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Realismo Goiano

Realidade é o título do segundo trabalho da cantora e compositora goiana Marília Mendonça, de 21 anos. Em pouco menos de dois anos de carreira, a artista desponta como revelação no cenário musical brasileiro e desenvolve novas propostas à música sertaneja, como o lado autoral e a narrativa da sofrência do ponto de vista feminino. O lançamento foi na última terça-feira, dia 14, acompanhado de uma coletiva de imprensa virtual que reuniu profissionais da imprensa de todo o Brasil. O DmRevista foi convidado a participar das rodadas de perguntas, onde Marília falou sobre suas impressões da fama, relacionamentos abusivos, o respeito que tem ganhado como compositora, o sonho em gravar com Alcione, dentre outras coisas.

Marília explica a escolha do título pela diversidade de interpretações que ele representa. “Tem a ver com três coisas: o fato de eu estar realizando meu sonho, o de eu ser uma pessoa real, e de as músicas contarem histórias reais”. Ela observa que sua postura diante do público amplifica o sentido de suas letras. “A mulher se identifica comigo quando me vê no palco e não encontra uma boneca toda montada”. O cuidado ao evitar histórias sintéticas e optar pela seleção daquilo que cria proximidade e encontra referências no dia a dia das pessoas é um fator decisivo na montagem de repertório da cantora. “Sempre tive um sonho de cantar o cotidiano das pessoas. Quando quis fazer um trabalho foi tudo muito pensado nesse sentido, eu não queria contar histórias inventadas”.

Ao avaliar as diferenças entre Realidade e seu primeiro álbum, Ao vivo, lançado em março de 2016, Marília diz que manteve a essência principal, que é a de dar voz ao lado feminino das relações. O primeiro álbum carregava uma atmosfera redentora, da mulher que está sofrendo e decide reencontrar o sentido de sua vida. Em Realidade, Marília se coloca no lugar da amante em duas canções, e falou sobre esse tema durante a coletiva. “A pessoa que trai não é inocente de forma alguma. Falando de uma amante eu me coloquei no papel dela e quis mostrar que a mulher fiel não precisaria fazer nada comigo pois a própria vida se encarrega disso. Já vi várias histórias desse tipo e essa foi mais uma das que eu presenciei. São histórias que nunca dão certo”.

Bastidores

A originalidade do repertório é outro cuidado que Marília garante tomar na hora de produzir material novo. “Neste dvd eu quis colocar novas histórias. Fico feliz por ser pioneira nesse assunto da mulher que fala de traição, da mulher real. Eu tive muito medo nesse dvd de repetir as histórias e trazer mais do mesmo. Sentei com o Juliano Tchula, que é meu parceiro de composição, e propus que fizéssemos novas histórias ligadas à realidade da mulher, mas que fosse diferente do primeiro”. Atualmente, a cantora está noiva, o que segundo ela, não é motivo para mudar a temática de suas músicas. “As pessoas me perguntam se por eu estar noiva vou cantar música de apaixonado que deu certo. Não vou de jeito nenhum, o que funciona no Brasil é falar sobre caso que deu errado”.

O tom realista e pessoal da sofrência na obra de Marília, segundo ela, não muda por sua condição estável na vida amorosa. Apesar de não narrar tantas histórias que aconteceram com ela em seu novo dvd, ela garante que seu trabalho como observadora e conhecedora dos mistérios que envolvem os relacionamentos continua, e que tais histórias estão sempre rondando, através de amigos, conhecidos e familiares. “No novo disco não tem tantas histórias que aconteceram comigo. São histórias de outras pessoas que eu conheço”. Quanto à estrutura sonora das canções, Marília garante que seu ecletismo a conduz por várias influências, e que ouvia muito pagode por influência do pai, e rock brasileiro por influência da mãe.

