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“Precisei me segurar para não chorar com o que os refugiados me contavam”

Poucas horas depois de deixar a pequena ilha grega de Lesbos, que fica a 20 quilômetros da costa da Turquia, a arqueóloga brasileira Stella Chiarelli desmoronou.

Ela conta que chorou “de soluçar” por muito tempo ao lembrar dos dias em que trabalhou como voluntária ajudando os refugiados que chegam diariamente ao território grego.

“Famílias com crianças muito pequenas, grávidas e idosos chegam em botes infláveis superlotados ou são resgatados no mar. Chegam sem saber direito onde estão”, contou Stella à BBC Brasil.

“Muitos passaram dias escondidos, sem água nem comida, à mercê dos traficantes de pessoas que organizam essas travessias. São sírios, mas também afegãos, iraquianos, palestinos que estão fugindo da guerra há muito tempo. Tentei ajudar de todas as maneiras possíveis, mas, no final, dá uma sensação de impotência muito grande.”

Segundo a Anistia Internacional, desde o início de agosto mais de 30 mil refugiados já chegaram a Lesbos, uma ilha com 86 mil habitantes.

Chegam a ser 3 mil refugiados por dia chegando a diferentes pontos da ilha, de acordo com a ONG Rescue International.

Stella trabalhou em um desses pontos, Molyvos (no norte de Lesbos), ao lado de uma moradora do local que decidiu ajudar os refugiados por conta própria, já que no local ainda não há nenhuma ONG trabalhando. Leia seu depoimento:

“Eu moro na Turquia há sete anos, então já via de perto a situação dos refugiados. No ano passado, o drama deles piorou. Eu passei o mês de julho no Brasil e, quando voltei, fiquei chocada. A paisagem de Istambul tinha mudado, com tantos refugiados. Mas nada disso me preparou para o que eu vi em Lesbos.

Eu já queria ajudar de alguma maneira fazia algum tempo. Então, quando alguns amigos me convidaram, na semana retrasada, resolvi ir.

Chegamos em Mytilene, capital de Lesbos, e pegamos o ônibus para Molyvos. No trajeto de 65 quilômetros, vi muitas pessoas andando sob um calor insuportável. A maioria era de homens, mas também vi muitas famílias com idosos e crianças pequenas. Quase não tinha médico lá, mas dava para ver que muitas das crianças estavam doentes, com febre, não sei se com ensolação.

Também conversei com uma mulher síria que estava grávida de gêmeos, de sete meses. Ela me pareceu feliz – e eu só conseguia pensar no que que ela passou para chegar até ali e onde ela iria dar à luz.

Só depois que fui entender que todos eles precisavam chegar até Mytiline para se registrarem e, se tiveram sorte, irem para Atenas. Sem esse registro, eles não podem fazer nada. Nem pegar táxi – já que os taxistas são proibidos de pegar refugiados sem registros.

Um das coisas que mais me chamaram atenção assim que cheguei foi que o lugar não era nem mesmo um campo de refugiados – era apenas um estacionamento a céu aberto. Faltava tudo por ali, até sombra. Sob o sol forte da Grécia, dependendo do horário do dia, não tinha nem um lugar um pouco mais fresco para eles ficarem. As árvores eram poucas, não tinham barracas, só algumas lonas penduradas.

Nesse primeiro dia, eu e os outros voluntários trabalhamos 14 horas. A gente dava sanduíche, água e informações. Muitas das pessoas descem dos botes achando que estão na Europa e que já está tudo resolvido. Era frustrante ter de explicar que eles ainda tinham de andar no sol três dias.

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