Home / Cultura

CULTURA

Rua do Lazer vira ponto de agitação cultural e promete trazer galera para o Centro na ressaca da pandemia

Dez, onze e tanto ou meia-noite e lá vai pedrada, na verdade assim que as mentiras reproduzidas no horário comercial saem de cena para dar lugar ao paraíso de diversões da vida noturna, ou quando nos entregamos aos prazeres da boemia, o escriba tagarela qualquer coisa sobre a estreia de “Marighella”, levanta para ir ao banheiro, cumprimenta um camarada, sorri de uma piada provavelmente só engraçada dentro das possibilidades de diversão humana: sejam bem-vindos à Rua do Lazer.

Dois anos depois das obras de revitalização estarem concluídas, a Rua 8 começa a se mover na sinfonia da cultura, com bares, a exemplo da Casa Liberté e Zé Latinhas, e cinema, o único de rua, que resiste bravamente no Centrão, obrigado. Sim, o Cine Ritz atravessou a pandemia, endividou-se, sentiu o amargor de quase ter as portas abaixadas em definitivo, mas se provou valente. O catálogo de filmes, desde a cinebiografia sobre o guerrilheiro que incendiou a ditadura até uma produção da Marvel, cujo mais novo título é “Eternos”, de Chlóe Zhao, soa atrativo para o público.

Aos poucos, à medida que as vacinas vão espantando a covid-19, o Centro volta a ser ocupado pelos jovens, artistas, intelectuais e sujeitos sedentos por rolês. De olho nisso, no sábado, 6, a Liberté, Zé Latinhas e Muquifu Cultural realizam uma feira de vinil que, de quebra, marca em definitivo a abertura do bar que nomeia as bebidas de sua carta de drinks com nomes de revolucionários, como Buenaventura Durruti e Ernest Hemingway. Se o boteco do seu Zé continua sendo o anfitrião e a Casa Liberté mostra que resistir é preciso, o Muquifu chega para ser uma opção de arte e cultura.

Segundo o jornalista Heitor Vilela, proprietário da Liberté em sociedade com Jefferson Ribeiro Radi e Vinícius Gade, Goiânia é uma cidade em que durante os anos 1960, 70 e 80 havia uma cultura de bar, de barzinhos mesmo, assim dizendo, onde o próprio conceito de música de boteco lançou nomes importantes para o cenário cultural, na chamada MPB goiana e até mesmo no sertanejo. Mas esse lazer localizado na região central, diz, foi se perdendo depois da década de 90 até que acabou sendo exportado aos setores Marista e Bueno, bairros etilizados da capital

“Tem um movimento que já existia antes com a Casa Liberté próximo ao Colégio Lyceu, e, agora, vindo para o coração da cidade, próximo ao cruzamento das avenidas Goiás e Anhanguera, na Rua 8, a gente acredita que a Casa vai contribuir com o movimento espontâneo e autêntico do Centro da cidade de uma forma não etilizada, ou com um viés arquitetônico, e sim com um viés de ocupação, com um viés de uso atual, uso dinâmico, uso em stricto sensu do espaço urbano, que andou um tanto esquecido nas últimas décadas”, afirma, em entrevista ao DM, o jornalista.

Fachada da Casa Liberté, na Rua 8 – Foto: Instagram/ Divulgação

Para o evento do dia 6, Heitor adianta que o público pode esperar oito horas, ou até mais, de discotecagem em vinil com alguns dos melhores DJs que existem na cidade, como Glauco Brandão, Monyke Goiana e Sabará. Assinada pela chef Rosana Carlos Mendes Ferreira Bueno, a quem diz ser petista convicta e contra o presidente Jair Bolsonaro, como todos na casa, o cardápio acompanha bem um rolê no qual se reencontra os velhos amigos não vistos há muito tempo, ou depois de pegar um cinema nessa parte antiga da cidade, deleitando-se com um chope gelado.

“A gente está articulado politicamente com o público, com os donos dos estabelecimentos, com os lojistas e articulado também com vereadores e representantes da Secretaria de Direitos Humanos, jornalistas e ativistas no geral para garantir o nosso direito de uso do espaço público”, diz o jornalista. Na Rua 8, abaixo da Anhanguera, há uma tríade: além da Liberté, tem também o Muquifu Cultural, do qual Heitor faz parte como residente artístico, e o Zé Latinhas, bar reaberto há meses e responsável por movimentar a região com discotecagens - BNegão, por exemplo, tocou lá.

De acordo com o arquiteto Alexandre Perini, o fenômeno de ocupar áreas centrais das cidades, a exemplo do que acontece na Avenida Mem de Sá e Rua Augusta, em São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente, pode ser visto também em pequenos municípios pelo Brasil. “Compreende-se vida cultural, o footing, a lanchonete, o pitdog, o chopinho, o bailão. As cidades têm em seu surgimento esse tipo de ocupação, aliada ao comércio, serviços e recursos naturais”, explica Perini.

“É um erro não incentivar ou proibir esse tipo de ocupação. É negar o nascimento de uma cidade, porque é nesse espaço e ocupação que ela se renova e não nos condomínios”, pontua, destacando que o processo de deteriorização dos centros das cidades, além da especulação imobiliária, joga ao chão não apenas o edifício. “O turismo religioso não deixa de ser uma subutilização do espaço urbano”, afirma Perini, após ser instigado pelo repórter a comentar as construções de templos religiosos no coração das grandes metrópoles brasileiras.

Lá pelas tantas, vixe, agarrado à cadeira do bar e gargalhando e conversando e contando bravatas etílicas no auge da verdade, o escriba observa o movimento dos dois lados da Rua do Lazer e pensa consigo ‘até que Goiânia é uma cidade interessante, com vida pulsando em suas esquinas, com ideias intercaladas entre um filme e um trago de breja’. A cidade, finalmente, respira aliviada após o renascimento da vida noturna.

Feira de Vinil do Centrão

Quando: sábado, 6

Horário: a partir das 14h

Onde: Rua 8

Gratuito

Calçada do Zé Latinhas, ao lado do Cine Ritz – Foto: Instagram/ Divulgação

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias