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CULTURA

A poeta lúcida

Sonetos que não são
Aflição de ser eu e não ser outra
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera
(A noite como fera se avizinha.)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera
Aflição de te amar, se te comove
E sendo água, amor, querer ser terra.

A poetisa, cronista e dramaturga brasileira Hilda Hilst faria aniversário nessa terça-feira (21). É considerada pela crítica especializada como uma das protagonistas fundamentais da paisagem literária brasileira e da língua portuguesa do século XX.

Hilda de Almeida Prado Hilst nasceu em Jaú, São Paulo, em 1930. Filha única do fazendeiro de café, jornalista e poeta Apolônio de Almeida Prado Hilst e de Bedecilda Vaz Cardoso, Hilda formou-se em Direito na Universidade de São Paulo (Largo São Francisco).

Durante a faculdade publicou seu primeiro e segundo livro de poesia, Presságio (1950) e Balada de Alzira (1951), recebidos com entusiasmo por diversos poetas como Jorge de Lima e Cecília Meireles. No Largo São Francisco também conheceu a escritora Lygia Fagundes Telles, que virou sua grande amiga.

Obra SEM pudor

Conclui o curso de Direito em 1952 e passa a se dedicar à literatura. Hilst escreveu por quase cinquenta anos e possui mais de 40 livros escritos em verso, dramaturgia, crônica e prosa. Dentre eles A obscena senhora D, O caderno rosa de Lori Lamby, Cartas de um sedutor, Cascos e carícias: crônicas reunidas, O verdugo (peça de teatro) e Sete cantos do poeta para o anjo (poesia).

Após a publicação de A obscena senhora D, em 1990, a escritora anuncia o “adeus à literatura séria”. O livro provoca espanto e indignação em seus amigos e na crítica. Hilst justifica esse radicalismo como uma tentativa de vender mais e assim conquistar o reconhecimento do público.

Possuía influências de Jorge de Lima, Catulo, Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Hölderlin, Ernest Becker, Rilke, John Donne, René Char, Saint-John Perse, Guimarães Rosa, James Joyce, Beckett, Kafka, Camus e Nikos Kazantzakis.

De acordo com críticos, “Hilst é uma poeta lúcida, culta, consciente de suas ações e palavras”. Em sua obra tocou, sem pudor, em temas tabus como a morte, o sexo e Deus. Mostrava em seus textos, a complexidade humana e do próprio texto. Todavia, em entrevista ao Cadernos de Literatura Brasileira, a autora explica que seu trabalho sempre buscou, essencialmente, retratar a difícil relação entre Deus e o homem.

Prestígio

Recebeu diversos dos mais importantes prêmios literários brasileiros, entre eles o Prêmio Anchieta pela peça O Verdugo; Prêmio de melhor livro do ano da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) por Ficções; o livro Cantares de Perda e Predileção recebeu o Prêmio Jabuti; ganhou o Grande Prêmio de Crítica pelo conjunto de sua obra e o Prêmio PEN Clube de São Paulo, pelo livro “Sete cantos do poeta para o anjo”.

Seu arquivo pessoal foi comprado pelo Centro de Documentação Alexandre Eulálio, Instituto de Estudos de linguagem, IEL, Unicamp, em 1995, estando aberto a pesquisadores do mundo inteiro.

Morreu aos 73 anos, em Campinas, interior de São Paulo por falência múltipla de órgãos e sistemas. Se estivesse viva, completaria hoje 85 anos. Após seu falecimento, o amigo Mora Fuentes liderou a criação do Instituto Hilda Hilst, que mantém a Casa do Sol, onde Hilda viveu quase 40 anos. Além disso, o IHH preserva o acervo de Hilst e pretende ser um ‘porto seguro para a criação intelectual’.

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