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Entrevista - Luciano Alves Meira “Se não conseguimos criar a utopia podemos evitar a distopia

Rariana Pinheiro

Desenvolvimento integral do potencial humano. É essa a solução do escritor e filósofo Luciano Alves Meira para que o mundo não chegue ao futuro de seu livro "Ser ou Não Ser - Nossa Dramática Encruzilhada Evolutiva" (Editora Vida Integral): tomado pelo vazio existencial e de rupturas ambientais gravíssimas. Na obra, que será lançada na próxima quinta-feira (19), na Livraria Leitura no Goiânia Shopping, a partir das 19h, o escritor, também palestrante e tradutor, utiliza-se de um futuro distópico para abordar a dolorosa realidade. Assim, ficção é usada para falar sério questões filosóficas, humanas, científicas e espirituais.

Nas discussões ele une literatura e ciência, logo, suas influências declaradas: Shakespeare e Einstein. Um dos indícios disso é o nome e a profissão do personagem principal, o astronauta Hamlet, o único sobrevivente de um acidente que se dá na chegada ao planeta vermelho. Em completo isolamento, o personagem passará por uma transformação psíquica profunda que culminará em um monólogo sobre as escolhas da espécie humana.

Em entrevista com o DM, abordou, além do livro, assuntos como liberdade de expressão e cortes na educação e cultura. Confira o bate papo a seguir.

ENTREVISTA LUCIANO ALVES MEIRA

Diário da Manhã - Como nasceu a ideia deste ambiente distópico da obra? Acredita que estamos em uma encruzilhada evolutiva?

Luciano Alves Meira - O ambiente distópico que aparece no começo do livro, desse astronauta que é o único sobrevivente de um acidente em Marte, foi um recurso ficcional para nos afastar do envolvimento muito próximo que nós temos com tudo que está acontecendo aqui, na Terra, no nosso dia a dia. A ideia era ter alguém que conseguisse olhar de maneira desapaixonada e profunda a condição que nós seres humanos nos encontramos hoje e como se deram os caminhos da evolução. A ideia era refletir sobre as escolhas que foram feitas ao longo do tempo, e lógico, em 2070, a visão é a de que muitas dessas escolhas não foram boas. Eu creio que nem é necessário esperarmos 2070. Podemos olhar para o momento atual e constatar como nós estamos nos relacionando uns com os outros e com o planeta, para notarmos que existe algo que se perdeu nessa jornada do autoconhecimento, e que pode vir a ser melhor: essa é a ideia central do desenvolvimento integral do potencial humano.

Diário da Manhã - Shakespeare e Einstein são fortes influências?

Luciano - Eu tenho muitas influências da Literatura, da Ciência, da Psicologia e da Filosofia, não as posso negar. Einstein, sem dúvida, foi além de físico, um pensador. Ao final da sua vida estava muito preocupado com o desenvolvimento moral, e até prefiro usar a palavra “espiritual”, da humanidade. Há vídeos dele disponíveis na internet, pelos quais vê-se que ele enxergava a tecnologia como algo benéfico, que iria aliviar a carga de trabalho do ser humano, desde que, junto dela, houvesse um desenvolvimento moral, com ele diz, e que eu chamo de desenvolvimento dos níveis de consciência. Então, sem dúvida nenhuma, nesse sentido Einstein é uma grande influência na minha forma de pensar. A escolha de Shakespeare veio da minha formação em Letras e da minha enorme paixão pela Literatura. Ele é considerado um dos maiores nomes da Literatura mundial, por uma série de razões.

DM - E as traduções como apareceram em sua vida? Existe alguma tradução mais especial? "Folhas de Relva" é uma delas?

Luciano - Eu iniciei o trabalho de traduções literárias no início dos anos 2000, com algumas experiências muitos interessantes. Na mesma época, o Sr. Claret me convidou para traduzir o clássico Flores de Relva do poeta norte americano Walt Whitman, considerado um dos principais poetas dos Estados Unidos e um dos grandes iniciadores da poesia moderna. O que mais me fascina nele é a sua espiritualidade, expressa por uma profunda conexão com a Natureza e com o ser humano, na sua condição urbana.

