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A outra ameaça terrorista

Este mês as manchetes estamparam a notícia de um muçulmano acusado de ameaçar policiais com uma faca em Boston. No mês passado, dois muçulmanos atacaram uma conferência antiislâmica em Garland, no Texas. No mês anterior, outro muçulmano foi indiciado por planejar jogar um carro-bomba em uma base militar em Kansas. Se acompanha as notícias, sabe que é pequena a facção de americanos radicalizados por extremistas estrangeiros que está praticando a violência nos EUA.

As manchetes, porém, enganam. Na verdade, a principal ameaça terrorista no país não vem de islamitas violentos, mas sim de extremistas de extrema-direita. Basta perguntar à polícia.

Em pesquisa realizada com o Fórum de Pesquisa Executiva da Polícia, em 2014, 74 por cento das 382 agências encarregadas do cumprimento da lei registraram o extremismo antigovernista como uma das três principais ameaças terroristas em suas jurisdições; 39 por cento mencionaram o radicalismo ligado à al-Qaeda ou organizações semelhantes e apenas três por cento identificaram o extremismo muçulmano como perigo grave, comparado com sete por cento pelo antigovernismo e outras formas de radicalismo.

Os esforços do Estado Islâmico em aliciar muçulmanos dentro dos EUA, iniciado logo depois do fim da pesquisa, podem ter aumentado a percepção de perigo, mas não muito, como descobrimos em entrevistas subsequentes, ao longo do ano passado, com especialistas em contraterrorismo de 19 agências. Esses funcionários, selecionados em áreas rurais e urbanas por todo o país, disseram que a radicalização do Oriente Médio é uma preocupação, mas não tão grave quanto a que existe sobre extremistas de extrema-direita.

Um funcionário de uma grande área metropolitana disse que “milícias, neonazistas e outros cidadãos soberanos” são a maior ameaça que enfrentamos em termos de extremismo. Outro justificou sua resposta (extrema-direita) porque “é um perigo incipiente do qual não sabemos muita coisa, inclusive as unidades de inteligência, ao contrário de grupos como al-Shabab/al-Qaeda, por exemplo, os quais acompanhamos há algum tempo”. Um terceiro, da Costa Oeste, explicou que “a ameaça antigovernista do cidadão soberano é uma realidade, enquanto o terrorismo de muçulmanos americanos é algo que ainda não vivemos”.

No ano passado, por exemplo, um homem identificado com o tal movimento do cidadão soberano – que não reconhece a autoridade do governo local ou federal – atacou um tribunal em Forsyth County, na Geórgia, usando um fuzil e tentando acobertar sua aproximação com gás lacrimogêneo e granadas de fumaça. Acabou sendo morto na troca de tiros com os policiais. Em Nevada, militantes antigovernistas se aproximaram de dois funcionários que estavam em um restaurante, mataram ambos a tiros e deixaram uma bandeira com os dizeres “Não pise em mim” sobre os corpos. Na Pensilvânia, um extremista foi preso, suspeito de atirar em dois membros da Tropa Estadual, matando um deles e forçando a polícia a uma caçada que durou 48 dias. No Texas, um militante declarou uma “revolução” e foi preso por tentativa de roubo a um carro forte para comprar explosivos e atacar a polícia. São esses indivíduos que preocupam as autoridades cada vez mais.

Os agentes estão sendo treinados para reconhecer sinais de extremismo antigovernista e agir com cautela máxima mesmo em blitz, investigação criminal de rotina e outras interações com radicais em potencial. “A ameaça é real”, diz o folheto de um programa de treinamento patrocinado pelo Departamento de Justiça. E continua dizendo que, desde 2000, 25 funcionários foram mortos por radicais de extrema-direita que “temem que o governo confisque as armas de fogo e acreditam que o governo e a economia estão prestes a entrar em colapso”.

Apesar da ansiedade do público em relação às ações inspiradas por grupos como a al-Qaeda e o Estado Islâmico, o número de conspirações executadas por esses indivíduos permanece bem baixo. Desde o 11 de Setembro, nove muçulmanos por ano, em média, se envolveram em cerca de seis conspirações terroristas anuais contra alvos nos EUA. A maioria foi desbaratada, mas os 20 ataques perpetrados resultaram em 50 mortos em 13,5 anos.

Por outro lado, os extremistas de direita orquestraram 337 ataques por ano na década pós-11 de Setembro, causando 254 mortes, segundo um estudo de Perliger, um professor do Centro de Combate ao Terrorismo da Academia Militar dos EUA – número que cresceu desde a divulgação do estudo, em 2012.

Outras séries de dados, usando definições diferentes de violência política, contam histórias semelhantes: a Base de Dados Global de Terrorismo, mantida pelo Centro Start da Universidade de Maryland, inclui 65 ataques nos EUA associados a ideologias radicais de direita e 24 de extremistas muçulmanos desde o 11 de Setembro. O Programa Internacional de Segurança da Fundação New America identifica 39 mortes cometidas por extremistas domésticos “não-jihadistas” e 26 causadas por radicais islamitas.

Por outro lado, o terrorismo de todas as formas responde por uma parcela mínima da violência americana: houve mais de 215 mil assassinatos nos EUA desde 2001. Para cada pessoa morta por extremistas, aconteceram 4.300 homicídios de outras ameaças.

O debate público sobre o terrorismo recai principalmente sobre os muçulmanos, mas a verdade é que esse destaque não coaduna com o baixo número de ataques realizados por eles em solo americano – e ainda é um desserviço a um grupo minoritário que sofre cada vez mais com a hostilidade da opinião pública. Como a polícia local e estadual fazem questão de nos lembrar, é o extremismo antigovernista de extrema-direita que lidera a violência ideológica nos EUA.

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