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COTIDIANO

O medo da polícia

O ano de 2017 foi marcado por trágicos crimes come­tidos pela Polícia Militar em Goiás. Além daqueles que ga­nharam grande repercussão, mui­tas pessoas sofrem ameaças, inti­midação e agressão sem nenhuma justificativa, mas têm medo de de­nunciar e serem posteriormente retalhadas por esses profissionais hostis. O advogado Roberto Mene­zes contou que tem acompanha­do muitos clientes nessa situação, inclusive com muitas desistências de levar o processo judicial adiante.

“As ameaças contra familiares, intimidações às testemunhas, fal­sa alegação de desacato e falta de um ordenamento jurídico mais eficaz contribuem para acobertar os crimes de alguns agentes, e são fatores determinantes para a difi­culdade de divulgação dos casos e o prosseguimento de ações ju­diciais”, explica o advogado.

Em entrevista ao Diário da Ma­nhã, o coordenador do Grupo Espe­cial de Controle Externo da Ativida­de Policial (GCEAP) do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), promotor Leandro Murata, co­mentou os casos de violência poli­cial de grande repercussão neste ano, lembrando que foram desvios de conduta e não a regra da Polícia Militar do Estado de Goiás (PM). “Todo órgão tem bons e maus pro­fissionais. Esta não é a regra da PM -GO, mas também não posso dizer que é a exceção da exceção”.

O GCEAP foi criado pelo MP - GO em 2014 para auxiliar nas in­vestigações e ações judiciais con­tra crimes cometidos por policiais. O grupo segue uma recomendação do Conselho Nacional do Ministé­rio Público que indica inclusive a participação de delegados e agen­tes policiais. No entanto, o GCEAP possui atualmente apenas dois pro­motores: o coordenador e o promo­tor de Justiça Paulo Vinicius.

Murata explicou que o grupo age diretamente em situações de orga­nização criminosa e crimes que exi­gem enfrentamento institucional, como, por exemplo, corrupção. Em outros tipos de crime, o grupo ofere­ce apoio indireto a promotores co­legas responsáveis pelos processos criminais. O grupo também recebe denúncias de crimes policiais, que depois são repassados para a Corre­gedoria da PM ou para outras pro­motorias do MP-GO.

Para auxiliar as vítimas que querem denunciar mas têm re­ceio, são oferecidas condições de anonimato e também o Pro­grama de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas. Entre­tanto, o coordenador do GCEAP comentou que as denúncias anô­nimas não recebem tanto crédi­to, além de que para participar do programa são avaliadas uma série de fatores, como a pericu­losidade e a coerência e credibi­lidade das denúncias.

SECRETARIA

A necessidade de modernizar o militarismo em Goiás e garantir o respeito aos direitos humanos pe­las forças policiais de Goiás, espe­cialmente a PM, foi defendida pelo titular da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás, Ricar­do Balestreri. O secretário formulou o novo Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Goiás, o qual vai regulamentar tanto os po­liciais quanto os bombeiros mili­tares. Esse código foi enviado para a Assembleia Legislativa de Goiás, onde está em tramitação.

A Redação entrou em contato com a Corregedoria da PM, mas ela não quis conceder entrevista e não deu retorno. O Diário da Ma­nhã acessou o portal de transpa­rência do Estado e verificou que estão em andamento sete Proces­sos Administrativos Disciplinares (PAD) nas corregedorias da SS­PAP. Entre os processos concluídos houve 29 absolvições, 76 suspen­sões e 3 demissões. O portal, que não é tão transparente assim, não torna público os nomes dos poli­ciais em questão, as infrações co­metidas nem as datas específicas.

As ameaças contra familiares, intimidações às testemunhas, falsa alegação de desacato e falta de um ordenamento jurídico mais eficaz contribuem para acobertar os crimes de alguns agentes, e são fatores determinantes para a dificuldade de divulgação dos casos e o prosseguimento de ações judiciais” Advogado Roberto Menezes

Casos de violência da PM em 2017

Às escuras (17 de abril)

Três policiais militares - Paulo Antônio de Souza Junior, Rogé­rio Rangel Araújo Silva e Cláudio Henrique da Silva - pertencentes ao Setor Reservado da PM (ala de investigação criminal den­tro do órgão) invadiram uma re­sidência no Residencial Vale do Araguaia após desligarem o pa­drão de energia da casa. Eles não usavam fardas e atiraram contra o adolescente Roberto Campos, que foi morto, e seu pai. O mo­tivo da invasão foi a informa­ção falsa de que a casa era um ponto de tráfico de drogas. No entanto, nenhum entorpecente foi localizado. Os policiais foram presos temporariamente por 30 dias e hoje respondem em liber­dade por uma ação contra eles no Tribunal de Justiça do Esta­do de Goiás.

Perseguição ao refém (25 de novembro

Quatro policiais militares do Grupo de Patrulhamento Tácito (GPT) perseguiram o veículo e des­ceram da viatura já efetuando dis­paros que mataram o assaltante, de 17 anos, e também Thiago. Após descobrirem que Thiago era refém, eles prestaram socorro e o levaram para a Unidade de Pronto Atendi­mento (UPA) mas a vítima não re­sistiu. Apesar de alegarem troca de tiros, imagens das câmaras de se­gurança da Prefeitura mostraram que um policial entrou dentro do carro roubado e atirou contra o pá­ra-brisa. Os policiais Gilmar Alves dos Santos e Paulo Márcio Tava­res foram presos temporariamen­te por 30 dias por ordem do juiz da 2ª Vara Cível do Senador Cane­do, a partir de uma recomendação do MP e da Polícia Civil. O Grupo de Investigação de Homicídios da Polícia Civil tem até 30 dias para concluir o Inquérito Policial e en­tão enviá-lo ao Ministério Público.

