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Filme mostra lado transgressor de Neville D´Almeida

Cineasta teve diversos filmes censurados pela ditadura militar (Foto: Reprodução)

Marcus Vinícius Beck

Neville D'Almeida está vivíssimo. Aos 78, ele continua o mesmo cara que foi censurado pela ditadura militar e emplacou a quinta maior bilheteria da história do cinema nacional, com o longa-metragem “A Dama do Lotação”, obra adaptada de conto homônimo do escritor Nelson Rodrigues. Neville, contudo, está puto: faz duas décadas que ele não consegue aprovar nenhum de seus projetos nos editais de fomento à cultura.

“Neville D'Almeida – Cronista da Beleza e do Caos”, documentário lançado neste ano e disponível em breve nas plataformas de streaming, mostra Neville como ele é. Dirigido pelo crítico Mário Abbade, o filme foca na vida do cineasta responsável por apimentar o cinema brasileiro nos anos 1970 e 1980 com obras picantes - cheio de sexo, drogas e rock and roll -, como “A Dama do Lotação”, “Os Sete Gatinhos” e “Rio Babilônia”.

Essa aventura artística começa na contracultura sessentista, por isso Neville diz que é o diretor mais censurado do cinema brasileiro. Os militares não viam com bons olhos o apelo ao sexo livre e à liberdade. Eram obras que nem se davam ao trabalho de esconder a falta de pudor num tempo em que a liberdade de expressão era um sonho e os artistas viviam sob o crivo dos “canalhas incompetentes”, como Neville se refere aos censores.

Suas obras têm linguagem chula, temas tabus e cenas de sexo quase explícito – como não lembrar daquelas que fazem parte do longa “Rio Babilônia”? Nem precisa falar que esses componentes são alvo fáceis para quem gosta de vigiar o gosto e o modo de vida alheios, ainda mais num país como o Brasil, sempre flertando com o retrocesso e, agora, mais do que nunca, com discursos moralistas.  

Abbade traz à tona ainda o início da carreira de Neville em meio à ascensão do cinema marginal, entre as décadas de 1960 e 1970. Paralelamente, eram tempos de desbunde (onde se ficava excitado com qualquer coisa), do ácido (gíria para LSD), do sexo, drogas e rock and roll (conforme lembra o cineasta Cacá Diegues). Viviam todos no Rio de Janeiro, lembra a atriz Maria Gladys, “queimando baseado, sempre com fumo bom”.

O filme também mostra o outro lado de Neville, do artista sensível e fã da obra de Nelson Rodrigues. “Ele é um cara que faz as coisas com tesão”, diz o diretor Cláudio Assis, no documentário. Para efeito de curiosidade, o controverso cineasta ainda escreveu o romance “A Dama da Internet”, em 2012, onde destila críticas aos relacionamentos atuais que se dão, em grande parte, de forma supérflua nas redes sociais.

“Neville D´Almeida – Cronista da Beleza e do Caos” evidencia, entre outras coisas, a busca do cineasta pelo equilíbrio entre qualidade técnica, experimentalismo artístico e comunicação com o público. São incontáveis polêmicas em torno da obra de Neville. Neville é sexo, é drogas, é rock and roll, mas é também arte, e em um estado despudorado, transmutador e transgressor.

Trajetória

Natural de Belo Horizonte, o cineasta Neville D'Almeida deu os primeiros passos como diretor ainda na capital mineira, frequentando as sessões do Centro de Estudos Cinematográficos de Belo Horizonte. Na década de 1960, partiu aos Estados Unidos para trabalhar como guia turística. No Tio Sam, Neville teve contato com a contracultura e o rock, o que lhe moldara a percepção estética.

Nesta década, dirigiu seu primeiro filme, “O Bem-Aventurado”, obra premiada no Festival de Cinema Amador. Ainda em Nova Iorque, fez assistência técnica de direção para Nelson Pereira dos Santos, no longa-metragem “Fome de Amor”, de 1967. No ano seguinte, o diretor mineiro lançou seu primeiro filme, “Jardim de Guerra”, com roteiro de Jorge Mautner e fotografia de Dib Lutfi.

O longa, contudo, foi censurado. Perseguido pela ditadura, Neville procura exílio em Londres e faz “Mangue Bangue”, em 1970, e “The Nights Cats”, no ano seguinte. Mesmo do outro lado do atlântico, a censura não sai do seu pé. Anos depois, filmou o clássico “A Dama do Lotação”, com Sônia Braga, filme que circulara em mais de 80 cinemas pelo País e até hoje está entre os mais assistidos de todos os tempos, no Brasil.

No início da década de 1980, o cineasta contracultural realiza uma de suas obras mais polêmicas, “Rio Babilônia”. Fez ainda, no início dos anos 90, um remake de “Matou a Família e Foi ao Cinema”, clássico de Júlio Bressane, e, em 1997, “Navalha da Carne”, obra adaptada de texto do dramaturgo Plínio Marcos.

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