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Domingos de Oliveira sai de cena

Numa época em que se esperava do cinema brasileiro filmes ‘cabeças’, que tinham como objetivo debater e desvendar a realidade do País, o cineasta Domingos de Oliveira, morto no último sábado (23), enveredou por um caminho que deixou muita gente intrigada: a comédia romântica. Tal alcunha deu a ele o apelido de “Woody Allen brasileiro”, porém esse tipo de comparação merece ser vista com distanciamento, já que temos nossa própria característica cinematográfica.

“Todas as Mulheres do Mundo”, lançado em 1966, tinha outro componente ainda mais intrigante: a atriz Leila Diniz, à época já sua ex-esposa, no papel principal. O longa era uma adaptação da primeira peça de teatro que Domingos dirigiu (baseada nos contos "A Falseta" e "Memórias de Don Juan" do escritor  Eduardo Prado) e fez de Leila (ícone feminista da década de 1960) uma estrela nacional do dia para a noite, tendo relevante papel de destaque artística e comportamentalmente nos anos seguintes.

Óbvio que o filme não era apenas ela, mas a tinha como centro de um elenco que contava com atores do calibre de Paulo José, Fauzi Arap, Flávio Migliaccio, só para ficar em alguns. Com essa produção, Domingos conseguiu levar os principais prêmios do então nascente Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: melhor filme, melhor direção e melhor roteiro. O cinema é cruel com sucesso, e requer que a obra seguinte seja tão boa, ou melhor, que a primeira.

E “Edu Coração de Ouro” acabou sendo recebido, em 1968, como mero desfalque do longa-metragem que o antecedeu. Nele estavam Paulo José e Leila Diniz, mais uma vez, porém a ênfase ia para o lado masculino. Certamente a época não era lá das melhores: 1968 foi um ano maluco demais para que os espectadores buscassem a representação intimista da vida de um jovem carioca, e isso pode ser notado nas produções de Domingos na década seguinte, como o filme “É Simonal”.

Mesmo mostrando a simpatia e o talento do cantor Wilson Simonal e sua parceira na história Irene Stefânia, o musical não chegou a emplacar. Sem dúvida 1970 também não era o momento certo para esse tipo de filme (o País assistia ao endurecimento dos milicos com a sanção do Ato Institucional Número 5, acentuando a repressão contra intelectuais, estudantes e artistas), mas o cineasta Roberto Faria fez um grandioso sucesso ao lançar a trilogia sobre Roberto Carlos, o rei da Jovem Guarda.

Vai entender, não é mesmo?

Guinada

Do nada, Domingos de Oliveira deu uma guinada em sua carreira, e investiu no drama soturno “A Culpa”, de 1971, que tinha como virtude a memorável fotografia de Rogério Noel. Assim, não restam dúvidas de que o sucesso de “Todas as Mulheres do Mundo” nada mais foi do que um acaso. A sétima arte, parafraseando o crítico de cinema Inácio Araújo, em texto publicado no jornal Folha de São Paulo, tem mania de ser ingrata – ainda mais no Brasil.

Com a rejeição, o diretor resolveu investir pesado na televisão (onde era ligado antes mesmo de rodar seu primeiro filme) e no teatro (cuja história consigo também era antiguíssima). Mas eis que em 1998 surge a surpresa do lançamento de “Amores” no tradicional Festival de Gramado. Era outra época. Vivia-se o boom provocado pelo fechamento da Embrafilmes, e as leis de incentivo, uma novidade.

O cinema buscava alternativas para manter-se vivo. E a estratégia de Domingos de Oliveira, mais uma vez, foi genial. Ele decidiu fazer um filme totalmente doméstico, colocando-se à frente do elenco, junto com sua esposa Priscilla Rozembaum, co-roteirista da produção. Era fim de século e questões existenciais voltaram a ocupar o centro da cena, tal como em “Todas as Mulheres do Mundo” – foi aí que o diretor passou a ser conhecido como “Woody Allen brasileiro”.

Dessa forma, a obra de Domingos de Oliveira girou em torno de família, amor, amigos, tendo pegada extremamente autobiográfica. Rolou isso em “Separações”, de 2002, “Feminices”, 2004, e outros. Em “BR-716”, o cineasta volta aos anos de 1960 para contar a história de um jovem que tem a pretensão de ser escritor, evidenciando suas amizades, farras, amores. Era o velho Domingos de Oliveira de antes de “Todas as Mulheres do Mundo”.

O sucesso não foi o mesmo, mas ele faturou no Festival de Gramado daquele ano os prêmios de melhor filme e direção. De certo modo, esse retorno à década de 1960, aos anos de juventude de Domingos de Oliveira, colocou um ponto final em sua vida e arte. Ainda jovem descobriu-se um intimista e fez disso sua vocação. Domingos de Oliveira de fato está com o nome no seleto rol dos grandes do cinema brasileiro.

Diretor deixou série para o Canal Brasil

Antes de morrer, o cineasta Domingos de Oliveira deixou para o Canal Brasil uma série nova. Com o nome de “Mulheres 50”, a produção é uma espécie de continuação de duas peças que Domingos dirigiu entre os anos de 1990 e 2000, como “Confissões das Mulheres de 30” e “Confissões das Mulheres 40”.

Redigida em conjunto com as protagonistas, que são as atrizes Cacá Mouther, Clarice Niskier, Dedina Bernardelli e Priscilla Rozenbaum, o seriado fala sobre os dilemas enfrentado pelas mulheres maduras, como relacionamento, separações e vida profissional.

Esse está longe de ser um assunto alheio para Domingo de Oliveira, um dos responsáveis pela introdução da comédia romântica no cinema brasileiro com “Todas as Mulheres do Mundo”, de 1966.

Dessa vez, cada episódio é centrado em uma das personagens. Em todos, as quatro amigas se encontram em seu quartel-general, que é um restaurante de Copacabana, templo boêmio carioca frequentado pelo diretor na vida real.

Em entrevista à Folha de São Paulo, o diretor de arte Ronald Teixeira disse que há sete episódios já filmados – o último contou com direção da assistente do cineasta, Renata Paschoal. Domingos estava fragilizado (ele sofria de Mal de Parkinson há anos) e havia pedido que ela o substituísse na empreitada.

“Mulheres de 50” está prevista para ir ao ar ainda no primeiro semestre.

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