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COTIDIANO

O custo de uma separação

  •  Especialistas explicam o que fazer para transtorno ser o menor possível


Apesar do que rege a frase: “até que a morte os sepa­re” e sendo o casamento um compromisso de vida de im­portância especial para as pessoas, o conceito anteriormente citado há tempos não é mais seguido à risca. O divórcio ainda gera muitas dúvi­das, mas, para os casos em que o ca­sal não vê outra alternativa, as socie­dades modernas o têm permitido com mais facilidade e naturalidade.

Ninguém casa pensando em separação ou divórcio, mas, pe­rante um casamento não satisfa­tório, começam a surgir inúmeros problemas no convívio e no rela­cionamento, os quais, consequen­temente, resultam em crises emo­cionais e outros conflitos inerentes ao término de uma relação. Contu­do, qual a melhor opção para co­locar um ponto final na história?

Em entrevista à reportagem do Diário da Manhã a advogada Syl­via Christiane Meira de Moura ex­plica passo a passo os direitos e de­veres de cada parte no processo de separação/divórcio e qual a melhor opção para cada caso. A especia­lista observa que o primeiro passo é saber qual foi o regime patrimo­nial escolhido quando os cônjuges se casaram. Sendo os tipos de regi­mes de bens: regime da comunhão parcial de bens, regime da comu­nhão universal de bens, regime de participação final de aquestos e re­gime da separação de bens.

Sylvia descreve que o regime de bens mais escolhido entre os ca­sais é o regime da comunhão par­cial de bens. “A aceitação ao regi­me parcial se deve ao fato dos bens anteriores ao casamento não en­traram na comunhão/divisão de bens, em caso de divórcio ou sepa­ração, somente se comunicando os bens, após o casamento”, men­ciona. Ela destaca que a separação mais recomendada é a consensual, pois esta minimiza os custos, tan­to financeiros quanto emocionais.

“No divórcio consensual não há necessidade de processo judicial, não há demora. Quem procura essa solução, quer se desvincular de seu ex cônjuge de maneira rápida. Des­sa forma, não há brigas, e sim um acordo entre as partes. Em regra, não há necessidade de advogado, e nem de custas judiciais, é simples­mente uma decisão racional e di­reta, onde ambos vão ao cartório, onde se casaram e requerem o di­vórcio com a consequente averba­ção”, define. A advogada acrescen­ta que o único gasto que as partes terão é com o cartório respectivo.

“Vale salientar, que na existên­cia de filhos menores e/ou inca­pazes, mesmo que o divórcio seja consensual, haverá a necessidade de ter que entrar com um processo judicial, haja vista a necessidade de intervenção do Ministério Público, que é o responsável para verificar se estão sendo respeitados nesse divórcio, os direitos da criança e do adolescente; no que diz respeito à guarda, visitas, alimentos, vestuá­rio, lazer, educação, entre outros. Esse processo judicial, também é rápido”, esclarece.

Em contrapartida, descreve Syl­via, no divórcio litigioso, há a ne­cessidade de um advogado, espe­cialista na área, que desenvolva um trabalho técnico, verificando a possibilidade de divisão dos bens, tentando igualar as vantagens pa­trimoniais adquiridas no casa­mento, esse trabalho se transfor­mará em um processo judicial, em que se verificará a justa repartição dos bens. Também, será analisado, afirma a advogada, se há direito de pensão a um dos ex-cônjuges, bem como se houver filhos, a fixação de alimentos, guarda, visitas, vestuá­rio e lazer, etc.

“No divórcio/separação litigio­sa, além dos gastos com o advo­gado contratado, ainda haverá as custas iniciais, as diligências aos longo do processo e ainda as cus­tas finais. Vale lembrar que caso não se possa arcar com os custos para a propositura da ação, deverá demonstrar ao Juiz, a incapacida­de financeira, caso seja comprova­da essa incapacidade, não haverá custos processuais”, expõe.

QUANDO HÁ FILHOS

A advogada Sylvia Meira men­ciona que se o casal tiver filhos me­nores de idade, o acordo ou a sen­tença do juiz deverá prever questões de guarda, convivência e pensão ali­mentícia. “O relacionamento termi­na, mas não o convívio familiar. A criança e o adolescente deve ter a companhia de seus pais e é regula­do em lei. Caso o direito ao acesso da criança ou adolescente seja im­pedido ou barrado de alguma for­ma, poderá entrar com um pedido judicial de direito de visitas”.

