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COTIDIANO

Ditadura encurralada

Para marcar os 33 anos do fim da ditadura militar no Brasil e os 42 anos do assassinato do ex-presidente Juscelino Kubitschek, os jorna­listas goianos Antônio Pinheiro Salles e Laurenice Noleto Alves entregaram ao prefeito de Goiâ­nia, Iris Rezende Machado, ofí­cios da Comissão da Verdade, Memória e Justiça do Sindica­to dos Jornalistas de Goiás e do próprio Sindicato dos Jornalis­tas de Goiás, dos quais são di­rigentes, solicitando o seu em­penho na mudança do nome de uma das mais importantes vias públicas de Goiânia, a Avenida Castelo Branco, sugerindo ain­da que a mesma passe a se cha­mar Avenida Presidente Jusce­lino Kubitschek.

Nos ofícios, entregues ao pre­feito durante atividade político­-administrativa num bairro da periferia de Goiânia, os jornalis­tas relembram que Castelo Bran­co foi um dos principais pilares da ditadura militar no Brasil, que prendeu, torturou, matou, desa­pareceu e cassou politicamente milhares de brasileiros – incluin­do muitos goianos e o próprio Iris Rezende, que também era um jo­vem prefeito de Goiânia àque­la época. E, do lado posto, como uma dessas milhares de vítimas, Juscelino Kubitschek – que tam­bém fora senador por Goiás – foi assassinado, numa aliança dos di­tadores do Brasil com as ditadu­ras do Chile, Uruguai e Argentina, na denominada Operação Con­dor, como concluiu a Comissão da Verdade de São Paulo. JK mor­reu no dia 22 de agosto de 1976, num forjado acidente de carro, no Km 165 da Via Dutra.

“Temos uma história de luta em defesa das liberdades democráti­cas. Combatemos a ditadura mi­litar (1964-1985) e, 33 anos após o seu final, continuamos convenci­dos da importância da consolida­ção e do aprofundamento da de­mocracia no Brasil. Então, para que possamos dar passos efetivos nessa direção, necessária é a recuperação da nossa memória política”, diz o ofí­cio assinado pelos jornalistas goia­nos Pinheiro Salles, Laurenice Nole­to Alves e Elma Dutra, que integram a CVMJSindjor-Goiás. Pinheiro Sal­les, ex-preso político, e Laurenice Noleto, viúva do jornalista Wilmar Alves, que também foi preso políti­co, são também escritores de vários livros sobre o tempo da Ditadura Militar no Brasil. E Pinheiro Salles é ainda vice-presidente da Comissão Nacional de Ética dos Jornalistas.

REQUERIMENTO

Excelentíssimo Senhor

Doutor Iris Rezende Machado

Prefeito de Goiânia – Goiás

Senhor Prefeito,

Com nossos cumprimentos, nós nos dirigimos ao prefeito de Goiânia para solicitar o seu em­penho na mudança do nome da Avenida Castelo Branco, da nos­sa estimada Capital administra­da por Vossa Excelência. E acres­centamos uma sugestão: muito gostaríamos que ela passasse a se chamar Avenida Presidente Juscelino Kubitschek.

Temos uma história de luta em defesa das liberdades democrá­ticas. Combatemos a ditadura militar (1964-1985) e, 33 anos após o seu final, continuamos convencidos da importância da consolidação e do aprofunda­mento da democracia no Bra­sil. Então, para que possamos dar passos efetivos nessa dire­ção, necessária é a recuperação da nossa memória política. Por isso, agora, devemos lembrar al­guns fatos marcantes daqueles trágicos tempos de trevas.

O famigerado golpe de Esta­do de 1964 impôs uma tirania que durou mais de 20 anos, com a prática de crimes que jamais poderão ser esquecidos pelo povo brasileiro. Editado em 9 de abril daquele ano, o Ato Institucional nº 1 assegurou a imediata cassa­ção e suspensão dos direitos po­líticos do presidente João Gou­lart, dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros, de três governadores, 40 parlamen­tares, 49 juízes, 1.400 lideran­ças populares e 1.200 militares que defendiam a democracia. As perseguições, prisões, tortu­ras e os assassinatos se multipli­caram em todo o país.

