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Militância LGBT: O movimento e suas vertentes dentro do Estado de Goías

Dias após o lançamento do clipe Your Armies, de Bárbara Ohana, que tem como protagonista o ator global Cauã Reymond, em que o galã interpreta uma mulher trans, que é brutalmente agredida na saída de um bar por um homem com quem flertara durante a noite, o DMRevista traz para o leitor depoimentos reais de homens e mulheres trans, gays e bissexuais, sobre a realidade e militância dessas vertentes dentro do movimento LGBT no Estado de Goiás. Poderíamos, enquanto caderno cultural, “dar biscoitinho” para o ator, elogiando sua performance e sensibilidade, mas isso a televisão já fez. O lugar de fala é da comunidade LGBT e nós a ouvimos.

Lion Ferreira é assistente social, especialista em Ensino Interdisciplinar sobre Infância e Direitos Humanos, cofundador e coordenador do Coletivo R-Existência, e é um homem trans. A história do movimento de homens trans em Goiás se funde com a de Lion. Quando ele decidiu se assumir uma pessoa trans, percebeu a ausência de representatividade  e de voz de homens trans dentro de mesas de debate, seminários e fóruns. Partindo desse olhar, o assistente social resolveu reunir, em um bate-papo pela internet, outros homens trans e, com o tempo, sentiu também a necessidade de politizar esse discurso, em busca de elaborar e reivindicar políticas públicas para o segmento. Foi aí que surgiu o Coletivo R-Existência, composto por homens trans do Estado de Goiás e parceiro do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat).

O Coletivo R-Existência luta contra a transfobia, o preconceito, racismo e toda forma de discriminação. “Precisamos ser protagonistas de nossas lutas, para que tenhamos acesso à saúde, nome social, mercado de trabalho, universidade. Precisamos de políticas mais eficazes, de atendimento humanizado na saúde, precisamos ter nosso nome respeitado”, afirma Lion. O Projeto de Lei de Identidade de Gênero João Nery, de autoria dos deputados Jean Wyllys e Érika Kokay, assegura aos homens trans, assim como às mulheres trans e travestis, modificarem o nome sem acionar um advogado, sem a necessidade de um laudo psicológico, livre de maiores burocracias. “Recentemente, a presidente Dilma assinou o decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Foi muito bom, um reconhecimento, porém, precisamos de mais, precisamos de garantia, precisamos da Lei de Identidade de Gênero João Nery”, pontua Lion.


A conquista de um nome


Brigas com a família, um distanciamento cruel da mãe, da irmã, perda de amigos antes muito próximos, um “não” na hora da entrevista de emprego. Todas essas coisas são muito dolorosas para qualquer um de nós, imagine uma única pessoa passar por tudo isso em um curto espaço de tempo! Essa pessoa é Heitor Rodrigues, homem trans, estudante da UFG. Desde pequeno, ele sempre soube que algo estava muito errado. Como pode alguém não se identificar com nada? Com o próprio corpo, com o nome, com as formas de tratamento? Ainda na adolescência, Heitor, na época uma garota de 14 anos, mudou-se para Goiânia, para morar longe dos pais. Desde então, ele passou a buscar mais entender o que se passava com ele próprio. Sentiu maior liberdade para se vestir da maneira que achava adequada e, discreto, não chamava tanta atenção na escola.

No fim do ensino médio, os pais voltaram a morar com ele e o mal-estar por não se adequar dentro das expectativas da família passaram a incomodar novamente Heitor. Em Porto Alegre, longe da família, ele começou a se inteirar do processo de hormonização e teve um contato maior com outras pessoas trans. Quando retornou para Goiânia, tudo estava mais complicado, “diferente da opção sexual, não dá pra esconder um gênero”, conta. Heitor teve de reeducar os poucos amigos que restaram, fazer a família e todo mundo respeitar seu novo nome. Matriculou-se em uma universidade particular em Goiânia e teve seu pedido para usar o nome social “esquecido”, como tantos outros casos semelhantes. Abandonou a faculdade, aceitou um emprego onde tinha que usar seu nome de nascimento e passou a se hormonizar “sem médicos, sem laudos, sem nenhuma segurança”, segundo ele, o acesso a esse tipo de tratamento é muito restrito, tendo apenas 4 ambulatórios no País que aceitam pessoas trans.