Já em relação à guarda da crian­ça e/ou adolescente, ela evidencia que será analisado a idade e as ne­cessidades e possibilidades entre os genitores e avaliado cada caso. “Se houver inconformismo, ou mesmo disputa em relação aos pais, deve-se entrar com um pedido de guar­da, e em regra tem – se decidido pela guarda compartilhada”, enfatiza.

Sobre os alimentos, Meira expõe que estes são devidos para a sub­sistência da criança e adolescente que podem ser ofertados por um dos genitores, ou mesmo solicita­dos ao juiz, por meio de processo judicial, o processo serve para ana­lisar a necessidade e a possibilida­de do pagamento dos alimentos, bi­nômio possibilidade/necessidade.

“A demonstração clara da neces­sidade com a indicação da rotina e dos afazeres da criança e/ou adoles­cente, bem como a possibilidade de acordo com o valor que recebe um dos genitores serve como parâme­tro para a fixação da pensão alimen­tícia para os filhos. Não tem como o juiz arbitrar um valor alto de pensão alimentícia se o genitor (a), que não está em posse da guarda, não tem condições de pagar uma quantia alta. No processo se houver ocul­tação de patrimônio ou bens para reduzir o valor da pensão poderá prejudicar a parte que o fizer, dessa forma aumentando consideravel­mente o valor da pensão”, destaca.

PATRIMÔNIO

Depois dos filhos, a maior preo­cupação dos casais que se sepa­ram é com os bens. Em relação ao patrimônio, esclarece Sylvia, se houver questionamento dos bens, esses deverão ser discutidos. Há a aceitação do casamento pelo regime de comunhão parcial de bens, dessa forma, vale a premis­sa de que haverá a discussão de 50% (cinquenta por cento) do pa­trimônio, lembrando que tem ex­ceções de percentual a maior para um dos ex-cônjuges, exceções.

“Não vale pensar que como o patrimônio foi adquirido com o esforço particular e individual de um dos cônjuges, que outro não terá direito a metade que lhe cabe, se ambos estão submetidos a um regime de casamento de comu­nhão parcial de bens. O esforço comum é verificado de acordo com muitos fatores. Não é porque a manutenção da renda familiar é trazida por um dos cônjuges, que o juiz não irá considerar o apoio familiar, educação de filhos, ma­nutenção do lar, e tempo dedica­do à família”, adverte.

Sylvia ressalta que a sensibili­dade de um juiz da Vara de Famí­lia e Sucessões percebe todas as questões que envolvem essa pro­blemática. “Se não quiser dividir bens, tem que se adotar o regime de separação de bens, pois nesse regi­me não há comunhão/divisão em caso de separação, o que cada um contribuir financeiramente é o que se leva em consideração. Não colo­cou dinheiro no bem, não registrou em seu nome, não é seu”, afirma.

Sobre o regime de participa­ção final de aquestos, a especialis­ta cita que este é pouco divulgado já que toma como divisão/separa­ção o que cada um efetivamente contribui na relação, como uma balança, em que cada um tem o domínio/posse individual do bem até a separação, que é quando há a verificação do quanto influen­ciou ou contribuiu. “Pode ser que um dos cônjuges tenha a indivi­dualização completa do bem, mas quando separa há a integração desse bem ao patrimônio do ca­sal, como gera insegurança não foi muito bem recepcionado”, avalia.

Ela explica que na comunhão universal de bens há a comunica­ção do patrimônio antes de casar, ou seja, caso tenha adquirido um imóvel antes do casamento, sen­do ele quitado, mas há a decisão por esse regime, em caso de sepa­ração/divórcio haverá a necessi­dade de divisão com o outro côn­juge desse bem.

“Vale explicar que a melhor ma­neira para a preservação do patri­mônio é antes de casar a assesso­ria de um advogado que verifique a situação do casal. Caso ocorra o evento separação/divórcio não haja uma guerra infinita pelo patri­mônio, com gastos de custas pro­cessuais e honorários e o desgas­te emocional”, conclui.

“Toda separação é sofrida e turbulenta em algum grau”

A maioria dos divórcios tem na sua origem uma causa de carác­ter negativo que implica ou en­volve crises emocionais e outros conflitos inerentes ao final da re­lação. Em entrevista à reportagem do Diário da Manhã a psicóloga e psicanalista Marcella Haick Mal­lard fala sobre os conflitos emocio­nais e outros fatores psicológicos que determinam uma separação.

