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Abstração em Portugal

Considerado um dos pioneiros da chamada ‘abstração geométrica’, em Portugal, além de ser um dos criadores da ‘arte cinética’, Nadir Afonso foi um dos pintores mais célebres de seu país no século XX. Deixou extensa obra, e nunca interrompeu suas atividades até 2013, quando morreu aos 93 anos.

Viveu a realidade da busca por expressão abstrata em Portugal, ainda fechado às novas tendências, num ambiente sócio-político pouco propenso a grandes inovações, em meio a uma classe artística composta principalmente por naturalistas tradicionais – concorrentes de grande influência intelectual. Além dele, Fernando Lanhas, com sua arte cósmica, ajudou a dar vida à tendência abstrata desde os anos 1940, antes que ela finalmente estourasse no país nos anos 1960.

Nadir Afonso ingressou no curso de arquitetura da Escola de Belas Artes do Porto, em 1938, e teve sua primeira exposição individual aos 19 anos. Algum tempo depois, passou a apresentar trabalhos de tendência surrealista, descritos como portadores de uma aura misteriosa, comparados à obra do pintor alemão Max Ernst.

‘Chaves’, de Nadir Afonso

Sua obra mais conhecida é a série de pinturas chamada “Cidades”, que exibe a percepção do artista de vários lugares do mundo. Passou algum tempo no Brasil (1951-1954), onde trabalhou com Oscar Niemeyer nos preparativos para a comemoração dos 400 anos da cidade de São Paulo. Explorou efeitos visuais através de movimentos físicos e ilusões de ótica na chamada ‘arte cinética’. Alcançou reconhecimento internacional nos anos 1950, quando expôs em Paris.

Contexto

No artigo “Nadir ou a pintura por pura sugestão”, publicado no site da galeria Ap’Arte, o autor Bernardo Pinto de Almeida traça o contexto tradicionalista da arte em Portugal na metade do século XX. “Com efeito, importa tornar claro que a arte portuguesa do século XX manteve uma relação muito paradoxal com a abstracção”.

O autor explica que a arte em Portugal, salvo vários exemplos como de Nadir, resistiu por muito tempo às tendências abstratas. “Se é verdade que, no plano das inscrições pioneiras, artistas portugueses estiveram ligados aos princípios históricos do movimento geral da pintura europeia a favor da abstracção também é verdade que a penetração de um sentido abstracto na arte portuguesa foi tardia”.

Bernardo explica ainda que naquele período, os artistas portugueses ainda estavam bastante apegados às correntes neo-realistas, como o naturalismo, e que a crítica intelectual que tinha visibilidade no país opunha-se veementemente aos movimentos abstratos. O autor também aponta fatores sociológicos para a barreira que a abstração encontrou ao tentar ganhar espaço em Portugal.

“A permanência de uma dimensão rural no desenvolvimento económico e social do País, que permaneceu até muito tarde como a sua realidade intransponível”. Fatores políticos também teriam contribuído para a impermeabilidade portuguesa. “O fechamento crescente dos horizontes políticos a partir da década de trinta contribuiu decisivamente para esta ignorância interna”, explica.

‘Praça de São Marcos, Veneza’, de Nadir Afonso

“A permanência de uma dimensão rural no desenvolvimento económico e social do País, que permaneceu até muito tarde como a sua realidade intransponível”. Fatores políticos também teriam contribuído para a impermeabilidade portuguesa. “O fechamento crescente dos horizontes políticos a partir da década de trinta contribuiu decisivamente para esta ignorância interna”, explica.

Fernando Lanhas

Quando a abstração chegou de fato ao país, a partir dos anos 1960, trouxe pouco conteúdo inédito e “consciência ativa”, de acordo com o autor, que destaca a força de Nadir Afonso e de outro pintor, Fernando Lanhas. Ambos já desenvolviam uma espécie de obra de resistência desde os anos 1940, em meio à concorrência massiva dos pintores neo-realistas. “Mais tarde, e já pelos finais dos anos cinquenta, alguma informação sobre a abstracção europeia teve enfim divulgação entre nós. [...] Penetrou, de facto, mas mais como uma moda que chegava do que como uma tendência estética e sensível que se afirmava e que consequentemente abria novos horizontes”.

Enquanto Nadir empenhava-se em criar obras que refletissem o poder das cidades e da passagem do tempo, Fernando Lanhas expressava-se através de uma “curiosidade cósmica”, de acordo com o autor Vicente Todoli. “Sua obra é uma verdadeira cosmogonia, situando o artista numa busca do conhecimento do porquê das coisas da arte e da vida […]. A arte surge relativizada numa obra em que ocupa uma relevância idêntica às outras manifestações da sua curiosidade”. Para Bernardo Almeida, ambos souberam se posicionar de forma autêntica no contexto artístico do país. “Rompiam sem apoios teóricos com uma realidade longamente adormecida e colocavam-se, por seu único mérito, no plano de uma pesquisa avançada que ia ao encontro, mesmo se intuitivamente”. (Leon Carelli)

Obra de Nadir Afonso

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