssimas condições de vida e a má distribuição de renda. O momento teve principal palco nas costas de Lampião, conhecido como o principal líder devido a sua persistência em continuar sempre escapando da polícia e pela violência utilizada pelo bando. O termo vem da palavra canga, que é uma peça de madeira utilizada para prender junta de bois a carro ou arado.

Os cangaceiros podem ser divididos em três grupos diferentes: os que prestavam serviços caracterizados para os latifundiários; "os satisfatórios", termo que expressa poder dos grandes fazendeiros; e os cangaceiros dependentes, voltados para o banditismo. Neste último se enquadrava Lampião e seu bando. Outra característica dos cangaceiros era seu conhecimento total da Caatinga. Esse fato possibilitava que todo o bando sumisse em meio ao mato, coisa que a polícia não conseguia fazer com tanta destreza. Em diversas vezes o grupo de Lampião entrou em confronto com as autoridades, mas estes sempre conseguiam fugir ou se esconder em alguma fazenda no final do combate.

O cangaço teve seus momentos finais com uma decisão do então presidente da República, Getúlio Vargas, de eliminar todo e qualquer foco de desordem sobre o território nacional. A medida, ou o novo regime denominado Estado Novo, incluía Lampião e seus cangaceiros na categoria de extremistas, sendo que a sentença nestes casos era a morte, caso não houvesse rendição. Mas o último acontecimento que marca a história do cangaço foi a emboscada dos policiais que matou Lampião, sua esposa Maria Bonita e outros nove cangaceiros.

A emboscada

Da vida e morte de Lampião sabe-se apenas o básico, o superficial. Apesar de que alguns registros históricos, como fotografias e algumas entrevistas, permitam a confecção de biografias, a história ainda parece um pouco borrada, talvez manchada com o sangue e a violência utilizada por Lampião. Ele matou um grande número de pessoas, roubou diversas fazendas, estuprou, torturou, esquartejou e viveu por vários anos totalmente fora da lei dos homens. Mas é dessa realidade que surgiu o cangaço, uma expressão cultural brasileira extremamente específica e relevante. Homens e mulheres que seguiam por entre o sertão brasileiro em busca de vingança pela falta de emprego, pela miséria ou por ter perdido as terras para o governo. O cangaço, por mais violento que tenha sido, é um estilo de manifestação frente a uma realidade tão cruel quanto.

A morte e como a resposta da polícia veio sobre o bando de Lampião é uma demonstração quase que perfeita da violência gerada pela violência. No dia 27 de julho de 1939, todo o bando estava acampado na Fazenda Angicos, localizada no sertão do Sergipe. Era um dos esconderijos tidos como de maior segurança para o Rei do Cangaço. Entre os detalhes da noite, conta-se que chovia muito e todos dormiam nas barracas quando a volante chegou, silenciosamente. Às 5h do dia 28, os cangaceiros começavam a se levantar para rezar o ofício e tomar café. Quando um deles percebeu a presença dos policiais e deu o alarme já era tarde.

O ataque teria durado cerca de 20 minutos e um dos primeiros a morrer foi o capitão do bando, o Lampião. Em seguida, Maria Bonita foi brutalmente espancada pelos policiais e os cangaceiros se viam desnorteados, sem saber para onde correr ou onde se esconder. Não sabe-se ao certo quem poderia ter traído o bando informando onde eles estavam escondidos. Devido a segurança que a Fazenda Angicos imprimia, os cangaceiros descansavam tranquilamente e com a guarda abaixada, sendo que este pode ter sido um dos principais motivos que levaram ao extermínio do grupo.

Em seguida, seguindo uma tradição da época, o volante decapitou Lampião, Maria Bonita e os outros nove cangaceiros mortos na emboscada: Quinta-Feira, Mergulhão (que tiveram as cabeças arrancadas ainda com vida), Luís Pedro, Elétrico, Enedina, Moeda, Alecrim, Colchete e Macela. Na cabeça de Lampião, já desmembrada, um policial desfere um golpe com um fuzil deixando a fisionomia do cangaceiro distante da anterior. Esse fato gerou boatos de que Lampião teria escapado, devido à diferente fisionomia que aparentava. O coronel responsável pela investida, João Bezerra, levava as cabeças do bando, já em estado de putrefação, e exibia em diversas cidades por onde passava, sempre com um grande número de pessoas em volta. As cabeças do bando seguiram para Salvador, Alagoas e por vários anos tornaram objeto de estudo onde cientistas tentavam provar que os cangaceiros tinham algum tipo de patologia. Por vários anos as famílias dos mortos tentaram dar um enterro aos familiares, fato que aconteceu apenas no ano de 1965.


  • SAIBA MAIS


Último cangaceiro

Em 2014 faleceu o último cangaceiro do bando de Lampião. José Alves de Matos tinha 97 anos e era conhecido como "Vinte e Cinco". Recebeu o apelido de Lampião por ter se juntado ao bando no dia 25 de dezembro de 1933. Conseguiu sobreviver ao massacre por ter se entregado à polícia no começo da perseguição.

"Macacos"

Os volantes eram pequenos grupos de soldados (cerca de 20 e 60) formados pelo governo para aplicação de leis e, principalmente, destruir o cangaço. Os cangaceiros chamavam os mesmos de "macacos" devido ao uniforme e a disposição para acatar ordens. Também havia uma gozação nesse apelido: os cangaceiros afirmavam que os volantes corriam pulando igual macacos quando viam o bando de Lampião se aproximar.

Fuga

Os coiteiros eram fazendeiros ou moradores do sertão que davam abrigo e comida para os cangaceiros durante suas fugas. Os motivos dos coiteiros poderiam ser troca de favores, parentes no cangaço, amigos ou, como ocorria na maioria das vezes, por medo.

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