Diário da Manhã–Quais as principais causas do divórcio?

Marcella Haick Mallard–É usual a atribuição da causa da separação a fatores como desgas­te do relacionamento ao longo dos anos, relações extraconju­gais, não valorização dos afe­tos, problemas sexuais, proble­mas financeiros, problemas com filhos, problemas com família do cônjuge dentre outros. Entre­tanto todos esses fatores são, do ponto de vista psicológico mais efeito de como a relação do casal foi construída do que propria­mente a causa. Assim, cada caso é um caso pois há fatores subjeti­vos do laço do par conjugal e de cada membro individualmente que definem se terão maiores ou menores recursos em cada uma dessas situações para lidar com as crises, desencadeando ou não uma separação.

DM–Quais são os danos emocionais e outros conflitos inerentes ao final da relação?

Marcella Haick -Toda sepa­ração é sofrida e turbulenta em algum grau, pois envolve per­das significativas tanto de cará­ter externo (alteração de grupos sociais, mudança de hábitos de vida, perdas econômicas, reorga­nização da relação com filhos) como perdas internas, princi­palmente pautadas no ideal de casamento que se construiu no início do relacionamento.

DM–Quais são os fatores psicológicos que determinam uma separação?

Marcella Haick–As situações de sofrimento psíquico que ocorrem durante um processo de separa­ção são marcadas pelo retorno de sentimentos muito primitivos, próprios da experiência infantil, como abandono e desamparo, que até então estavam recalca­dos em cada um dos cônjuges. Decorrente disso, as reações tão comuns de dor, brigas, agressões verbais e físicas, raiva, sentimen­to exacerbado de posse, ameaças, não são raras. São todas reedi­ções de situações infantis.

DM–Quando ocorre a separação, o casal passa por um período na maioria das vezes de sofrimento, consequência direta e natural da perda da relação. O que se recomenda que o casal faça para minimizar o sofrimento?

Marcella Haick–Para que essa experiência possa ser elabora­da, é importante que em primei­ro lugar, se possa realizar o luto do casamento desfeito. Mais do que perder a pessoa com quem o cônjuge dividiu uma vida, perde­-se o lugar ideal que ambos cons­truíram, na família, nos relacio­namentos, na posição social que cada um ocupava no casamen­to e que davam uma identidade social e uma posição subjetiva. A música Trocando em Miúdos de Chico Buarque ilustra bem esse movimento de luto. A par­tir desse luto o processo de ela­boração se daria em três tempo: num primeiro momento retira-se os investimentos afetivos depo­sitados na pessoa e no casamen­to, volta-se esses investimentos para si próprio, num momento de maior introspecção (não ca­racterizando necessariamente uma depressão), para que so­mente num terceiro momento possam ser reinvestidos os afe­tos em outros alvos e expectati­vas (sejam novas relações amo­rosas ou projetos de vida) que abram uma perspectiva de uma nova vida. Tentar apagar o va­zio deixado pelo outro investin­do rapidamente em outra rela­ção é uma saída comum mas que apenas tampona o vazio deixa­do pelo ex-parceiro ou parceira. É preciso tempo para que o pro­cesso seja elaborado.

DM–Como ficam as crianças e adolescentes com o divórcio, quais os efeitos do divórcio nos filhos dos casais separados e como os danos podem ser minimizados?

Marcella Haick–Como acon­tece um transbordamento dos excessos emocionais, os mes­mos acabam se apresentando na relação com os filhos tam­bém. Alguns pais para compen­sar a ausência do companhei­ro, apegam-se exageradamente aos filhos; compartilham dos sentimentos de hostilidade que trazem do ex-parceiro com eles; ou passam a angariar cumpli­cidade dos mesmos nos senti­mentos de repúdio “contra” a figura parental ausente , o que culmina muitas vezes numa si­tuação de alienação parental. A despeito da dificuldade emo­cional da situação, o ideal é que, em primeiro lugar, pai e mãe se posicionem como tais, com­partilhando da responsabili­dade do cuidado com os filhos e acolhendo o sentimento de dor dos mesmos. Lembrando que os adultos da situação são eles e que transformar o filho em subs­tituto do cônjuge, conselheiro, confidente ou qualquer posição que não a de filho, recai sobre eles como uma avalanche mui­tas vezes insuportável, gerando sintomas nas crianças ou ado­lescentes. Quando o sofrimento for intenso é importante buscar acompanhamento psicoterápi­co para as crianças, pais e mui­tas vezes para família.

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