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Os registros do artista

Sem distinções, cada obra de arte é fruto da consciência, perspectiva e sensação material do artista que a cria, como se o resultado final não fosse nada além do que uma extensão de sua consciência. Por exemplo, os celebrados “O Grito” (1893), de Edvard Munch, e “Noite Estrelada” (1899), pintado por Van Gogh: ambos pinçaram como esses artistas enxergavam o mundo que lhes rodeava, com cores e expressões.

Se sairmos da seara das artes visuais, vamos desembocar na libertinagem existencial de Henry Miller em “Trópico de Câncer” (1934), um ferino relato dos anos de pobreza e sexo na Paris do período entre guerras. E na música, como não poderia deixar de ser, os Rolling Stones e seu exílio para evitar cair no fisco inglês, experiência a partir da qual se trancaram numa mal-assombrada mansão no sul da França, onde criaram – à base de maluquice, álcool e drogas – o disco duplo “Exile On Main Street” (1972).

Guardadas as devidas proporções de tempo, espaço, estética e linguagem, obviamente, é isso que o artista visual Ronan Gonçalves pretende fazer na exposição “Rogo Em Chamas”, que será aberta nesta quinta-feira, 7, no Lowbrow Arte & Boteco, em Goiânia: mostrar para o público obras elaboradas a partir da participação de pessoas cujos corpos são envolvidos por diferentes materialidades. Com um currículo que traz ações realizadas em cidades como Jataí, Salvador, Brasília, Campinas, São Paulo, Niterói, Palmas e Buenos Aires, Ronan vai expor 45 trabalhos criados entre 2015 e 2020.

Para a exposição, o artista separou 25 pinturas em técnica mista, 10 fotografias em parceria com o fotografo Brummel Megalhães e a instalação Magdalena, uma arte suspensa construída com base em coroas feitas por tecido, linha e arama. A curadoria é assinada por Roan Andrade e o texto da mostra foi escrito pelo crítico Hélio Tafner. “Seus trabalhos ainda trazem personagens inesperados que parecem não ter movimentos de soltura, prendendo a atenção do público por suas aflições ou fobias”, escreve Tafner, fazendo referência ao instante finito, ao agora e ao transitório.
Ronan cria filamentos ziguezagueantes que preenchem estruturas. Sim, nos indica novos sentidos que se interpelam em feixes multicoloridos, arrematando os desejos do processo ao qual está artisticamente debruçado. Seja na natureza ou urbanidade, não importa, porque a produção dele se deixa contaminar pelo espaço em que estabelece sua inserção e seu registro. Da pintura à performance, ele anuncia a experimentação, daquilo que prenuncia o esboço, porém também a perpetuação da imagem fotográfica.

“A ideia de apresentar o corpo humano como obra de arte oferece a possibilidade de abordar códigos artísticos que têm no copo o seu objeto. Aguçar os sentidos das pessoas é também propor a viver o agora, o tempo real e suas virtudes”, afirma ao Diário da Manhã o artista. Quando coletiva, vale lembrar que a mostra conta com trabalhos que dialogam entre si e em diferentes linguagens, é que a criação se amplia na pesquisa e produção de forma muito natural e intuitiva.

Obra de Ronan

Infância prazerosa
Nascido em Rio das Flores, no Rio de Janeiro, Ronan foi morar ainda pequeno em Jataí, município localizado na região sudoeste de Goiás. Lá, teve uma infância prazerosa, com muitos familiares ao seu redor e, claro, estabelecendo um contato com a natureza. Pouco tempo depois, em 2000, começou a fazer suas primeiras pesquisas artísticas na esfera da pintura em tela, desenho gestual, muralismo, cenografia e performance.

Em Goiânia, participou de experiências artísticas na Pontifícia Universidade Católica, nas áreas de design, arquitetura e urbanismo, e também na Faculdade de Artes Visuais da UFG. Mudou-se para Campinas, em São Paulo, onde criou um intercâmbio de interesses com galerias. Hoje, vive em Palmas, desenvolvendo ainda mais seu trabalho nas artes visuais com a descoberta do Cerrado. Além do estilo desenvolvido na pintura, foi um dos diretores do curta-metragem “Menina Bonita de Trança”, vencedor do melhor trailer no Festival Internacional de Cinema de Gramado, em 2018.
Sobre seu trabalho, Ronan Gonçalves diz que potencializa e coloca o público em contato privilegiado com três elementos estéticos importantes, como impressão visual, construção simbólica e expressão emocional. “A obra e seu caráter narrativo torna impossível olhá-la sem imaginar scripts da dramaturgia social na qual estão inseridas as personagens tropicais. Tentemos, além de vê-los, ouvi-los. Dar voz a cultura popular, feminilidade natural, respeito as nossas tradições”, explica Ronan.

Com 15 anos de trajetória sólida, Ronan, ou Rogo, como é chamado pelos mais íntimos, expressa em suas obras um olhar peculiar dos caminhos percorridos pela sua subjetividade. Seu trabalhos trazem personagens inesperados que parecem não ter movimentos de soltura, e prendem nossa atenção por causa das aflições ou fobias que expressam. São cores que se misturam a camadas que vão fazendo a composição imagética, saltando o imaginário e fazendo-o perambular por múltiplas imagens, como se fosse um sonho de um mundo ainda não engolido pela destruição da natureza.

Serviço
Exposição ROGO Em Obras,
de Ronan Gonçalves

Abertura: 7 de outubro
Horário: às 19 horas
Local: Lowbrow Lab Arte & Boteco
Endereço: Rua 115, nº 1.684, Setor Sul
Curadoria: Roan Andrade
Gratuita

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