Se a truculência do regime não foi menor em Goiás nesses primei­ros dias, pelo menos o governador do Estado ainda pôde permane­cer no Palácio das Esmeraldas. Entretanto, tudo se agravou com a substituição da Junta Militar por Castelo Branco no comando da ditadura. Além da intensifica­ção dos crimes contra a vida das pessoas, foi decretada a interven­ção no Estado de Goiás. O dita­dor afastou o governador Mauro Borges, substituindo-o pelo co­ronel Meira Matos e, em segui­da, pelo marechal Ribas Júnior.

A partir desse momento, foram abolidos todos os resquícios da democracia. Em Goiânia, parti­cularmente no Batalhão de Ca­çadores, os presos políticos eram tantos que tiveram de ocupar até as salas de aula, sob a fúria dos torturadores comandados pelo coronel Danilo (15 se somaram os mortos e desaparecidos políti­cos, incluindo o ex-deputado José Porfírio e o estudante Marcos An­tônio Dias Batista, de apenas 15 anos de idade).

Quanto à perda de mandatos eletivos suprimidos por governos autoritários e ilegítimos, está viva na lembrança do povo a cassa­ção do mandato do jovem prefei­to Iris Rezende Machado. Frise-se que essa cassação se constituiu um dos maiores atentados à vontade e soberania da população goia­niense, provocando indignação e uma justa revolta popular.

Lamentavelmente, depois de tudo isso e de inumeráveis crimes contra a humanidade, pratica­dos em Goiás e em todo o territó­rio nacional, a ditadura militar continua, ainda hoje, homenagea­da com o nome do general Cas­telo Branco numa das principais avenidas da Capital. Sem dúvi­da, isso nos humilha, envergonha e rebaixa, traindo os compromis­sos, a história, o orgulho e a dig­nidade do povo goiano.

Assim, senhor Prefeito, estamos certos de que Vossa Excelência agregará ao seu currículo mais uma iniciativa para resgatar e elevar a honra da nossa gente, entendendo que tem um signifi­cado histórico a troca do nome da avenida. Isso certamente pode se concretizar quando a Prefei­tura de Goiânia providencia a revitalização dessa via. O proje­to, segundo notícia veiculada na imprensa, “vai incluir mudanças no sistema viário, em calçadas, canteiros centrais e mobiliário público”. Então, senhor Prefeito, que se inclua o nome da aveni­da nessas mudanças, cuja am­plitude está na consciência, na responsabilidade e nas mãos de Vossa Excelência.

Quanto à sugestão do nome do presidente Juscelino Kubits­chek, quase nada precisaríamos fundamentar. Ele assumiu, na ci­dade goiana de Jataí, o compro­misso de mudar a Capital Fede­ral do Rio de Janeiro. Construiu Brasília no nosso planalto cen­tral, dando inquestionável con­tribuição ao progresso de Goiás. Elegeu-se, posteriormente, sena­dor da República pelo nosso Esta­do. E, mineiro de nascimento, deu inequívocas provas de seu amor pelo chão goiano.

Foi cassado pela ditadura mi­litar e, como concluiu a Comis­são da Verdade de São Paulo, a Operação Condor, tendo à fren­te as ditaduras do Brasil, Chile, Uruguai e Argentina, tirou-lhe a vida, no dia 22 de agosto de 1976, num forjado acidente de carro no Km 165 da Via Dutra. Portanto, perante o exposto e todas as de­mais evidências, absolutamente nada poderia sustentar o nome do general Castelo Brancodian­te do que vai representar a gran­deza da Avenida Presidente Jus­celino Kubitschek.

Recorrendo a Vossa Excelência, nós preparamos o fortalecimento da união na construção de mais um marco na democrática resis­tência do povo. Essa vitória cole­tiva, encabeçada por Vossa Exce­lência, há de ficar registrada nos anais da nossa Capital. Viva a de­mocracia! Viva a Avenida Presi­dente Juscelino Kubitschek!

Receba nosso abraço.

Antônio Pinheiro Salles, presi­dente da Comissão da Verdade, Memória e Justiça do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás.

Laurenice Noleto Alves, secre­tária da Comissão da Verdade, Memória e Justiça do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás.

Elma Dutra, assessora da Co­missão da Verdade, Memória e Jus­tiça do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás.

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