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Joias desconhecidas

Conheça a lista dos 10 melhores discos “perdidos” da música brasileira

Leon Carelli Especial para DMRevista

Os anos 60, 70 e 80 do século passado foram responsáveis por uma vasta safra musical em território brasileiro. Artistas de regiões de fora do eixo Sudeste puderam ter acesso a equipamentos de gravação, seja pela facilidade de se mobilizar a estúdios mais especializados, seja pela viabilização de diversos estúdios em cidades mais afastadas, em processo acelerado de crescimento e metropolização. Nesta página você confere os lançamentos de alguns artistas que raramente figuram em listas de melhores álbuns do Brasil, seja pela falta de especialistas em música que fogem dos grandes e consagrados nomes da MPB, ou pela própria dificuldade de encontrar esses discos que foram menos comercializados. Com a explosão da internet, essas músicas se desprenderam do disco de vinil e se multiplicaram em sites de compartilhamento. Alguns podem inclusive ser encontrados na íntegra no youtube, site de vídeos que está bastante presente no cotidiano das pessoas que tem a oportunidade de vivenciar a segunda década do século XXI. Confira!

(Leon Carelli é estudante de jornalismo e cineasta experimental)

Naire (1974)

O cantor Naire nasceu na cidade de Goiânia, e mora no Rio de Janeiro. Por muitos anos, durante algumas buscas de internet, era tudo que se podia saber dele. Em 2013 ele resolveu reaparecer no mapa com trabalhos de musicoterapia em um projeto com o nome de “sonergia”: o som que harmoniza o corpo e a mente. Voltando 40 anos no tempo, não é de se estranhar que um cantor que produziu um trabalho tão suave e harmônico esteja hoje defendendo o poder da música na saúde das pessoas. No disco autointitulado, em que ele assina composições com Paulinho Tapajós, um passeio levemente psicodélico convida-nos com frescor inigualável em canções como “Um dia azul de abril.” A baixa publicidade dedicada ao disco na época do lançamento fez com o acesso à musica de Naire só fosse contemplado por verdadeiros garimpeiros dos sebos de vinil. Hoje a internet permite-nos apreciar de forma mais fácil essa beleza desse artista de Goiás. Uma das faixas, Companheiro, foi regravada pela cantora Maria Eugênia, e tornou-se abertura da novela Araguaia, da rede globo, exibida em 2010.

Wanderléa – Vamos que eu já vou (1977) 

A referência que se tem da cantora Wanderléa sempre puxa para o lado da Jovem Guarda. Junto com Erasmo Carlos e Roberto Carlos, ela ajudou a roubar a cena em um dos primeiros momentos de sintetização de influências rockeiras em território nacional. Fora essa contribuição musical no fim dos anos 50 e início dos anos 60, pouca coisa nos chega dessa cantora. Em 1977 ela se uniu ao compositor Egberto Gismonti, para criar o álbum Vamos que eu já Vou. Esse disco nos permite associar a figura de Wanderléa a um trabalho mais experimental, marca registrada de Egberto. Trata-se de MPB com arranjos de influência folclórica e de estrutura complexa. Primeira canta muito bem, e o disco é meio que uma correria sem fim, que tenta falar sobre como a vida passa correndo na nossa frente. Por algum motivo o disco não caiu com tanta força na história da música brasileira, mas cai muito bem aos ouvidos. Escute a canção Café e tire suas conclusões.

Elomar – ...Das barrancas do rio Gavião (1973) 

Música iluminada à lamparina, numa vila de casas de madeira no meio bem meio de um sertão medieval. Essa é uma das impressões causadas pelo cantor e compositor baiano Elomar, no disco intitulado ...Das barrancas do Rio Gavião. Trata-se de uma cantoria combinada com uma viola bem complexa e ágil, com quebradas de sequência toda hora. É uma coisa matemática, sem deixar de ser suave. Este álbum nos permite aquela sensação de pane mental, aquela impressão de música estranha, mesmo com toda a elegância. Não se assemelha a estrutura de música de viola que estamos acostumados a escutar. Além da música impressionante, ele faz questão de trazer a variação linguística da região do semi-árido da Bahia, onde vive longe dos holofotes da mídia, dedicando-se à fazenda e criando cabritos. Esporadicamente decide sair de sua terapia de introspecção dos campos para fazer um ou outro show nas grandes capitais urbanas do país.

Belmonte & Amaraí – Boa noite, amor (1968)

A dupla Belmonte & Amaraí formou-se na cidade de São Paulo, no ano de 1966. Os dois vieram de cidades do interior do estado. Belmonte de Barra Bonite, e Amaraí de Palmeiras. Juntos eles gravaram apenas seis discos, o último no ano de 1972 quando a carreira foi interrompida pela morte precoce de Belmonte em um acidente de carro. O comportamento explosivo dos cantores, desentendimentos internos da dupla e o final trágico contribuem com a construção da áurea mítica que envolve a breve dupla, ícone da música sertaneja. Em Boa noite, amor, paisagens muito bonitas do interior do país são criadas. O deleite auditivo dessa proposta musical transporta-nos a influências estrangeiras, como a guarânia paraguaia e os mariachis mexicanos, criando um estilo de sertanejo cheio de experimentos que se destaca diante do cenário da época e impressiona até os dias de hoje.