Outra percepção constante de Marília é o respeito que ela tem adquirido pelo fato de escrever as próprias músicas. “A composição na minha vida nasceu de uma forma natural e me ajudou muito. Quando saiu o primeiro dvd já tinha algumas músicas estouradas e a galera ficou muito curiosa. Quem canta e compõe tem um respeito diferente, é nítido, as pessoas sempre falam disso em qualquer lugar que eu vá. Fico feliz que mais compositores tenham essa abertura de cantar a partir da minha experiência”. Segundo ela, isso ajuda até no momento de gerenciar a própria carreira. “Se a gente já tem todo o cuidado na hora de se encarregar do repertório de outros artistas, imagina do nosso próprio”, afirma.

Marília, uma musa de verdade

Marília Mendonça sempre deixou transparecer seu lado etílico e isso colaborou na conquista de um público cativo, afinal sofrência à seco não dá pra aguentar e é sob efeito da “marvada” que a galera entoa aquele “Como faz com ela” com vontade. “Meu tempo livre ou é tomando uma ou assistindo série e filme” conta Marília, seu apreço por uma boa gelada e por aquele estado vegetativo frente ao netflix traz a musa sertaneja pra mais perto de nós mortais.

Miss Mendonça cresceu na capital do estado mas conta que seu parto foi realizado a 90 KM de Goiânia, na cidade de Cristianópolis, que se orgulha pela naturalidade da cantora. “Cristianópolis foi a cidade onde nasci, mas na verdade fui lá só pra nascer. Tinha um médico que era da confiança do meu pai e ele não podia fazer o parto em Goiânia no dia que eu nasci. Ele tinha um hospital em Cristianópolis, eu fui lá pra nascer e voltei pra Goiânia. Ainda não fui visitar Cristianópolis mas soube que a galera lá ama Marília Mendonça, tem o maior orgulho e fico muito feliz por isso” conta Marília.

Marília relata que ainda não está habituada a fama e o contínuo “pisar em ovos” que é a condição de figura pública impõe. “Muita coisa me assusta. Eu ainda não consegui entender nada que aconteceu porque ainda não tive tempo pra isso. Se eu faço um post no instagram como eu fazia antes, expressando a minha opinião, quando eu vejo o negócio já tá em todos os blogs de fofoca. O que mais me assusta é esse negócio de ser formadora de opinião, ter que pensar duas vezes antes de falar ou fazer algo”.

Apesar de demonstrar uma preocupação com a opinião pública a cantora procura manter a normalidade e autenticidade em sua vida e faz questão de mostrar aos fãs que não habita um “olimpo” acessível apenas aos deuses-artistas. “Não consigo entender como alguns artistas conseguem viver o tempo inteiro dentro de uma caixa. Ainda não me adaptei com isso nem quero me adaptar” diz Marília.

O momento que deu espaço ao sertanejo feminino historicamente de domínio masculino é um reflexo de um momento de reconstrução social e cultural. As mulheres que ocupavam na música sertaneja o papel de personagens de canções de amor ou o motivo do sofrimento dos marmanjos agora são autoras e Marília deu voz a sofrência feminina. Mulher também gosta de um “canto, bebo e choro” melhor ainda quando ela se identifica com as letras e as intérpretes.

Já que o momento é da presença das mulheres, as questões pertinentes estão inclusas nas músicas mesmo que de uma forma não direta. O empoderamento das mulheres, quebras de padrão estético e comportamental, a libertação da dependência de relacionamentos abusivos, tudo isso está de alguma forma nas letras ou postura da cantora. Marília se diz contente pela sua influência positiva no psicológico de quem está passando por um relacionamento ruim: “Já tive situações em que várias mulheres chegaram no camarim, chorando, agradecendo por ter ajudado a sair de um relacionamento abusivo. Relacionamento abusivo pra mim não é só aquele em que a mulher apanha e há agressão, mas aquele em que não há respeito aos sentimentos. E não é só sobre sentimento, algumas vezes, pela minha postura e pela minha autoestima, as pessoas se sentem ajudadas”.

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