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Cadu não teve 30 como queria, mas 61 anos

“Demorou”, diria algum entendido nas gírias da rua e periferia. Demorou poucas horas até que a juíza Bianca Melo Cintra, da 5ª Vara Criminal de Goiânia, decidisse pela condenação de Carlos Eduardo Sundsfeld Nunes, o Cadu – um misto de assassino frio, insidioso, filósofo da maldade, usuário delirante de drogas e vítima de um sistema judiciário falido.

A mesma Justiça que o colocou nas ruas para matar duas vítimas agora decidiu condená-lo a 61 anos e 6 meses de prisão.

Na terça-feira, Cadu – que antes tirou a vida do criativo cartunista Glauco e de seu filho Raoni, em 2010 – foi manchete nacional: entre caras e bocas, fez recomendações para a magistrada de que ela não deveria condená-lo por “10 anos, mas 30”. Não sabia ele que ela iria dobrar.

Cadu é um dicionário de crimes: Bianca o condenou por receptação, porte de arma de fogo e latrocínio.

Dessa vez, os delitos foram cometidos contra o estudante Matheus Pinheiro de Morais e o agente penitenciário Marcos Vinícius Lemes d’Abadia.

A Justiça ainda fez mais: disse que Cadu não terá direito de recorrer em liberdade. De pronto, a magistrada indeferiu o pedido da defesa, que desejava pedir nova avaliação psiquiátrica.

De nada adiantou na primeira instância. A magistrada lavou as mãos: aceitou a tese de que ele é imputável – um dos elementos da culpabilidade. E assim plasmou o fato típico no jovem.

Decisão da Justiça tão rápida é pouco comum. Ainda mais quando se sabe de crimes que ocorreram no século passado e até hoje não chegaram a uma sentença de primeiro grau.

Com Cadu, que debochou da deusa ‘Iustitia’ e de mortais que pensam ser deuses, sobraram penalidades. A técnica jurídica foi irrepreensível: a juíza levou em consideração testemunhos, laudo do confronto pirobalístico, rastreamento do imei do celular.

A dosimetria da pena também parece perfeita. Juntou tudo, de periculosidade e frieza a antecedentes criminais. “As informações que se inferem dos autos denotam ser aversivo o seu papel incerto na sociedade, sendo eficaz ludibriador, além de dissimulador e manipulador de ideias, fazendo-se passar por vítima”, afirmou a magistrada.

A juíza fez questão de ressaltar a frieza do jovem e seu “egocentrismo”. “A despeito que a medida de segurança ao réu aplicada não possa ser levada em conta a torná-lo reincidente ou possuidor de maus antecedentes criminais, o fato de já ter ceifado a vida de dois seres humanos não obstante inimputável à época, indica sua repulsa ao bem maior alheio”, afirmou, em referência aos antecedentes.

Cadu foi condenado a 54 anos de prisão pelos dois latrocínios. Também foi condenado a mais 2 anos e 6 meses pelo crime de receptação e mais 5 anos por porte de arma. Teve o que a Constituição prevê: a individualização da pena. Não foram 10, nem 30. Mas 61. E seis meses.

Na terça-feira, durante a audiência, perguntado sobre seu pai, ele disse: “Meu pai é amigo do Cebolinha”. Sobre onde morou na infância, ele respondeu: “Eu morei com o Gasparzinho”.

O Direito Penal evoluiu muito para jogar gente na prisão sem explicar bem o que acontece com estes seres humanos. Mais do que situar o dolo ou culpa no fato típico ou na culpabilidade, mais do que decidir como iniciar a pena, a função do Estado é executar um plano de atuação jurídico penal que tenha feição humanista.

Dogmática e tecnicismo devem ceder espaço para fins superiores. Alguém que afronte a Justiça não deve ser normal. Muito menos normal é deixar alguém tão perigoso nas ruas pronto para matar. Entre Cadu e Estado, quem, afinal, é o mais perigoso?

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