Quintal de Clorofila – O Mistério dos quintais (1983) 

Dupla formada pelos irmãos Dimitri e Negrende Arbo, nascidos na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. O mistério dos quintais traz indícios da curiosidade explorativa que sentimos durante a infância, quando um simples quintal pode trazer inúmeras aventuras. A sonoridade mistura elementos como jazz, folk, e ritmos africanos, orientais e latinos. Além da imensa beleza que a música da dupla transmite, chama a atenção pela posição contrastante ao cenário musical nacional dos anos 80, que explorava principalmente o new wave e o pós punk, com nomes conhecidos como Cazuza e Legião Urbana. No sul, a psicodelia folk floresceu e ainda encanta os garimpeiros de música ao se depararem com a obra dos irmãos. As canções são de autoria da própria dupla e de um outro irmão deles. A emoção e originalidade conduzem os experimentos musicais desse disco que mesmo após mais de 30 anos de lançamento vem conquistando novos ouvintes.

Marinho Castellar & Banda Disritmia (1980)

O folk psicodélico de Marinho Castelar e da Banda Disritmia agitavam a cidade de Piracicaba no início da década de 1980. A presença de palco era sustentada na loucura, o que impediu que a banda fosse para o cenário comercial da música. Perdido na obscuridade por décadas, a sonoridade contida nesse trabalho foi revivida pela internet no início do século. O LP traz o conceito de um ovo: a capa seria a casca, e o disco colorido de amarelo o conteúdo. Esse artefato é hoje uma raridade que chega a custar R$ 350, e é procurado com persistência por colecionadores de todo o mundo. Uma das coisas que mais impressionam no álbum é que ele tem um fôlego muito bom, e tem um apego bem grande à música de raiz. Não faço idéia de como é o nome da cantora que acompanha o Marinho Castellar em boa parte das canções, mas quando ela entra a música fica bem expandida na mistureira de instrumentos. O cantor Marinho Castellar morreu em 1990, aos 33 anos por complicações relacionadas à cirrose.

José Mauro – Obnoxius (1970)

Com bastante propriedade como cantor e como compositor, o então jovem José Mauro tece suas estruturas musicais cheias de histórias, profecias, tristeza e psicodelia. Ao lado da cantora Ana Maria Baiana, que completa a atmosfera firme e precisa do disco, e dos arranjos orquestrais monumentais, Obnoxius é registrado no início da década de 70. Pouco se sabe sobre José Mauro. Na internet dizem que ele está vivo e mora no Rio de Janeiro. O legado do cantor se resume a mais um disco que foi lançado em 1976. A capa de Obnoxius imortaliza o rosto de José Mauro, o criador dos mistérios emblemáticos que rondam esse disco. Ele é registrado fotograficamente enquanto sintetiza com as mãos algumas estruturas psicodélicas. Poucos conhecem este trabalho, mas para essa minoria geralmente se trata de algo perfeito e intocável, um verdadeiro clássico da obscuridade. Eclético e atual.

Tetê Espíndola – Pássaros na Garganta (1982) 

Em determinado momento de sua carreira, a sul-mato-grossense Tetê Espíndola resolveu explorar suas sínteses vocais acompanhadas pela loucura musical do cenário que emergia em São Paulo, a hoje badalada Vanguarda Paulista. Pássaros na garganta, de título bastante explicativo, foi composto em parceria com Arrigo Barnabé, e lançado no ano de 1982. Uma das mais carismáticas artistas de sua época, conhecida principalmente pelo hit Escrito nas estrelas, cai no experimentalismo e grita sem dó nem piedade, transmitindo-nos suas loucuras e técnicas particulares encima de violas, craviolas e pássaros cantando. O que muitos podem classificar como exagero e gritaria, por outro lado, atenta para a capacidade e imparidade da voz de Tetê, que formula seus fôlegos longos de uma forma assustadora. Além de mostrar que não está nem aí para criar limites para seus agudos, ela mostra que topa qualquer parada em nome da música, saindo da zona de conforto e criando esse registro musical que poucos exploram, e pouca atenção recebe da mídia nacional. As letras dão água na boca ao enfatizar os amores, as paisagens e os sabores do campo.

Felipe e Falcão – Volume II (1989) 

A dupla Felipe e Falcão se destaca no cenário sertanejo goiano no fim da década de 80. Atentos ao tema romântico que norteia o gênero, a dupla vai além básico e incrementa seu disco com descrições complexas e metafóricas do amor, narrando ao invés de histórias, lapsos e devaneios momentâneos de sentimentos oriundos da paixão. Outra característica marcante da dupla é a voz grave de Falcão, que reveza protagonismo com os agudos de Felipe, criando momentos em que o ouvinte sequer se atém a uma pergunta comum, geralmente algemada à música de duplas sertanejas: quem é a primeira voz? Por trás da produção do segundo disco da dupla, que conta com arranjos bem elaborados de sanfonas, violas e sintetizadores, nomes de artistas que enriquecem a música goiana como Juraíldes da Cruz e Fátima Leão figuram na ficha de composição das canções. Felipe e Falcão também são compositores de grande parte das músicas, contrariando a ideia de que no sertanejo tudo é industrial e não existe música autoral.

Odair José – O filho de José e Maria (1977) 

“Eu agora sou bem diferente, não se assuste e nem se preocupe. Sou o mesmo de antigamente, só que agora nada mais me encuca.” É com essa frase que o cantor e compositor Odair José, natural de morrinhos, Goiás, inicia o trabalho considerado mais requintado de sua discografia. O disco com ar conceitual, narra a história de um errante filho de José e Maria, que se perde em questões filosóficas e reflexões cotidianas, com uma auréola de neon rosa envolvendo sua cabeça, no mundo obscuro da carne humana. Alguns denominam esse impulso criativo de Odair como um disco de opera-rock. Independente de categorizações de gêneros, a produção conta com músicos competentes e influências musicais muito diversas: soul, rock progressivo, jovem guarda e sertanejo se misturam em teclados e guitarras. As letras ácidas do disco fizeram com que Odair fosse excomungado por um bispo da Igreja Católica, acusado de blasfêmia.

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