Diário da Manhã - Como analisa episódios como os da Bienal do Livro, que vem sendo frequentes no País?

Luciano - Esse episódio da Bienal ilustra bem como a problemática humana evoluiu para paradoxos, o que requer um nível de consciência elevado para ser tratado. Nós temos hoje uma sociedade com problemas cada vez mais complexos, e abordagens simplistas. Explicando-me: você tem, por um lado, a necessidade de liberdade de expressão (muito importante na sociedade), por outro lado, você tem a necessidade de proteger o processo de amadurecimento das crianças, negando ou restringindo o acesso àquilo que possa ser perturbador. Quem decide o que é ou que não é perturbador, ou o que é ou não é saudável para o desenvolvimento? Isso é uma situação paradoxal. Sem a liberdade de expressão, teremos uma sociedade murcha, na qual haverá limitações à expressão dos potenciais humanos. Sem o devido cuidado, pode haver prejuízo ao desenvolvimento infantil. Então, quando eu afirmo que a complexidade está instalada na sociedade pós-moderna, é exatamente ao quão paradoxal podem ser as menores questões da vida eu me refiro. Só com uma consciência madura, sem radicalismos, com diálogo inteligente será possível contemplar ambas necessidade: a de liberdade de expressão e a de proteção ao desenvolvimento infantil.

Diário da Manhã - Em um cenário em que o meio artístico tem sofrido cortes financeiros e repressões. Qual é a melhor forma de vivermos esse período?

Luciano - Em relação à questão da falta de recursos para a cultura e educação, é um assunto muito grave. mas diferentemente da crítica tradicional, eu creio que é nesses momentos que temos a oportunidade de nos reinventar. Se pensarmos bem, grandes movimentos culturais e filosóficos nasceram em situações de dificuldade. Peguemos, como exemplo, a época da Ditadura no País, na qual a produção cultural floresceu. Isso é interessante: quando o ser humano é desafiado, quando barreiras lhe são impostas, ele se engrandece. Eu trabalhei por muitos anos no Terceiro Setor e lá eu aprendi que quando não tem dinheiro, cria-se o dinheiro, com iniciativas inteligentes e corretas do ponto de vista legal, mas tirando água de pedra. Então, eu entendo que a educação e a cultura devem seguir firmes e fortes, e que existem pessoas com muita capacidade mental, emocional e espiritual para criarem soluções, no Brasil apesar das dificuldades financeiras e ambiente institucional instável.

Diário da Manhã - O ambiente distópico de hoje o faz acreditar em um futuro otimista?

Luciano - O livro inicia-se num cenário distópico para que possamos refletir sobre o pior. Nós podemos imaginar alguns cenários distópicos e como evitá-los; se não conseguimos criar a utopia, podemos, ao menos, evitar a distopia. A partir de nossos potenciais podemos criar uma experiência humana de valores. A forma como nós vivemos e nos relacionamos uns com ou outros precisa ser repensada. No livro Ser ou Não Ser o que proponho é que o centro dessa discussão está deslocado: deveríamos estar muito preocupados com o desenvolvimento da consciência humana, pois uma vez que isto ocorra, todo resto melhora. Este é o caminho apontado pelo livro, que traz sugestões e possibilidades para tanto. Nesse sentido, não sou nem otimista nem pessimista: eu digo, é uma escolha. Se escolhermos trabalhar a educação dessa forma, eu serei otimista, mas enquanto isso não acontece, sou pessimista. A escolha está posta.

Serviço

Lançamento Ser Ou Não Ser: Nossa Dramática Encruzilhada Evolutiva

Quando: Nesta quinta-feira (19), às 19 horas

Onde: Livraria Leitura – Goiânia Shopping (Avenida T-10, 1300. St. Bueno)

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