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COTIDIANO

Desaparecimento de mulher pode ter sido forjado

Em meio a essa onda de intolerância religiosa que vive a sociedade é importante que se tenha zelo ao divulgar qualquer tipo de informação de religiões, ritos e/ou doutrinas. Um fato que serve de exemplo é a aderência cada vez maior ao califado do Estado Islâmico. Geralmente grupos extremistas usam as insatisfações públicas como terrenos propícios para semear o germe de suas ideologias.

No início de junho deste ano, o Brasil acompanhou a história da pequena Kailane Campos, de 11 anos – uma candomblecista que foi agredida brutalmente após sair de um culto afro, no Rio de Janeiro. Somente quando casos como os de Kailane vêm à tona, por se tratar de uma figura frágil e indefesa, ganham outros patamares – menos sensacionalistas e mais realistas.

Mas nem todos os que têm a arma da informação em mãos conseguem prezar pela informação de qualidade – aquela a qual o povo precisa ouvir, ao invés de a que quer ouvir.

Desde o início da semana a imprensa goiana vem noticiando o desaparecimento de uma mulher que havia ido a uma chácara no sábado (11) para participar de um retiro espiritual do Santo Daime, próximo à saída de Nerópolis, quando, bem após o término da vivência ela teria desaparecido. O caso segue na Delegacia Estadual de Investigações Criminais (DEIC) onde não há nada concluído e que trabalham com a principal hipótese, desaparecimento.

Por se tratar de um assunto muito complexo como é religião e a fim de auxiliar no esclarecimento deste caso,  procurei as pessoas que estiveram com a auxiliar de enfermagem, Deise Faria Ferreira, de 41 anos, para saber de todos os fatos que circundam a vida dela e o seu desaparecimento.

Informações Exclusivas

Ao chegarmos à residência de Antônio, que esteve com Deise na chácara, fomos recebidos com uma receptividade calorosa, com um ambiente e pessoas agradáveis. Logo que chegamos foi pedido a Antônio (40) que nos relatasse o que de fato aconteceu naquele dia. Ele, muito sereno, seguiu dizendo que o grupo foi para a chácara na sexta-feira (10) e que ele iria no sábado pela manhã para acompanhar a auxiliar de enfermagem. Os dois chegaram a aproximadamente 11 horas daquela manhã, quando se preparariam para comungar a bebida sagrada Ayahuasca, e assim aconteceu por volta das 11h30 do mesmo dia. Segundo algumas pessoas que estiveram na chácara, eram seis ao todo – diferente do que está sendo informado como 10 –, o efeito da bebida durou em média 4h, ou seja, por volta das 16h já não estavam mais sob o efeito e, por isso ficaram ali, em confraternização.

Ainda conforme Antônio, Deise teria feito uma seção normal e estava bastante feliz, contudo, ao chegar à noite, cerca de 23h, bem depois que terminaram a seção, não parava de falar na irmã Keyla e na mãe Marilu e pediu para que ele a levasse embora, e, como sempre prestativo – relato dos próprios amigos – assim o fez, preparou o veículo e chamou a amiga, colocaram todos os pertences de Deise para dentro do carro e estavam saindo, quando ela, aparentemente incomodada com a possível demora, resolveu ir caminhando, disse a Antônio: “Vou indo, quando tirar o carro eu entro”. Como um piscar de olhos... “Foi o prazo de manobrar o carro! Ela cruzou a rua e a perdi de vista”, disse Antônio, que a partir desse momento saiu à procura da amiga.

Ele ficou à noite de sábado até a madrugada do domingo procurando Deise. Domingo durante o dia os participantes do retiro fizeram buscas nas imediações. Sem obter respostas, Antônio resolveu ir até a casa dela, em Aparecida de Goiânia, próximo ao terminal da Vila Brasília, contudo, sem sucesso.

Ao retornar à sua casa, porém sem desistir de procurar a amiga, seguiu até a casa de Letícia Maria da Silva Arruda (33), uma prima de Deise, para devolver o veículo (GM-Celta/ Prata) e entrarem em contato com os demais familiares de Deise.

