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COTIDIANO

“Eu acreditei nele”

Mulheres ‘usadas’ pelos parceiros acabam na prisão. Todavia, é cada vez maior segmento daquelas que optam pelo crime. Pesquisa revela perfil das detentas

“Não era para eu ter sido. Mas para meu marido ter sido. Como  não estava em casa no momento, me algemaram”, conta L. B. S., 24 anos, presa em flagrante a partir de uma invasão policial em domicílio, ocorrida em fevereiro do ano passado.

Em sua casa, a polícia encontrou maconha e cocaína, suspostamente escondidas pelo marido envolvido no tráfico de drogas. L.B.S é mãe de duas crianças, de um e quatro anos. Ela recorda com horror os momentos dramáticos do dia em que foi presa e daqueles que passou encarcerada. “Tinha acabado de chegar do serviço, com meus dois filhos no carrinho. Trabalhava de doméstica e levava eles. Ao chegar no portão da minha casa, um policial já entrou apontando a arma na minha cabeça. Polícia não respeita: o tempo todo dizia "você é vagabunda", "você não presta porque você é mulher de traficante", "você sabe onde estão as coisas”. Na prisão, a jovem tentou entender os motivos que a colocaram naquele lugar.

Longe dos filhos, L.B.S lamentava mais ainda ter que ficar distante de seu bebê de  cinco meses. “Fiquei 52 dias presa e essa foi uma experiência muito ruim. Na época, estava amamentando minha filha. Fui algemada na frente do meu filho de três anos. Até hoje ele tem trauma. Quando vê carro de polícia, ele diz: mamãe, mamãe! A polícia vai te levar. Vamos embora, mamãe. A polícia vai te levar”, relata.

Após 52 dias presa, L.B.S conseguiu a liberdade, mas usou tornozeleira eletrônica no pé por quase três meses até o processo ser encerrado. “Passei a ser uma presa domiciliar. Só podia andar 30 metros fora da minha casa. E quando tinha que levar meus filhos ao médico, precisava ligar, na central, para avisar para onde estava indo”.

Defesa

Para a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), a advogada Mônica Araújo de Moura, responsável pelo caso de L.B.S, a  prisão ocorreu porque o marido não apareceu quando os policiais invadiram a casa. “Eles a prenderam porque havia drogas escondidas na casa pelo marido. Com isso foi presa em flagrante. Ela ficou alguns dias detida e não teve coragem de entregar o marido”, diz a advogada.

Mônica explica que casos como o de L.B.S ocorrem com frequência. Na maioria das vezes, os parceiros dessas mulheres estão envolvidos em prática criminosa. Eles escondem produtos que podem ser fruto de receptação sem que elas saibam. “Eles escondem droga em casa e se a polícia chega a invadir em um flagrante, por exemplo, essa mulher que está sozinha cuidando dos filhos, mesmo que não tenha comprado droga, não esteja vendendo e não seja usuária, acaba presa em flagrante”.

Nestes casos, ela alerta que cabe à mulher provar sua inocência. Mônica reconhece que em alguns casos essas vítimas preferem se entregar e confessar o crime que não cometeram para livrar o marido ou namorado. “Às vezes esse parceiro já tem uma, duas passagens ou até condenação. Então elas fazem isso para ajudar, algumas por amor, outras por medo”, menciona.

Abandono social

  1. B. S. conheceu o companheiro, que hoje está preso, quando tinha 14 anos. Após quatro anos de namoro, o parceiro, hoje com 28 anos, a chamou para morar com ele em um cômodo. Antes de sair de casa, o pai de L.B.S avisou que se ela saísse não poderia voltar. “Meu pai pediu para escolher: ficar em casa ou ir viver a vida que queria levar ao lado do meu namorado. Como era inocente, não sabia de nada. Apaixonada demais, escolhi ficar com ele”, revela.
  2. B. S. descobriu que o companheiro usava drogas. Em seguida, a jovem engravidou. Quando a criança tinha cinco meses, L. B. S. se separou por conta de uma traição do marido. Sem saber que direção tomar, acabou reatando o relacionamento. Logo em seguida, ele foi preso por tráfico de drogas.


