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Treino para a morte

Humberto de Campos foi, na primeira metade do século passado, um dos nossos maiores jornalistas, cronistas e escritores, membro da Academia Brasileira de Letras. Deixando este mundo em dezembro de 1934, após longa enfermidade e muitos sofrimentos físicos, construiu elevado conceito entre os espíritas ao enviar do Além 12 livros através da mediunidade de Francisco Cândido Xavier. Em Cartas e Crônicas, 1966, com o mesmo estilo fascinante de quando vivente neste Planeta, ele oferece ao leitor o que chama de Treino para a morte. Eis seus pontos principais:

“Preocupado com a sobrevivência além-túmulo, vocêpergunta, espantado, como deveria ser levado a efeito o treinamento de um homem para as surpresas da morte. A indagação é curiosa e, realmente, dá o que pensar.

Creia, contudo, que, por enquanto, não é muito fácil preparar, tecnicamente, um companheiro à frente da peregrinação infalível.

Os turistas que procedem da Ásia ou da Europa habilitam futuros viajantes com eficiência, lhes não faltarem os termos analógicos necessários. Mas, nós, desencarnados, esbarramos com obstáculos quase intransponíveis.

A rigor, a Religião deve orientar as realizações do espírito, assim como a Ciência dirige todos os assuntos pertinentes à vida material. Entretanto, a Religião até certo ponto permanece jungida ao superficialismo do sacerdócio, sem tocar a profundeza da alma”.

Fuja de uma praga tiranizante

“Pode acreditar que não obstante achar-me aqui de novo, há quase vinte anos de contado, sinto-me ainda no assombro de um xavante, repentinamente trazido da selva matogrossense para alguma de nossas universidades, com a obrigação de filiar-se, de inopino, aos mais elevados estudos e às mais complicadas disciplinas.

Preliminarmente, admito deva referir-me aos nossos antigos maus hábitos. A cristalização deles, aqui, é uma praga tiranizante. Comece a renovação de seus costumes pelo prato de cada dia. Diminua gradativamente a volúpia de comer a carne dos animais. O cemitério na barriga é um tormento, depois da grande transição. O lombo de porco ou o bife de vitela, temperados com sal e pimenta, não nos situam muito longe dos nossos antepassados, os tamoios e os caiapós, que se devoravam uns aos outros.

Os excitantes largamente ingeridos constituem outra perigosa obsessão. Tenho visto muitas almas de origem aparentemente primorosa, dispostas a trocar o próprio Céu pelo uísque aristocrático ou pela nossa cachaça brasileira.

Tanto quanto lhe seja possível, evite os abusos do fumo. Infunde pena a angustiados desencarnados amantes da nicotina.

Não se renda à tentação dos narcóticos. Por mais aflitivas pareçam as crises do estágio no corpo, agüente firme os golpes da luta. As vítimas da cocaína, da morfina e dos barbitúricos demoram-se largo tempo na cela escura da sede e da inércia.

E o sexo? Guarde muito cuidado na preservação do seu equilíbrio emotivo. Temos aqui muita gente boa carregando consigo o inferno rotulado de “amor””.

Muita cautela com testamentos

“Se você possui algum dinheiro ou detém alguma posse terrestre, não adie doações, caso esteja realmente inclinado a fazê-las. Grandes homens, que admirávamos no mundo pela habilidade e poder com que concretizavam importantes negócios, aparecem, junto de nós, em muitas ocasiões, à maneira de crianças desesperadas por não mais conseguirem manobrar os talões de cheque.

Em família, observe cautela com testamentos. As doenças fulminatórias chegam de assalto, e, se a sua papelada não estiver em ordem, você padecerá muitas humilhações, através de tribunais e cartórios. Sobretudo, não se apegue demasiado aos laços consangüíneos. Ame sua esposa, seus filhos e seus parentes com moderação, na certeza de que, um dia, você estará ausente deles e que, por isso mesmo, agirão quase sempre em desacordo com sua vontade, embora lhes respeitem a memória. Não se esqueça de que, no estado presente da educação terrestre, se alguns afeiçoados lhe registrarem a presença extraterrena depois dos funerais, na certa intimá-lo-ão a descer aos infernos, receando-lhe a volta inoportuna.

Se você já possui o tesouro de uma fé religiosa, viva de acordo com os preceitos que abraça. É horrível a responsabilidade moral de quem já conhece o caminho, sem equilibrar-se dentro dele. Faça o bem que puder, sem a preocupação de satisfazer a todos. Convença-se de que se você não experimenta simpatia por determinadas criaturas,há muita gente que suporta você com muito esforço. Por essa razão,em qualquer circunstância, conserve o seu nobre sorriso.

Trabalhe sempre, trabalhe sem cessar. O serviço é melhor dissolvente de nossas mágoas. Ajude-se, através do leal cumprimento de seus deveres.

Quanto ao mais, não se canse nem indague em excesso, porque, com mais tempo ou menos tempo, a morte lhe oferecerá o seu cartão de visita, impondo-lhe ao conhecimento tudo aquilo que, por agora, não lhe posso dizer”.

(Jávier Godinho, jornalista)

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