Após isso retornou à sua residência para aguardar os parentes de Deise cuja maioria é de Brasília. Passado um certo tempo os familiares chegaram e de acordo com Antônio estavam a irmã de Deise, Keila, e suas duas filhas, sendo uma a policial civil do Distrito Federal Yorrana Guimarães, em que juntos foram pegar o veículo na casa de Letícia (prima) – isso tudo na madrugada do último domingo (12). Porém decidiram em consenso deixar o carro na casa de Antônio para seguirem juntos até o local onde faziam o encontro espiritual.

No caminho passaram pela GO-080 onde há um posto da Polícia Rodoviária Estadual e relataram o caso a uma policial de plantão. Conforme Antônio, a militar os tranquilizaram dizendo que o fato se tratava apenas de um simples desaparecimento e, após a conversa, seguiram para o local, um setor de chácaras de alto padrão.

Na porta da chácara a policial civil sobrinha de Deise fotografou a área e anotou o endereço. Antônio, por sua vez mostrou o caminho que percorreu antes do sumiço da amiga e, logo depois, retornaram para sua casa, onde a irmã e as sobrinhas pegaram o veículo de Deise e seguiram sem Antônio para a delegacia, cujo caminho foi orientado pelo amigo de Deise.

Na segunda-feira por volta das 18h30, Antônio foi à Delegacia de Investigações Criminais (Deic) para relatar todo o fato.  Antônio desabafou dizendo que isso é bastante negativo para sua imagem, pois tem família, filhos e uma neta, além de uma carreira profissional exemplar e um caminho religioso coerente.

Prima revela conversas com a mãe

Na contramão do que alega familiares mais próximos à Deise, consegui informações que podem colocar em xeque o fato de que parte dos familiares não sabiam do sumiço dela, o que poderá auxiliar nas investigações.

De acordo com Letícia (prima), a mãe Marilu sabia desde a manhã do domingo, por volta das 10h que Deise já estava desaparecida, contradizendo o que havia informado à imprensa que só soube na noite daquele dia.

Letícia também mostrou as conversas que mantinha com a madrinha (Marilu) por meio do WhatsApp (foto) em que a mãe de Deise falava dos problemas emocionais que a filha tinha e da melhora dela com o tratamento (daime). Segundo a prima, Deise passou por diversos procedimentos cirúrgicos para implantar a prótese de silicone e que teria até tomado anabolizantes na época em que era fisiculturista, e, que nos últimos dias estava sofrendo muito com o término de um relacionamento de 5 anos que mantinha com um rapaz bem mais novo.

Sobre o rapaz que seria marido de Deise, o que sabemos é que há 2 meses eles haviam terminado. Nós chegamos a falar com ele, contudo preferiu manter o sigilo e disse que não quer ser envolvido no caso.

Ainda sobre as conversas entre a mãe e a prima, Marilu confessa em um dos áudios apresentados à polícia que, o fato de Deise ter tido um aborto, passado por diversas cirurgias e de ter um atraso mental contribuíram para o seu distúrbio emocional.

Deise havia relatado à amigos que ela procurou o daime em busca de uma melhora, chegando a dizer à mãe que era uma pessoa suja, mas que estava melhorando. As pessoas que viviam próximas a ela como amigos e a prima relatam uma melhora significativa em seu comportamento. Ainda de acordo com a prima, Deise sempre teve problemas com drogas desde mais nova. Contudo, pelo fato dela ter um passado não tão promissor de envolvimento com drogas, prostituição e uma estrutura emocional abalada por vários fatores, não tinha o reconhecimento devido dos parentes mais próximos como mãe Marilu e a irmã Keila Faria e que por várias vezes dizia que iria sumir, constantemente ela relatava à prima que a mãe não a permitiu ver a filha Apoena Faria de Souza.

