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“Ao vencedor,  as batatas!”

Ian Caetano,Especial para Diário da Manhã

Ainda quero escrever um “por que reler” Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas antes, talvez por força da ocasião de meu retorno recente às obras do realismo fantástico, apeteceu-me esmiuçar, primeiramente, esta outra obra do autor.

Machado de Assis é uma figura controversa na história brasileira, para além do cenário literário, inclusive. Negro, gago e pobre, foi apadrinhado por um homem de posses e, ávido por ascender socialmente, encontrou no destaque intelectual sua possibilidade de inserção e reconhecimento nos altos círculos sociais do Rio de Janeiro da época; muito embora, segundo as biografias mais autorizadas, mal tenha cursado os ensinos elementares e jamais tenha ingressado na universidade. Como funcionário do Ministério da Agricultura, desempenhou um papel importante à efetivação da Lei do Ventre Livre (que postulava que filhos de negras e negros escravos nascessem livres da escravidão). Sobre as polêmicas de ter sido censor do império, e outras mais, pouco vale comentar, pois, pelo menos por via das informações que me alcançam, a história é por demais mistificada para condená-lo ou absolvê-lo. O que é certo é que exerceu diversos cargos públicos durante sua vida e é notadamente reconhecido por ter sido um dos fundadores e primeiro presidente da hoje já não tão relevante Academia Brasileira de Letras.

É celebrado entre estudiosos e leitores de modo mais efusivo por sua tríade de livros realistas, quais sejam: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899). Os dois primeiros têm uma ligação mais evidente, pois partilham o mesmo universo e têm como elo conector o personagem que dá nome ao segundo livro. Machado de Assis ainda recebe resistência por diversos leitores. Creio ter isso muito a ver com a forçada inserção que esta densa – embora deleitosíssima – leitura tem nas escolas; mas falarei mais disso em uma resenha posterior, quando for falar de Memórias Póstumas, livro que de modo mais recorrente aparece no fim do ensino fundamental e no ensino médio.

Quincas Borba conta a história de Rubião, um frustrado professor primário (àquela época já se pagava mal aos trabalhos desta categoria) que, amigo de Quincas Borba, cuida-o quando este é acometido pela doença da sandice. Quando do agravo da doença de Borba, Rubião começa a conjecturar se não haveria alguma resga de posses que o abastado louco para ele deixaria.

Eis que a história tem seu desenrolar a partir da surpreendente revelação de que Quincas Borba não só deixara algo a Rubião, como deixara tudo. Herdeiro universal das posses do filósofo alienado.

A história então segue o desenrolar deste novo rico, que de professor passa a capitalista, em sua ascensão aos grandes círculos.

Permeada em seu princípio pelos engraçadíssimos, ainda que profundos, delírios de Quincas Borba, passando ainda pela disparatada condição imposta a Rubião, no testamento, para que pudesse reivindicar sua herança; entrando nas finas ironias traçadas por Machado de Assis na descrição da burguesia (ainda meio aristocrata) brasileira, é um livro genial.

Mas e qual o sentido do título desta resenha? Perguntará o leitor; e o sentido, responder-lhe-ei, é precisamente o que está escrito. A mim não ocorre livro anterior brasileiro que tenha, sobremaneira, traços estilísticos e temáticos tão próprios do realismo fantástico: os diálogos perpassados por uma certa aura de absurdo; as situações de humor baseadas no que se pensa da situação e menos no que ela efetivamente é e a crítica feita de maneira imanente,  levando ao descabido determinadas situações para mostrar como elas, já antes disso, são completamente disparatadas. Um notável caso, por exemplo, é a impagável cena que se descreve do meio para o final do livro, dos amigos interesseiros de Rubião indo almoçar à casa deste, mesmo ele não estando lá; e este deixando orientado que sempre lhes fosse servido o almoço; e estes, de modo pouco convincente, agindo como se estivessem à espera do anfitrião para começar a ceia, consumindo os charutos caros deixados na sala pessoal do residente. Um livro que tem desde incursões sobre a incorporação da alma do homem em um corpo de cachorro, até delírios sobre ser ou não napoleão (o primeiro e o sobrinho).

Como foi originalmente publicado em folhetim, é um livro de capítulos curtos, o que facilita muito a leitura; e é, por certo, um marco literário nacional e mundial. Vemos um Machado de Assis que, após o sucesso de seu Memórias Póstumas, está mais propenso ao experimentalismo literário, com uma rara vantagem vis-à-vis outros autores: a de acertar em suas tentativas.

Título: Quincas Borba Autor: (Joaquim Maria) Machado de Assis (Brasileiro) 1839-1908

Data da 1ª publicação: 1886-1891 (publicado como folhetim na revista A Estação) 1891 (editado como livro pela Garnier Livreiro)

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