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COTIDIANO

O risco das panelas vazias

  •  Procuradoria Geral da República (PGR) diz que paralisação ameaça direitos fundamentais
  •  Paralisação coloca mães desesperadas com filhos doentes, movimento ameaça perda de rebanhos, deixa crianças fora da escola. O que mais querem os caminhoneiros que ainda estão em greve?

A greve dos caminhoneiros teve início há dez dias. A pauta inicial do movimen­to que uniu motoristas de empresas e autônomos visava principalmente reduzir o preço do óleo diesel, com­bustível utilizado pelos caminho­neiros para realizarem fretes.

A pauta dos motoristas ampliou após sexta-feira, quando o governo federal resolveu zerar a Cide. Deste então, após o governo novamente não obter acordo, a greve assumiu características diversas.

O grupo de grevistas não se dispersou. Em vez disso, demons­trou contradições, uma vez que o presidente Michel Temer apre­sentou garantias como a não ma­joração durante 60 dias do preço do combustível e uma discussão quanto ao preço do frete.

A situação atual é de completa perplexidade da população brasi­leira: desabastecimento chegou nos mercados, coloca em risco animais como frangos, pintinhos, bois, vacas e cria uma profunda erosão social, já que aulas de ensino fundamental, médio e universitárias foram adia­das e hospitais enfrentam a falta de profissionais e insumos de trabalho.

Conforme o Ministério da Agri­cultura, já morreram 64 milhões de animais devido a falta de alimentos.

Diante deste cenário, a procu­radora geral da República, Raquel Dodge, diz que a paralisação já fere “direitos fundamentais”.

E na escala normativa nenhum direito pode estar acima dos direitos fundamentais, responsáveis por ga­rantir os direitos básicos de dignida­de humana, de proteção à vida, à li­berdade e segurança.

Mais uma vez o país enfrenta, portanto, uma comoção intestina que pode levar à ruptura institucio­nal. É evidente que o direito de greve é legítimo. “É certo que há o direito à greve e que há o direito ao protes­to e à reivindicação, mas também há uma responsabilidade de um abuso da situação, que possa re­sultar em prejuízo a indivíduos, ao público e à sociedade”, disse ontem Dodge. Conforme sabe bem quem estuda o direito e a jurisprudência que dele emana, chegou a hora do Estado chamar para si a responsa­bilidade da maioria diante de uma luta que é justa, mas que não é uma causa de toda a população.

A ausência de comida nas pa­nelas e o risco do desespero das fa­mílias com doentes desprotegidos pode fazer eclodir reações inespe­radas na população e, desta forma, instruir até mesmo uma ruptura de­mocrática–valores democráticos que são inegavelmente o anseio da maioria da população brasileira.

POLÍCIA FEDERAL

É inegável que o caso da manu­tenção da mobilização será inves­tigado pela Polícia Federal, já que existe a suspeita de locaute. Mas outras dúvidas permanecem no ar. Pedro Moreira, da Associação Brasileira de Logística (Abralog), diz que os empresários acreditam que o Governo Federal fez o pos­sível e impossível com seu acordo de domingo e que a paralisação segue com autônomos desorga­nizados. E a demora na desmobi­lização se deve à falta de liderança efetiva do movimento–o que tor­na instável toda a interação social com os paredistas. Afinal, como atender a todos? Daí o aumento de episódios em que parte deles agridem até mesmo a imprensa.

Por mais que os caminhoneiros indiquem uma enorme indignação com tudo que se tem instalado no país, não justifica a insistência na defesa de uma ruptura democráti­ca, como se vê com as faixas em de­fesa de intervenção militar.

O Brasil não era melhor duran­te a ditadura. É um equívoco dos caminhoneiros defenderem uma época em que inexistia liberdade e transparência. O mais grave é acre­ditar que a simples intervenção mu­dará o sistema insidioso instituído nas instituições do país. E tal defe­sa dos caminhoneiros provoca pro­funda crise: o próprio comando das Forças Armadas já começa a temer que soldados enviados para com­bater a greve venham a desertar e passem a defender o movimento.

O que mais o governo teme é que a complacência dos milita­res ajude a alastrar outros even­tos grevistas no país.

Já se fala no Exército quanto a hipótese de desordem horizontal e difusa que tenha participação dos militares.

GOLPE

Mas é preciso alertar: a Consti­tuição Federal não tolera o golpe. Ferir o direito da maioria é mais do que ferir um direito fundamental. É um crime contra a ordem cons­titucional e a própria constituição da pátria. A lei é clara: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aero­náutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organi­zadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade supre­ma do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucio­nais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Qualquer ação deve se subme­ter ao presidente da República. Fe­rir a lei é um crime maior e mais grave, que deve ser rejeitado pelos integrantes do movimento grevista.

Se é verdade que existem mani­festantes interessados em defender a pauta de toda a sociedade (caso da luta contra corrupção e o combate ao preço exorbitante da gasolina) é certo que intervencionistas que pe­dem o golpe militar tentam segu­rar os caminhoneiros nas estradas.

Esta suspeita é uma das linhas de investigação da Polícia Federal. Ivar Schmidt, líder do (Comando Nacio­nal dos Transportes (CNT), decla­rou para a imprensa que existe um movimento por trás da greve: “Exis­tem aqueles que não encerraram a greve porque querem intervenção e derrubar o governo. E existem tam­bém aqueles que se sentem com­prometidos com a população e pas­saram a defender também a queda do preço da gasolina”, afirma.

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