Sensacionalismo

Em tom de desabafo, Antônio disse que os fatos apresentados por parte da família à imprensa como as roupas de Deise que supostamente teriam aparecido no local, foram forjadas para tenta-lo incriminar e chamar a atenção da mídia, que, segundo ele, em um primeiro momento fez questão de noticiar os fatos de forma superficial, sem nenhuma apuração devida, e, sem ouvir ambas as partes.

Além disso, nos informou que as roupas que foram colocadas no local e apresentadas à imprensa como sendo as que Deise usava no momento de seu desaparecimento não são as que ela usava de fato. “Aquelas roupas estavam dentro do carro, todos nós vimos, inclusive o perito disse que elas estavam limpas, como pode uma pessoa cair de uma ribanceira, tirar a roupa e fugir deixando as roupas limpas?”, questionou.

Perguntado sobre o fato do interesse levantado por ele, de que a mídia teria um interesse na cobertura sensacionalista, Antônio foi enfático:

“Nossa religião sempre foi muito perseguida e por isso é um prato cheio para levar esse assunto de intolerância religiosa como um bode expiatório, sendo que a instituição tem um lado social de auxílio às pessoas com problemas de dependências químicas e com distúrbios emocionais. Nosso dirigente tem um trabalho reconhecido no meio terapêutico e uma vida social exemplar, ele perdeu a visão há tempos atrás e deu a volta por cima, não deixou que isso abalasse sua vida e se tornou exemplo”.

Dando um gancho à sua resposta, questionamos Antônio sobre a falta de interesse levantada por ele, que os meios de comunicação têm em noticiar assuntos positivos, sobretudo os de cunho espiritual.

Em resposta, Antônio disse que isso acontece pelo fato da grande maioria desconhecer tais segmentos espiritualistas, junto ao grande crescimento que vem tendo de intolerância religiosa. Lembrou, também, um fato recente ocorrido no instituto em que frequenta, onde esculturas de santos foram apedrejadas, inclusive a de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil.

Daime e a mídia

Em 2009 quando o estudante universitário Fernando Henrique Queiroz Tavares (19) faleceu após participar de um culto, em Senador Canedo – em que também usava a ayahuascadeise – várias informações especulativas foram veiculadas de forma sensacionalista, entre elas a hipótese dele ter morrido por conta do efeito da bebida, o que comprovou-se logo após, que foi o contrário, o jovem sofria de uma doença rara (síndrome de Marfan – a qual enfraquece o colágeno que liga órgãos do corpo) e que sua morte aconteceu em decorrência da mesma – comprovada através de um laudo pericial. Contudo, quando essa informação veio à tona, não foi dado o mesmo valor de divulgação que a primeira.

Resumo da História do daime Sabe-se que o uso do Santo Daime está bastante difundido no mundo, mas, relatos documentais dão conta de que os índios ocidentais foram os primeiros a utilizar o enteógeno (grego en– = dentro/interno, -theo– = deus/divindade, -genos = gerador), este termo foi batizado por antropólogos e adeptos religiosos que não aprovam o emprego da palavra alucinógeno – sempre associada às drogas.

Esta bebida é conhecida por vários nomes como huni, ohasca, ayahuasca, yagé, mariri e o mais popular Santo Daime, que foi bastante difundido por Raimundo Irineu Serra, um maranhense, o qual conheceu os mistérios da bebida e, introduziu elementos cristãos mesclados à elementos culturais e apresentou ao homem branco.

No Brasil, Peru e em outras partes do mundo a bebida é bastante usada em tratamentos “fármacos-naturais-terapêuticos”, sobretudo para a desintoxicação de entorpecentes. No ano passado o jornal Folha de São Paulo noticiou as benesses do daime que, está sendo usado nos presídios de Rondônia no processo de ressocialização dos internos e tem uma grande aceitação, e, também é considerado um patrimônio imaterial reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Hoje o Santo Daime tem uso ritualístico regulamentado pelo Conad – órgão normativo do Sistema Nacional de Política Sobre Drogas–, em sua resolução número 04.

(Rodolfo Cardoso é  jornalista)

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