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Cesta básica, remédios, automóveis: o que muda com a reforma tributária

Objetivo das mudanças é a simplificação do sistema tributário brasileiro, considerado muito complexo

O Senado Federal aprovou nesta quarta-feira, 8, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, que modifica o sistema de cobrança de impostos no Brasil, considerado hoje um dos mais caóticos do mundo.

Para especialistas e o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não foi a reforma ideal - principalmente pelo enorme número de setores que conseguiram o benefício de se enquadrar em alíquotas menores. Mas a avaliação é que, mesmo assim, será um grande avanço.

Como o texto foi modificado no Senado, ainda voltará para uma segunda análise na Câmara dos Deputados.

O foco da reforma é principalmente simplificar o sistema de impostos brasileiro, abrindo caminho para um crescimento econômico sustentável, de longo prazo. Hoje, há impostos federais, estaduais e municipais, cada um com regras próprias e alíquotas diferentes dependendo do Estado ou do município, cobrados de forma cumulativa durante todas as etapas da cadeia de produção, o que encarece e torna o processo muito burocrático - além das questões que vão parar na Justiça.

Para tentar amenizar esses problemas, a proposta de reforma tributária aprovada agora no Senado altera a tributação dos impostos que incidem sobre o consumo e cria um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual - ou seja, dividido em dois: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), substituindo o ICMS dos Estados e o ISS dos municípios; e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substitui PIS, Cofins e IPI, que são federais.

Para a economista Zeina Latif, apesar de esse processo da reforma tributária ser mais um exemplo de como o Brasil é especialista em perder oportunidades - já que poderia ter feito uma mudança muito mais robusta -, a economia brasileira vai se beneficiar. “Acho que a tendência é a gente se surpreender positivamente (com os efeitos da reforma)”, disse. Veja, abaixo, alguns pontos importantes que vão mudar com a reforma tributária.

O texto aprovado cria dois tipos de cesta básica. Uma será totalmente desonerada e ganhará o nome de “social”. Outra será a cesta básica estendida e será tributada. A cesta “social” seria formada por itens de alimentação e voltados à população de baixa renda. Já a estendida poderia contemplar produtos para atender à demanda da bancada ruralista. Os produtos que farão parte deste grupo serão definidos em lei complementar.

Os senadores alteraram diversos pontos da Proposta de Emenda à Constituição que foi aprovada pela Câmara Federal. Por causa disso, o texto retorna para a Câmara dos Deputados, onde poderá passar por novas alterações. Os deputados devem começar a analisar o texto somente depois do feriado de Proclamação da República, em 15 de novembro. A expectativa é que haja concordância das partes principais da reforma, já que o relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), manteve diálogo permanente com Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator na Câmara.

Remédios e saúde

O novo texto da reforma inclui, entre os itens que poderão ter isenção total de CBS e IBS: serviços de saúde, dispositivos médicos e de acessibilidade para portadores de deficiência, medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, além da aquisição de remédios e dispositivos médicos pela administração direta, autarquias e fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como pelas entidades de assistência social.

Automóveis

O texto prorroga até 31 de dezembro de 2032 incentivos tributários concedidos a montadoras instaladas nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. A regra vale para projetos aprovados até 31 de dezembro de 2024 e proíbe a majoração do benefício.

Imposto sobre herança

A PEC estabelece que o imposto sobre a herança será obrigatoriamente progressivo, com base no valor da doação ou herança, de quaisquer bens e direitos. Haverá uma alíquota máxima ainda a ser definida. Isso quer dizer que quanto maior o valor da herança ou doação, maior será a alíquota aplicada. Porém, o índice de progressividade deve acompanhar o valor do quinhão ou do legado, não o da herança. No caso de uma herança dividida por vários herdeiros, o valor que cada um recebe pode não significar um aumento significativo no patrimônio a ser recebido. Dessa forma, não seria necessária uma alíquota maior. Por isso, a progressividade da tributação deverá ser justificada a partir do legado.

Devolução de créditos

Além de prever devolução do imposto pago a famílias de baixa renda na cesta básica estendida, o texto aprovado no Senado instituiu um cashback obrigatório na conta de luz e no botijão de gás adquiridos por famílias vulneráveis.

Alterações da reforma não entram em vigor de imediato

A reforma tem um prazo de implementação longo. A transição da CBS federal, que substituirá o IPI e o PIS/Cofins, se inicia em 2026, em forma de teste, com alíquota de 0,9%, mas já a partir de 2027 a nova contribuição será totalmente implementada, com o fim dos tributos atuais.

Já a transição do IBS, estadual e municipal, é bem mais longa. O novo imposto terá alíquota de apenas 0,1% no período de teste de 2026 a 2028, e a sua implementação total só ocorrerá em 2033, segundo um cronograma gradativo, mas com um grande ajuste repentino de 60% no final.

O prazo da transição é um dos alvos dos críticos da reforma, que argumentam que as empresas terão de conviver por vários anos com uma quantidade de impostos dobrados. A queixa é de que a reforma não simplifica, mas troca “seis por meia dúzia”.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou haver o compromisso do governo de fazer uma transição suave. “(A PEC da reforma tributária) será regulamentada por lei complementar, com muita transparência para concluir essa transição com os melhores resultados”, afirmou.

Votação atesta fidelidade bolsonarista no Senado

A votação da reforma tributária no Senado explicitou que o ex-presidente Jair Bolsonaro tem aliados fiéis na Casa, mesmo em temas descolados da pauta de costumes. Apesar da vitória do governo Lula, os articuladores do Planalto suaram a camisa para entregar os 53 votos a favor da reforma. Antes da votação, o clima era tenso.

Já Bolsonaro, após reunir sua base em um jantar, viu o PL votar em peso contra o governo, e até Romário (RJ), que nunca foi “bolsonarista raiz”, decidiu pelo “não”. No partido, só Eduardo Gomes (TO), que foi líder do governo passado no Congresso, deu aval ao texto - e contratou uma crise para ele na sigla. Mais um sinal para Lula de que, ao contrário do início do ano, as maiores dificuldades agora estão no Senado, e não na Câmara.

Em números, 90% do PL seguiu Bolsonaro para a reforma tributária no Senado, frente a 78% na Câmara. Não à toa, o ex-presidente foi ontem negociar pessoalmente com a bancada de deputados, que agora terão de analisar novamente o texto aprovado pelos senadores.

Entre declarados apoiadores do ex-presidente que não seguiram sua orientação está o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil.

O senador Carlos Portinho (PL-RJ), designado por Bolsonaro para tentar frear a reforma tributária junto a aliados, afirmou que Eduardo Gomes não avisou a ele que votaria com o governo. Ponderou, no entanto, que o senador não foi ao jantar promovido por Bolsonaro.

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