Depois desse episódio, o marido de L. B. S. conseguiu liberdade condicional. Mas em um deslize acabou novamente levado para a prisão — onde inclusive está até hoje. Com o intuito de mudar a realidade em que vive, L. B. S, invadiu uma residência, no Jardim Cerrado 4, com os dois filhos. Apesar da extrema precariedade, a esperança é conseguir a casa através da Prefeitura de Goiânia.

Em meio a tantas decepções, a jovem não desiste: sobrevive hoje com a renda de R$ 147 do Bolsa Família e da ajuda, quando pode, de familiares e da igreja. Ainda assim tem como meta um dipploma de graduação superior. “Sonho em fazer uma faculdade de pedagogia ou enfermagem para com isso oferecer uma vida melhor para meus filhos”.

Marcilaine Martins da Silva Oliveira, socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos Sobre Criminalidade e Violência (Necrivi), da Universidade Federal de Goiás (UFG),  explica que socialmente é menos esperado que a mulher ingresse na criminalidade. Mas quando presas, essas mulheres são abandonadas por suas famílias e companheiros.

“É importante salientar os motivos do abandono das mulheres encarceradas. Em primeiro lugar, por seus companheiros que, em pouco tempo, estabelecem novas relações afetivas independente de onde estejam. Em contrapartida, os homens, quando presos, continuam recebendo visitas e assistências de seus familiares e companheiras. Assim, demonstra-se o estigma e o preconceito que essas mulheres sofrem por suas famílias”.

Para a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Mônica Araújo de Moura, a mulher que sai desse contexto social fragilizado precisa ter  segurança e oportunidades de trabalho. E mais: ter um emprego digno, com remuneração razoável para que possa se sustentar e sustentar  a família.

“O caráter preventivo é a melhor forma de lidar com essa situação. Caso haja uma prática criminosa, que essas mulheres possam  ter uma assistência social e jurídica”, diz Mônica.

Elas estão presas

770 na cadeia

A população carcerária feminina no Estado de Goiás é de 770 detentas. Desse total, o tráfico de drogas corresponde a 51% dos casos.

Tráfico domina

O maior número de prisões ocorre por tráfico - o que equivale a um número expressivo de 389 presas.

Na segunda posição surge o furto e roubo com 221 (32%).

Homicídios

O homicídio é o terceiro crime mais praticado pelas mulheres,com 83 detentas (11%), conforme dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO).

Pesquisa da UFG revela mudança no perfil das encarceradas

A pesquisadora Marcilaine Martins observa que durante  anos a criminalidade foi descrita como  atividade quase que exclusivamente masculina.

Contudo, ela destaca que nas últimas décadas, os dados de aprisionamento de mulheres têm apontado para nova perspectiva: a inserção gradativa  na criminalidade.

Ela chama a atenção para o conceito de que muitas mulheres ingressam na criminalidade motivadas por relações afetivas, cabendo à mulher o papel de subordinação.

No entanto, em pesquisa realizada por Marcilaine, foi possível perceber novo cenário: “Os resultados encontrados na minha pesquisa de mestrado apontam para uma mudança de comportamento, assinalando para certa autonomia de escolha e decisão por parte delas. Ou seja, saem do papel de subordinação em busca de poder e status. Elas assumem também a responsabilidade pelas suas escolhas, ainda que vários fatores contribuam, caso do envolvimento para obtenção de renda, relações afetivas e aquisição de drogas”.

Mulheres jovens

Ao analisar o perfil das mulheres encarceradas, Marcilaine Martins percebeu que a maioria das presidiarias é composta por mulheres jovens, pardas, pertencentes às classes mais baixas, de baixa escolaridade e qualificação. Elas  também têm ocupações desprestigiadas socialmente.

A pesquisadora acrescenta que muitas dessas mulheres carregam o peso de sustentar a família. Assim, têm muitas dificuldades de acesso à vários serviços como saúde, educação e lazer, dentre outros direitos básicos. Em alguns casos,  ressalta que elas acabam buscando nas atividades consideradas ‘desviantes’ uma fonte para obtenção ou complementação de renda. “Grande parte dessas mulheres não quer voltar à criminalidade. Mas foi diagnosticado o alto índice de reincidência. Nesse sentido, demonstra-se que a reincidência representa o fracasso da ressocialização e consolidação da exclusão.

A superlotação, as condições precárias das prisões, a falta de incentivo e cursos de qualificação profissional para orientá-las de forma que ela possa efetivamente ser reintegrada à sociedade”.

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