Um dia após a reunião dos governadores e chefes de poderes com o presidente Jair Bolsonaro, ocorrida na manhã de quarta-feira, 24, no Palácio da Alvorada, em Brasília, já é tempo suficiente para entender o papel de cada personagem na aparente guinada no combate da covid-19 pelo país.
Agora existe oficialmente um comitê nacional para enfrentamento da pandemia de covid-19. Mais: discurso de unidade. Outra: as campanhas publicitárias veiculadas pelo país, inclusive na rede Globo, falam sobre máscara e álcool gel. São fatos.
Existe um marco político: caberá ao Senado a interlocução de Bolsonaro com os governadores.
Durante a reunião de quarta-feira, ao lado do presidente do Senado (Rodrigo Pacheco), presidente da Câmara dos Deputados (Arthur Lira), do Supremo Tribunal Federal (Luiz Fux) e de vários outras cortes e órgãos de Estado, Bolsonaro parecia outro.
Estamos exatamente com 48 horas de aparente mudança de atmosfera: a imprensa está agora valorando como tratar a modulação de comportamento do presidente.
Pelos termos de seu pronunciamento, Bolsonaro se mostrou entusiasmado pela vacinação da população.
E teria como ser diferente? Na perspectiva bolsonariana, sim.
Mas é o Governo Federal que começou uma das maiores campanhas de vacinação da história. Logo, deve ser tributado ao chefe do Executivo tanto fracassos quanto êxitos. E se existirem êxitos, claro, nada mais justo que cheguem aos personagens certos.
Por enquanto, mais fracassos que erros rondam o Planalto. Mas isso pode mudar.
Em termos de vacinação, o Brasil ainda está atrasado em relação a outros países, mas está na frente de muitos, se comparado com França, por exemplo, que detém grandes laboratórios e nem por isso está no nível de imunização do Brasil.
É aqui que entra o personagem central na mudança de rota do país que está à beira da tragédia.
Desde 2020, o governador de Goiás, médico Ronaldo Caiado, tenta 'amolecer' e convencer o presidente Jair Bolsonaro de que não existe outra alternativa a não ser ciência e respeito às diretrizes da comunidade científica. Será que agora Bolsonaro entendeu mesmo?
Após quase todos governadores perderem o diálogo com o presidente [ e mesmo Caiado ter muitas vezes se esquivado e cansado dessa tarefa inglória ], é o governador de Goiás que tenta intermediar uma demanda nacional com um presidente que toma decisões/atitudes muitas vezes personalíssimas e que confunde sua figura com o Estado.
Caiado tem tentado mostrar de forma republicana como um estadista deve se comportar. Não quer incendiar o país. Não quer fazer campanha eleitoral com mortos. E menos ainda se esquivar covardemente do vírus. É preciso deixar para a história: médico, ele poderia ter sido vacinado no primeiro dia. Ou se escondido de medo. Mas não: foi vacinado na fila da idade. E está nas ruas tentando enfrentar o vírus como médico, cientista e governador.
Queira ou não, Bolsonaro admira Caiado por sua história.
Admira Caiado tanto que votou nele para presidente, quando o político goiano disputou as eleições, em 1989. E reconhece também a integridade moral e científica do goiano, apesar dos arroubos da "cloroquina" rondarem o presidente.
Nos bastidores, Caiado tenta dar velocidade e ânimo para que Bolsonaro retome o que possa ter perdido diante da grande confusão que foi até aqui a gestão federal da pandemia. O presidente parece que captou.
Líder dos governadores na reunião de quarta-feira, Caiado citou que existe agora um “ponto de convergência de todos para salvar vidas”.
O governador de Goiás tem aperfeiçoado ele próprio a diplomacia, mostrando ao presidente que neste momento o país precisa de mais decisões acertadas do que decisões temperamentais ou disputas entre poderes.
Há 48 horas o Brasil segue neste ritmo de paz no campo de batalha, apesar de 300 mil mortos.
“A reunião teve um significado especial. Foi construído um ponto de concórdia”, disse Caiado.
E desta reunião saiu talvez a frase mais dissonante até aqui. Ela foi dita por Jair Bolsonaro: “A vida em primeiro lugar. A intenção é, cada vez mais, nos dedicarmos à vacinação em massa no Brasil”.
Se realmente conseguir sensibilizar Bolsonaro, Caiado estará ajudando o país a sair de seu maior dilema existencial de saúde pública: a real crise sanitária.
As pesquisas mais recentes implicam Bolsonaro na condução da gestão: para 54% dos entrevistados, ele não faz bom combate da doença.
O Brasil não pode torcer para que o presidente erre, volte ao que era antes e que faltem vacinas.
Só nos resta acreditar que vai dar certo.