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Entendendo o Brasil

No dia 22 de julho de 1920, num casebre na periferia de São Paulo, nascia o mentor do pensamento sociológico no Brasil: Florestan Fernandes. Para usar um conceito formulado por Antonio Gramsci, a trajetória dele pode ser analisada a partir da premissa de um intelectual orgânico que manteve-se – ao longo de sua vida, não importasse o que acontecesse – ligado à sua origem social. O que não quer dizer que ele fosse análogo às questões do mito da democracia racial e à atuação política. Florestan dissertou sobre a integração do povo negro na sociedade de classes e teorizou sobre a chegada tardia da revolução burguesa ao Brasil.

Filho de empregada doméstica, Florestan nunca conheceu o pai. Antes de ingressar na Universidade de São Paulo (USP) como aluno, e na sequência na condição de professor, foi engraxate e garçom. De certo modo, sua obra aliou o contexto sócio-econômico o qual vivenciou desde a infância com a mais sofisticada teoria marxista. Em livros como “A Integração do Negro na Sociedade de Classes” (1964) e “A Revolução Burguesa no Brasil” (1975), o sociólogo reportou os mecanismos históricos e sociais que impediam – e ainda impedem, tristemente, é bom lembrar– o País de entrar de vez nos trilhos da civilidade.

Por essas e por outras, Florestan é um nome essencial para a sociologia brasileira – ciência, diga-se, tão achincalhada pela turma fardada. “Os diálogos que ele traz são extremamente lúcidos e refinados. Ele faz essa leitura também muito ligada com o materialismo histórico. Acho que quando Florestan pensa a condição do negro na sociedade brasileira, especialmente quando ele trabalha essa ideia do mito da democracia racial, que já tinha sido criticado por outros autores, faz isso de uma forma muito profunda e atual”, analisa a cientista social Lays Vieira, mestre em sociologia e ciência política pela Universidade Federal de Goiás (UFG).

Ilustração do sociólogo Florestan Fernandes por Rabiscos e Escarros

Após o golpe civil e militar de 1964, já uma figura pública respeitada pela defesa das causas sociais, o professor passou a ser vigiado pela polícia política. Essa tensão chegou ao ápice quando o regime da caserna endureceu ainda mais com a deflagração do AI-5, em 1968. A essa altura, Florestan posicionava-se ao lado dos estudantes nas manifestações, o que acabou provocando sua aposentadoria compulsória.  Sem vínculo com a USP, o sociólogo dedica-se exclusivamente aos movimentos sociais, saindo do Brasil para dar aulas nas universidades de Columbia, Yale e Toronto e publicando textos marxista ainda mais refinados. “Ele faz muito esse diálogo entre teoria e prática”, crê Vieira.

Em seu retorno ao Brasil para dar aulas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) após a Lei da Anistia, ele publicou a obra “O Que é Revolução” (1981) e começara a ser chamado para debater com os movimentos de esquerda. No final da década de 1980, lá pelos idos de 1987, sob o Congresso Nacional com os poderes constituintes, em Brasília, o sociólogo Renato Dias – à época líder estudantil e acadêmico de Ciências Sociais na UFG – teve uma sessão de cochichos com Florestan. “O sociólogo havia sido eleito deputado federal pelo PT em dobradinha com o ex-presidente da UEE de São Paulo, em 1968, José Dirceu de Oliveira e Silva”.

Aborto político

“A sua análise da derrota da Emenda Dante de Oliveira e da campanha das Diretas Já é de que houve uma conciliação pelo alto e o aborto do que poderia ser uma revolução democrática, no Brasil”, pontua Renato Dias, estudioso dos anos de ditadura no Brasil. Na Câmara dos Deputados, Florestan teve atuação marcante na Constituinte, especialmente nas pautas de educação e direitos humanos. Reeleito em 1990, ele vence o pleito mesmo doente, mas com menos votos do que quatro anos antes. “A sua referência era o pensamento de Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Ilich Ulianov , Lenin, e Leon Trotsky”, afirma Dias.

A militância de Florestan, portanto, é inerente à sociologia, ainda que ambas possam – e muitas vezes são, na verdade – praticadas de maneiras diferentes. Defensor da escola pública, o sociólogo, quando ainda era estudante na USP, trocava cartas com o crítico literário Antônio Cândido e reclamava do preconceito por ser um dos poucos alunos pobre de sua faculdade. A extensa correspondência entre os dois inspirou o dramaturgo Oswaldo Ramos Mendes a escrever a peça “Vicente e Antonio: a História de Uma Amizade”, peça que será exibida hoje, às 20h, nos canais do Youtube e TV Sesc, Casa do Saber e Uol.

Falecido no dia 10 de agosto de 1996, as ideias de Florestan Fernandes vivem, ao contrário das falácias fascistas as quais tanto criticou em suas obras.

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