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Biografia rechaça rótulo de que Nietzsche era antissemita

Atire a primeira pedra quem nunca ouviu falar sobre a insistência de Friedrich Nietzsche (1844-1900) em declarar a morte de Deus. Difícil encontrar alguém que tenha passado incólume a isso, não é mesmo?

A popularização das ideias do filósofo passou a ocupar o imaginário popular por conta - entre outras coisas - das edições de bolso de seus livros lançados por editoras como Companhia das Letras e L&PM, com preços acessíveis a boa parte da população e distribuídos em pontos democráticos. 

Como lembrou o jornalista Walter Porto, da Folha de São Paulo, a quantidade de gente que sabe que a pronúncia do nome do filósofo tem uma sonoridade próxima a “nitche” é, digamos, um tanto grande.

E, independentemente do grau de escolaridade, uma coisa é certa: a disseminação de ideias como a morte da civilização ocidental, que Nietzsche profetizou em “Assim Falou Zaratustra”, obra lançada em 1883, espalharam-se pela esfera pública e, por isso, os escritos do pensador são objetos de culto e controvérsia. 

Nietzsche é acusado de ter sido antissemita - Foto: Reprodução

Considerada a melhor biografia de 2018 pelo jornal inglês The Guardian, “Eu Sou Dinamite!”, que chegou ao Brasil neste ano pela Editora Crítica, é uma referência a uma frase que o filósofo proferiu no final da vida, e é vista por muitos como o prenúncio da apropriação de seu nome aos ideários nazistas.

Para quem não sabe, décadas depois de sua morte, os antissemitas alemães passaram a usar os aforismos do pensador com o propósito de justificar filosoficamente as atrocidades que defendiam e cometiam. 

“Eu conheço o meu destino”, disse o Nietzsche, na autobiografia “Ecce Homo”, lançada em 1888, continuando: “Algum dia estará associada ao meu nome a recordação de alguma coisa assustadora – de uma crise como nenhuma antes na Terra, da mais profunda colisão da consciência [...]. Não sou um homem, eu sou dinamite”, reflete o pensador alemão, reforçando o caráter profetizar de sua obra.

O filósofo anteviu o que aconteceria alguns anos depois, e, é claro, estava certíssimo. 

No mês em que se completam 80 anos do início da Segunda Guerra Mundial, nada melhor do que passar panos limpos sob a marcha da história. A teoria de que Nietzsche teria plantado as sementes do partido nacional-socialista, mais conhecido como partido nazista, se propagou com a ajuda do ditador Adolf Hitler (1889-1945).

Estimulado pela irmã loucamente antissemita do filósofo, os propagandistas hitleristas perceberam que não seria uma má ideia deturpar o conceito de “super-homem”. 

Tal apropriação, contudo, é brilhantemente rechaçada em “Eu Sou Dinamite!”. De grosso modo, a ideia de “super-homem”, diz a autora no livro, simbolizaria a superação da dominação cristã pela via da cultura sem cair no niilismo nietzscheano, aquele mesmo que tornou o filósofo um dos maiores nomes de todos os tempos do pós-modernismo.

Ele desprezava a hegemonia da Igreja, bem como a confiança religiosa na ciência, no Estado e nas filosofias que dominaram os espaços de discussão na Idade Moderna. 

Nietzsche é acusado de ter sido antissemita - Foto: Reprodução

Vida

A biografia “Eu Sou Dinamite!” foca na figura bem-humorada de Nietzsche numa Alemanha que passava por grandes transformações políticas e sociais, no século XIX.

Filho de um pastor luterano que morreu aos 35 anos e de uma mãe que não se relacionava com ninguém, o jovem pensador encontrou na figura do compositor Richard Wagner – este, sim, um notório antissemita – uma referência paterna, coisa que não sabia o que era. Tempos depois, no entanto, os dois romperam. 

Além disso, é importante reafirmar, o traço preconceituoso da personalidade do filósofo era a misoginia, e não o antissemitismo. Em sua juventude, ele teria defendido causas feministas, porém uma decepção amorosa fez com que passasse a escrever textos machistas.

Lou Salomé, com quem Nietzsche teve um caso que mexeu com seus sentidos, também se relacionou com outros expoentes da intelectualidade da época, como o poeta Rainer Maria Rilke, o pintor Paul Rée e o psicanalista Sigmund Freud.

Alguns anos depois, já tomado pela sífilis, Nietzsche sofreu degeneração física e mental. Sua saúde ficara debilitada e podemos perceber a acentuação do estado psíquico que lhe acomete ao ler as últimas obras que escreveu.

Os últimos dias aforista foram retratados pelo cineasta brasileiro Julio Bressane, em “Nietzsche em Turim”, filme lançado em 2002. O filósofo morreu no dia 25 de agosto de 1900, na cidade de Weiner, então Império Alemão.

Os livros essenciais para conhecer Nietzsche

O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música (1872)

Aos 28 anos, ainda sob forte influência do músico Richard Wagner, o filósofo alemão trata em sua primeira obra sobre filosofia da arte. Livro é considerado o principal retrato da primeira fase de Nietzsche enquanto intelectual.

Humano, Demasiado Humano (1878)

Nesta obra, Nietzsche supera o música Wagner e o filósofo pessimista Schopenhauer e, a partir de então, adota seu famoso estilo de aforismo, com forte pegada poética e lírica - em alguns momentos.

Assim Falou Zaratustra (1883-1891)

É texto mais conhecido de Nietzsche. Escrito em quatro partes, faz críticas pesadas à civilização ocidental. Obra foi distribuída a milhares de soldados na Primeira Guerra (1914-1918).

Além do bem e do mal (1886)

Construído a partir de suas reflexões, obra inicia uma nova fase lírico-filosófica do pensador. Nela, entra na fase de negação e destruição. Livro foi redigido em tom crítico, com pegada mais densa do que os demais.

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