A Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO) protocolou junto a 70 Promotoria de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás para investigar a prática de concorrência desleal que é realizada por empresas que atuam na Capital na forma da cooperativas habitacionais ou de Sociedades em Conta de Participação. Os advogados advertem para os riscos dos adquirentes destes imóveis, que não estão amparados pelo Código de Defesa do Consumidor e correm o risco de não serem ressarcidos, caso ocorra a dissolução destes empreendimentos. Há ainda, segundo o relatório, prática de evasão fiscal, uma vez que empresas que atuam sob o nome de cooperativas deixam de recolher milhões em impostos para a prefeitura.
FRAUDE
O alerta da OAB remete a uma das maiores fraudes imobiliárias em Goiânia, que lesou centenas de consumidores e envolveu a Cooperativa Habitacional dos Servidores Públicos e a Sarkis Engenharia. Em 2016 a Câmara Municipal de Goiânia promoveu audiência pública após receber denúncias de que a Chasp e a Sarkis Engenharia haviam lesado compradores, que não receberam os imóveis. A cooperativa e a construtora foram acusadas a época de delitos de fraude às relações de consumo, estelionato e organização criminosa na venda de apartamentos no Residencial Parque Oeste, empreendimento lançado em 2003 e naquela data, treze anos depois, não havia sido concluído, mesmo que a maioria dos cooperados tenham pago integralmente os aportes financeiros.
A história começa quando a Chasp lançou o empreendimento e fechou contrato com a Sarkis Engenharia para construir as torres. Mesmo recebendo de muitos adquirentes não entregaram os apartamentos, frustrando os sonhos de quem queria sua casa própria. No Facebook há uma página intitulada “Sarkis Cadê Meu Apartamento” que pode ser acessada para melhor compreensão do caso. Presidente da Câmara Municipal na ocasião da audiência, o vereador Anselmo Pereira (PSDB) revelou durante a apresentação que comprou e pagou por um apartamento no mesmo empreendimento e que também não recebeu. “Tenho interesse pessoal na apuração desse caso, porque também fui lesado”,
ALERTA
No estudo feito pela comissão imobiliária da OAB-GO encaminhado ao MP-GO, os advogados advertem que em Goiânia tem crescido o número de investidores que utilizam o modelo de cooperativas e SCP´s visando aumentar a margem de lucro e promover concorrência desleal com construtoras e incorporadoras estabelecidas na Capital.
Segundo os advogados, além de desestabilizar o mercado, esta prática coloca os consumidores em desamparo. O relatório da OAB informa que “segundo o Código de Defesa do Consumidor, existe relação de consumo quando uma pessoa adquire de uma construtora um imóvel para seu uso ou de terceiros. Quando se está diante de uma cooperativa autêntica, que opera de forma idônea, não existe relação de consumo entre ela e os cooperados. É como uma relação entre condomínio e condôminos. Mas se foi constituída sob disfarce de cooperativa, pode-se afirmar que atua como empresa que vende produtos e objetiva lucro”, ressalta.
O maior problema é que para participar de uma cooperativa ou de uma SCP o consumidor vira sócio (cooperado) ou sócio oculto, pois a Sociedade em Conta de Participação não é registrada nos órgãos de registro, como a Junta Comercial do Estado de Goiás (Juceg).
A SCP possui dois tipos de sócios: o sócio ostensivo, que é o responsável por exercer a atividade constitutiva do objeto social da SCP em seu nome e sob sua própria e exclusiva responsabilidade perante terceiros; e, o sócio participante ou sócio oculto, que não aparece perante terceiros, permanecendo “oculto” na sociedade, obrigando-se tão somente perante o sócio ostensivo, nos termos do contrato da SCP. Nestes casos caso, ao invés de estar comprando um imóvel, ele está integralizando capital na dita cooperativa ou SCP. Se esta cooperativa ou sociedade tem problemas financeiros os cooperados incorrem no risco relatado no caso Chasp/Sarkis, onde os imóveis não foram entregues e os cooperados perderam todo o investimento que fizeram para adquirir as unidades habitacionais contratadas. Mais: além de perder todo o investimento – como ocorreu com as vítimas do Residencial Parque Oeste – ainda correm o risco de endividamento, por ações trabalhistas e de credores da cooperativa que for à falência.
EVASÃO
Enquanto construtoras e incorporadoras de Goiânia estão sujeitas ao pagamento de tributos federais, estaduais e municipais, as cooperativas e as Sociedades em Conta de Participação se livram, por exemplo, do pagamento de Confins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social.), ISS (Imposto sobre Serviços), Imposto de Renda sobre Lucro Líquido e ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), o que representa uma evasão de receita de milhões de reais dos cofres públicos.
Sobre esta situação, o documento da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB-GO faz a seguinte ponderação: “A cooperativa habitacional pode ter sido criada para encobrir o exercício de uma atividade empresarial lucrativa, sem o cumprimento dos requisitos legais.
Assim pode estar: servindo de fachada para o exercício de atividade de incorporação imobiliária, sem o cumprimento prévio dos requisitos exigidos pelo art.32 da Lei 4591/94; servindo de fachada para negociação de parcelas de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem o cumprimento dos requisitos exigidos na Le 6766/79; servindo de fachada para exercício da atividade de consórcio de bens imóveis, sem a prévia e devida autorização do Banco Central ou ainda servindo de fachada para o exercício da atividade de captação antecipada da poupança popular, sem a prévia e devida autorização do Ministério da Justiça”, aponta. “A presença de quaisquer uma destas atividades exclui necessariamente a presença da verdadeira cooperativa habitacional”, adverte.
Nas suas alegações finais, analisando situação referente a uma SCP, Ministério Público ponderou que “nada impede o uso deste modelo societário, se não é usado de forma desvirtuada, para a concretização de procedimentos de incorporação imobiliária”. Com base neste parecer a titular da 70ª Promotoria de Justiça de defesa do Consumidor, Marísia Sobral Costa Masssieux, procedeu pelo arquivamento da denúncia.
A Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB-GO, no entanto, mantém o alerta sobre o desvirtuamento das funções das cooperativas e SCP´s, que atuam nos mesmos moldes das incorporadoras, porém, com a vantagem de não ter sob si as regras de tributação das demais empresas do mercado imobiliário, e, principalmente o desamparo dos adquirentes de imóveis que ficam desassistidos do Código de Defesa do Consumidor.
RISCO
O advogado Arthur Rios, no livro “Manual de Direito Imobiliário”, ressalta que a prática de desvirtuar o instituto jurídico de uma atividade fim é ilegal, pois se utiliza uma roupagem para fazer outra coisa. Em seu estudo ele argumenta que “se a cota de SCP é vendida no mercado aberto sem antes passar pela Câmara de Valores Mobiliários (CVM), configura-se mais uma infração, desta vez à lei do mercado de valores mobiliários (nº 6.385/76). Finalizando, observa que sob a lei nº 4.591/64, há uma série de mecanismos de proteção do empreendimento e, principalmente, aos adquirentes de imóvel, como na eventualidade do incorporador falir. “Em um contrato de sociedade ou de cooperativa, não há como usufruir desta proteção”, sintetiza.