Em 2015, de volta a Porto Alegre, Heitor recebeu apoio do Grupo G-8 de Diversidade Sexual da UFRGS, e conseguiu mudar o nome em seus registros. “Precisei apresentar um parecer psicológico, expor toda a minha história, solicitar declarações reconhecidas em cartório das pessoas que me conheciam como Heitor, histórico criminal e todos os documentos possíveis de quitação com a Justiça e órgãos públicos”. Com o parecer favorável, faltava agora só retificar a documentação com a mudança de sexo. Outra vitória de Heitor, que aguarda a chegada de toda a documentação. Hoje, ele mora em Goiânia, saiu da casa dos pais, mora com o amigo Lucas, a namorada Liza e a cachorrinha Estopinha. Sente-se mais feliz com a nova família, escolhida por ele, e livre para transitar pelos ambientes sociais, estudar, trabalhar. “Esse conforto e sensação de realmente me sentir em casa, eu já não tenho mais vontade de fugir, voltar pra Porto Alegre por temer não ser aceito. Tenho uma relação excelente com meus amigos, minha família escolhida por mim e hoje sou um aluno e profissional melhor”, celebra.


Bissexualidade e o movimento LGBT


“Há sempre um fetiche acerca da minha sexualidade. Muitas violências são geradas por parte daquele que achou o máximo e ainda apresentou a namorada dele pra mim com a ideia de que ficaríamos os três, saudavelmente juntos em corpos. Nojo!”. Esta fala é de Ariana Tozzatti, bissexual. Ela fala por ela e por outras centenas, talvez milhares, milhões de mulheres bissexuais, mal interpretadas, mal vistas. Sempre vai existir aquele que diz “aceitar” o homossexual (e está entre aspas pois eles não precisam da aprovação de ninguém, apenas do respeito), mas não compreende o bissexual. “Ou é gay, ou não é”, frase esbravejada aos quatro ventos em muitas rodas de conversa. Para Ariana, comportamentos assim só “fazem da bissexualidade mais um parquinho de brinquedos da sociedade lgbtfóbica, machista e patriarcal”.

Para Jully Anne Ribeiro, dirigente da Nação Hip Hop (Anápolis) e diretora de Cultura da União Estadual de Estudantes de Goiás, há uma má compreensão por parte da população LGBTT, que em grande maioria deseja limitar sua forma de amar, sempre com perguntas como “mas você tende para algum sexo?”, e uma opressão por parte da população heterossexual, que sente repulsa quando ela beija pessoas do mesmo sexo a que ela pertence. “Não acredito em bifobia. Não é a opressão que vivo. O que vivo é lesbofobia, machismo e preconceito por falso moralismo, fruto de uma sociedade puritana e heteronormativa. Ninguém está destacado dessa sociedade. A própria população LGBTT é também normativa e por isso questiona a bissexualidade. O amor é um sentimento genuíno e não deveria ser regrado e normatizado”, esclarece Jully.

Militância LGBT em Goiás e preservação da vida


Para Nathãn Duran, acadêmico de Direito da PUC-GO e militante do Coletivo Resistência–CORES, assumir-se e militar em prol do movimento LGBT em Goiás é correr risco de morte. “Dizer que nos dias de hoje é mais fácil ser LGBT é uma visão muito simplista, visto que nós continuamos morrendo em virtude de orientação sexual e identidade gênero, como foi o caso do jovem João Antônio que foi assassinado na cidade de Inhumas em 2014 por ser gay”, relata. Na visão do jovem, o poder aquisitivo conta e muito para o respeito com os LGBTs. Quem tem dinheiro para frequentar pubs e boates lgs se valem do “privilégio” que muitas vezes não podem exercer dentro dos ônibus, por exemplo, que é a simples troca e carinho homoafetiva. Nos interiores, de onde veio Nathãn, nascido em Niquelândia, a lgbtfobia é muito mais latente. Ele narra ter vistos companheiros (as) sendo excluídos (as) por seus familiares.

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