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‘Privacidade Hackeada’ mostra como Facebook pode destruir as democracias

Foto: Reprodução

“Privacidade Hackeada”, documentário disponível desde a última quarta-feira (24) no Netflix, é um pesadelo para os executivos do Facebook e um alento para a população em geral. Dirigido por Jehane Noujaim e Karim Amer, o longa-metragem mostra como a ferramenta - que surgiu com a promessa de ajudar o mundo a se conectar - virou uma indústria que fatura trilhões e uma arma nas mãos de políticos que têm como objetivo a busca pela disseminação do ódio e a polarização das sociedades ao redor do planeta.

O filme é o primeiro a tratar do escândalo de coleta de dados pessoais pela rede social criada por Mark Zuckerberg junto com a Cambridge Analytica. “Privacidade Hackeada” foca em como a empresa de marketing político ajudou Donald Trump a vencer a corrida presidencial dos Estados Unidos, em 2016, e explica a colaboração da firma na campanha a favor do brexit, levando o espectador a refletir sobre a influência de Steven Bannon nas eleições brasileiras, em 2018.

Jair Bolsonaro, cuja campanha presidencial contou com forte aparato nas mídias digitais, chegou a ser citado brevemente no documentário pela jornalista do The Guardian, Carole Cadwallader, como uma das ameaçadas à democracia criadas pelo Facebook. Ela é taxativa ao se referir ao presidente, a quem define como um “extremista de direita”: ele foi eleito em meio à circulação de notícias falsas disseminadas em larga escala pelo WhatsApp, plataforma que é controlada pela empresa de Zuckerberg.

É verdade que o documentário não traz nenhuma revelação, porém apresenta didaticamente os bastidores do escândalo de coleta de dados, que vieram à tona em 2016, após reportagem do jornal inglês The Guardian. Com entrevistas de jornalistas, ativistas digitais e ex-funcionários arrependidos da Cambridge Analytica, “Privacidade Hackeada” traça um cenário perturbador em que a privacidade e o futuro da democracia estão seriamente ameaçados na era da informação.

“Nós os bombardeamos com blogs, sites, artigos, vídeos, anúncios, todas as plataformas que se possa imaginar, até que vissem o mundo como nós queríamos”, diz no filme Brittany Kaiser, ex-diretora da Cambridge Analytica, uma das primeiras a vir a público falar sobre esse modus operandi. “É como um bumerangue: você envia seus dados, eles são analisados e voltam para você na forma de mensagens direcionadas para mudar o seu comportamento”, complementa Kaiser.

A maioria dos usuários de redes sociais ao redor do mundo sabem que suas informações estão nas mãos de desconhecidos, embora poucos leiam os termos de compromissos antes de criar um login. Em um primeiro momento, compartilhar fotos da família, comentar em páginas de livros, músicas e filmes, interagir nas páginas de jornais e revistas, bem como curtir vídeos em grupos de gatos e cachorros podem parecer inofensivos, mas “Privacidade Hackeada” mostra que não é.

Estas informações ficam armazenadas e geram partículas de dados que movem uma extensa máquina de propaganda digital, sempre enriquecendo poucas pessoas, ameaçando as liberdades individuais, controlando o gosto do público e invadindo a vida alheia com uma infinidade de publicidade. Ao terminar o longa, é praticamente impensável que o espectador não tenha uma certeza em mente: as redes sociais - se usadas sem a necessária compreensão que ela precisa - cerceia direitos e liberdades.

Propaganda funciona

No filme, o professor de mídia digital em Nova Iorque, David Carroll, conta que entrou na justiça para obter seus dados pessoas de volta, mas ele não teve o sucesso que esperava. “As pessoas não querem admitir que a propaganda funciona, porque admitir isso significa confrontar nossas próprias susceptibilidades, a terrível falta de privacidade e dependência incorrigível das plataformas de tecnologias que estão arruinando nossas democracias”, afirma Carroll.

Em depoimento no Parlamento britânico, o primeiro delator da Cambridge Analytica, Christopher Wylie, fez a seguinte observação: “Quando [um atleta] é pego nas Olimpíadas por doping, ninguém discute quanta droga ilícita foi usada, certo? Não importa, se você é pego trapaceando, você perde a sua medalha. Se nós permitirmos trapaças no nosso processo democrático, o que acontecerá da próxima vez? Não se deve ganhar trapaceando”, diz ele, cuja fala foi inserida em “Privacidade Hackeada”.

Segundo a jornalista Carole Cadwallader, repórter do The Guardian responsável pela publicação dos primeiros relatos sobre a Cambridge Analytica, as redes sociais passaram a ser utilizadas de forma obscura por forças obscuras, e isso tem um efeito extremamente danoso. “Isso tudo parece meio apocalíptico … Podemos ver que governos autoritários estão em ascensão e estão usando essa política de ódio e medo no Facebook”, relata a jornalista, também em depoimento que está no filme.

De fato, “Privacidade Hackeada” coloca o Facebook contra a parede ao mostrar como a empresa atua no sentido de favorecer a ascensão de governos autoritários ao redor do mundo. Disponível em mais de 190 países, o longa possui potencial para chegar a uma audiência muito maior do que a dos meios de comunicação que noticiaram as violações de privacidade provocadas pela empresa de Zuckerberg, no ano passado.

Sem dúvida, é impossível assistir ao documentário e não cogitar a saída das redes sociais de uma vez por todas. Agora, conforme mostra o longa-metragem, a sociedade é controlada por meio dos dados disponibilizados nas redes sociais e, a partir, leva as pessoas a pensar que plataformas de streaming, como Spotify e Netflix, direciona - com base nas informações que fazemos no cadastro - o que gostamos, ou não, de ver e ouvir.

Ficha técnica

“Privacidade Hackeada”

Gênero: Documentário

Diretores: Jehane Noujaim e Karim Amer

Duração: 1h53

Disponível no Netflix

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