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CULTURA

Elas nas paradas

Em 2010, um trio de tecno-brega saía da cena alternativa de Goiânia para embalar o Brasil. Era a Banda Uó, com o clipe "Shake de Amor". Nele, ao lado, dos cantores Davi Sabbag e Mateus Carrilho, estava a cantora transexual Mel Gonçalves, a Candy Mel. Assim, junto com batidas e letras irreverentes, os goianos ajudaram a trazer mais representatividade à cena artística nacional. Coincidentemente – ou não – e, também, acompanhando tendência mundial (a chamada onda queer) começou-se também a sair dos guetos voltados ao público LGBTs artistas que questionam o gênero, trazendo assim novas vozes, cores e figurinos às canções nacionais.

É claro que não se trata ainda de um fenômeno fonográfico – aliás poucos artistas são hoje em dia – e que aparece à revelia nas rádios e TVs, mas vários nomes que chegaram para quebrar regras de gênero têm agradado muita gente. Um bom exemplo é o cantor paulista Liniker. Ele não se define como transexual, homem ou mulher. A única coisa que sabe é que é “bicha, preta e pobre”, como já revelou em entrevistas.

Tanto no palco como na vida usa saias, batons, brincos ou o que tiver vontade. Às vezes é possível notar uma leve barba. Sim, sua aparência é o grito de resistência, por sua classe, cor e sexualidade, contudo, a musicalidade do artista influenciada por artistas da MPB, jazz e soul e um timbre rouco e visceral, que consegue ir a todas as direções, é o que coloca Liniker entre uma das maiores promessas da música atual.

Com um Ep "cru" ganhou este título de promessa. Mas ela já está sendo concretizada no disco Remonta. Este é o nome de seu primeiro álbum que foi lançado esta semana nas plataformas digitais. Nele, ao lado da banda Caramelows, ele mostra canções autorais que falam de amor e aquecem o discurso de resistência e liberdade de forma doce, mas persistente.

“No dia a dia, eu me visto assim. Causa um estranhamento isto de uma artista negra, bicha, tocar vestindo roupas ditas femininas num corpo masculino. As pessoas não entendem muito, mas estão a fim de saber mais. A maioria é um pessoal que não tinha nenhuma referência nisso e acho importante poder reforçar este empoderamento que deve acontecer sim!”, argumentou o artista em entrevista ao El País.

DJ solta o som

Apesar da pouca idade, a drag queen Pabllo Bittar também vive por aí rompendo padrões e é por isso que tem dado de falar. É cantora, compositora, performer e já estrelou campanha de uma famosa marca de cosmético – assim como Liniker. A artista conheceu o gosto do sucesso, sendo justamente o que é, depois de gravar uma versão do hit internacional Lean On. Em sua voz, a música transformou-se na divertida Open Bar, cujo clipe teve mais de 1 milhão de visualizações no Youtube. Com a repercussão da música, Pabllo se tornou até a cantora fixa do programa Amor & Sexo, comandado por Fernanda Lima.

Outro artista que também vive frequentando estúdios globais é o cantor e ator Johnny Hooker. Sem nenhuma amarra para falar da sexualidade ou usar roupas estravagantes ou um delineador nos olhos, ele já participou da novela Geração Brasil e teve canções em trilhas de novela e filmes. Seu primeiro álbum, "Eu Vou Fazer uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!", alcançou o primeiro lugar em plataformas digitais como Deezer e Itunes Brasil.

Pelo disco de estreia, Hooker conquistou o troféu de Melhor Cantor de Canção Popular ano passado e já foi elogiado por nomes como Caetano e Maria Bethânia. Todo reconhecimento para o cantor teve um sabor a mais. “Foi o que faltava para as pessoas me respeitarem. A música é muito machista e controlada pelo produto, por coisas que dão dinheiro. As pessoas que chegam com apresentação forte, maquiagem, brincadeira com gênero, com personagens, às vezes são recebidas com muita falta de respeito”, disparou em uma entrevista na época.

Transformação

Antes de se mostrar ao público do jeito que queria, a cantora transexual Gloria Groove tentou uma carreira artística dentro de padrões mais aceitos pela sociedade. Integrou a nova formação do Balão Mágico em 2001 e foi calouro no programa Raul Gil com o nome de Daniel Garcia.

Mas foi ao libertar a Glória que morava dentro dela que conseguiu o sucesso e, o mais importante, a realização pessoal. Sentiu o gosto de se tornar uma artista pop, logo quando lançou o single Dona, que carrega grande influência do hip hop e depois dele viu sua agenda de shows lotar, não apenas nas boates voltadas ao público LGBT.

"A Gloria é tudo o que eu pensei em ser quando criança e achava que nunca seria possível. É tudo que eu idealizei. Acontece repressão quando criança, quando se é afeminado. Existe um movimento de se negar a aceitar isso. Agora é uma coisa que me move", disse em uma entrevista.

Por outro lado, MC Xuxu percorreu um caminho mais complicado antes de atrair olhares para seu trabalho. Depois que assumiu sua orientação sexual, teve de sair de casa e, com pouco dinheiro, seguiu por um caminho que muitas vezes é único para os transexuais: a prostituição.

No funk carioca veio a volta por cima. Ela começou a gravar vídeos caseiros, e em um deles, o de Pantera Cor-de-Rosa, veio o reconhecimento. Sua música é carregada de militância como na canção Desabafo. A faixa, como o título diz, traz versos que, com certeza, estavam engasgados na boca de muita gente, por aí, como: “Com tanta coisa pra se preocupar. Tem gente perdendo o tempo. Querendo cuidar e mandar na minha vida. Testando a minha fé, subestimando o quanto eu sou forte. Deus nos pediu o amor, sei que te amo, mas não sou amada. Te vejo como um ser humano. Enquanto você me vê como nada”.

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