Câmaras flagram homicídio de Thiago por policiais militares

* Além dos eventos citados acima, o Diário da Manhã ouviu alguns relatos de vítimas de violência policial, as quais não querem ser identificadas por motivos de segurança

Liberdade de expressão X Liberdade de repressão

O capitão da PM Augusto Sampaio agrediu o estudante universitário Matheus Ferreira, de 33 anos, nas manifestações contra as Reformas Trabalhis­ta e Previdenciária. Matheus foi atingido na cabeça por um cas­setete do policial com força su­ficiente para quebrar o objeto e deixar o estudante com trauma­tismo craniano. Três dias depois do ocorrido, o capitão foi afasta­do das ruas e dois meses depois foi denunciado pelo MP-GO por lesão corporal gravíssima. A de­núncia foi protocolada na Justi­ça Militar, e se ele for condenado pode ficar preso por até 8 anos. Na Justiça Comum, ele também responde por crime de abuso à autoridade.

SARAH CARVALHO (NOME FICTÍCIO)

Nos comentários de uma pu­blicação do Facebook, Sarah dis­cutiu e discordou da opinião de outro usuário que ela não co­nhecia. Dias depois, esse ho­mem mandou uma mensagem para Sarah no Facebook, dizen­do que ela iria presa por desaca­to a autoridade pois ele era po­licial militar. Ele mandou uma foto de sua casa, afirmou que sabia onde morava, conhecia sua família, e que ela “tinha se dado mal”. No início desta se­mana, quando Sarah não es­tava presente, ele foi de viatura até sua casa, em Aparecida de Goiânia, e ameaçou seus pais. O policial exigiu que Sarah pe­disse desculpas senão ele iria até às “últimas consequências” com ela. Para não colocar sua famí­lia em risco, Sarah se submeteu e pediu desculpas para o policial.

FERNANDO NOGUEIRA (NOME FICTÍCIO)

Fernando mora no Setor Novo Horizonte e conta que com ele, es­pecialmente por ser negro, os po­liciais são em geral extremamente arrogantes e abusam da autorida­de para intimidar, insultar e xin­gá-lo. O preconceito racial ficou mais evidente quando ele e seu amigo, também negro e tatuado, tiveram o carro alvejado por po­liciais militares. Eles estavam em alta velocidade, e quando man­daram parar o carro já começa­ram a atirar. O carro era de 2016 e custava uns 60 mil reais, segun­do Fernando. Eles foram levados para uma delegacia, onde assi­naram por direção perigosa e fo­ram aconselhados pelo próprio delegado a não denunciarem os policiais por segurança.

Perto de casa (9 de setembro)

O marceneiro Wallacy Ma­ciel, de 24 anos, foi abordado por um policial militar a pouco mais de um quilômetro de sua casa, no Residencial Canadá, quan­do dirigia o carro da namorada. Ele levou dois tiros e morreu. O soldado Lucimar Correia da Sil­va alegou legítima defesa e afir­mou que a vítima portava arma de fogo e substâncias entorpe­centes. Mas imagens de câmera de segurança entregues pela fa­mília à Corregedoria da PM pro­varam que Lucimar e outros po­liciais alteraram a cena de crime. Lucimar foi afastado das ruas no final do mês passado a pedido do secretário de segurança pú­blica, Ricardo Balestreri. Após conclusão do inquérito da Po­lícia Civil e da investigação da Corregedoria, o caso foi enca­minhado para a Justiça Militar.

Desacato à autoridade é inconstitucional

O desacato à autoridade dei­xou de ser considerado crime há um ano, quando a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que tal medi­da viola leis internacionais de di­reitos humanos. Os ministros na época votaram junto a Ribeiro Dantas, então relator da decisão, e deram parecer de que “a crimina­lização do desacato está na con­tramão do humanismo, tendo em vista que ressalta a preponderân­cia do Estado, personificado em seus agentes, sobre o indivíduo”.

Os ministros ainda comple­mentaram no parecer que a exis­tência de tal normativa no orde­namento jurídico é anacrônico, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares. “E isso é inaceitável num Estado Democrático de Direito, preco­nizado pela Constituição Fede­ral de 1988 e pela Convenção Americana de Direitos Huma­nos”, conclui Dantas.

Por conta de tal decisão, o arti­go 331 do Código Penal que qua­lifica como crime “desacatar fun­cionário público no exercício da função ou em razão dela”, não está mais em vigor desde 15 de de­zembro de 2016. O relatório fina­liza ao afirmar a ocorrência mais comum em casos que antes se qualificavam como desacato: “A Comissão Interamericana de Di­reitos Humanos já se manifestou no sentido de que as leis de desa­cato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opi­niões incômodas pelo establish­ment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agen­tes de Estado do que aos particu­lares, em contravenção aos prin­cípios democrático e igualitário”.

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