Home / Cultura

CULTURA

“Acho o teatro tão encantado e tão forte em sua comunicação com o público”, diz a atriz Débora Falabella

Numa noite de 1967, os Beatles cantavam “All Need Is Love” em transmissão ao vivo pela televisão. Era o auge de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. No mesmo ano, para nunca mais saírem da História, tinham lançado o disco “Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band”, uma das obras-primas da contracultura. Por todos os lados, imaginava-se que a utopia da contracultura impulsionada pelos baby-boomers, ao questionar os valores da geração dos pais, salvaria o mundo do ódio.

Esse é o ponto de partida de “Love, Love, Love”, espetáculo apresentado em Goiânia pelo Grupo 3 de Teatro, da atriz Débora Falabella, neste sábado, 19, e domingo, 20, no Teatro Goiânia, às 20h30 e às 19h. Dirigido por Eric Lenate, o drama montado a partir de texto do dramaturgo inglês Mike Bartlett se inicia na era do amor-livre, segunda onda do feminismo e sonho hippie para dissecar dentro de um apartamento a vida de um casal baby boomer, onde somos induzidos pelo talento de Barlett – um dos nomes mais importantes do teatro contemporâneo – às encruzilhadas da reflexão.

Sandra, personagem interpretada por Falabella, é bonita, sedutora e acabou de ingressar na universidade. Ela marca um encontro com Henry, papel de Mateus Monteiro, porém acaba se interessando pelo irmão mais novo, Kenneth, que está com 19 anos. Os dois se casam. Há um salto temporal. Vamos para os anos 1990. Outros costumes, outra realidade – agora, todos fazem parte da classe média, mas apresentam negligências a respeito dos filhos, num matrimônio que está prestes a ir pelos ares.

Um dos melhores momentos da peça é o salto temporal para 2010

O grande momento da trama é o último ato, na década de 2010, quando saltamos para uma reunião de família. A filha de Sandra e Kenneth, em outrora uma promissora violonista, está com 37 anos e encontra-se decepcionada com a trajetória de sua vida, arremessando na direção dos pais e seus ideais pela paz e amor a fatura pelo fracassado da geração dela. “A gente está vivendo e agindo de acordo com questões da nossa época”, afirma Débora Falabella, em entrevista ao Diário da Manhã.

Ao assistirmos o espetáculo, é possível perceber que Mike Bartlett é um autor preocupado com o espírito de nosso tempo e que sobreviverá a ele. Seu texto, ácido e certeiro, toma posição. Segundo o dramaturgo, em entrevista divulgada pelo teatro Roundabout, à época da estreia de “Love, love, love” em Nova Iorque, evitou a culpabilização de uma geração ou de outra. “É um texto político e também psicológico. É tudo junto como costumam ser as grandes obras”, reflete a atriz Yara de Novaes.

A seguir, leia os melhores momentos da entrevista de Falabella.

Diário da Manhã – “Love, Love, Love” aborda questões geracionais a partir de histórias de um período que vai de 1967, época em que os Beatles estavam no auge, até 2010, quando as transformações proporcionadas pela paz e amor foram corrompidas por demandas que sobrepujam desejos e sonhos. Como a peça se insere no ano de 2022, onde microfones estão abertos para semear o conservadorismo?

Débora Falabella - Eu acredito que hoje, em 2022, a gente ainda esteja vivendo um pouco a ressaca de todo esse movimento que houve, geracional, dos anos 1970 até os anos 2000. Os adultos de hoje são filhos dessa geração dos anos 1970. Acredito também que a História seja cíclica. Se os jovens lutaram por essa liberdade nos anos 70, hoje em dia entendemos que é preciso também estar forte em relação ao que vem indo contra a gente, com esses governos conservadores que temos visto em diversos países. Os movimentos sociais se tornam mais fortes e mais importantes para a geração atual.

DM - É interessante os caminhos pelos quais o espetáculo sugere a nós, a exemplo da utopia dos anos 1960 até os desapontamentos que, anos mais tarde, gerariam uma falta de perspectiva a respeito do sistema sócio-político. Por que “Love, Love, Love”, peça escrita pelo dramaturgo inglês Mike Bartlett, deve ser vista pelo público?

Falabella - “Love, Love, Love” deve ser vista porque é muito interessante particularmente quando vemos obras que mostram como nossa vida está ligada ao que acontece lá fora. Apesar de falar de tudo isso que você disse em sua pergunta, o espetáculo se passa dentro de um apartamento de uma família, com filhos, e como que eles lidam com os acontecimentos do mundo, como que eles lidam com sua família e com os outros sendo influenciados e como isso também é um reflexo do que acontece no mundo: a gente está vivendo e agindo de acordo com questões da nossa época.

Falabella: "O espetáculo se passa dentro de um apartamento de uma família, com filhos, e como que eles lidam com os acontecimentos do mundo"

DM - Entre saltos temporais, de 67, quando os Beatles cantam “All You Need Is Love”, passando pelos anos 1990, chegamos nos anos 2010 e é inevitável não pensar sobre o ontem e hoje, as mudanças comportamentais, o fim da utopia e os desencantos da geração hippie. Qual foi o ponto de partida para o espetáculo e quando você ficou encantada pela peça e decidiu fazê-la?

Falabella - A gente já tinha lido essa peça quando montamos outro espetáculo do Mike Bartlett, chamado “Contrações”, e que fala sobre assédio no ambiente de trabalho, que também continua sendo um tema muito atual, a questão dos abusos. As coisas vão mudando e a gente vai tomando outros exemplos, como essas pessoas que trabalharam muito por conta da pandemia, os burnouts pela quantidade de trabalho.

Então, a gente fez esse espetáculo do Bartlett. Quando o pesquisamos, a gente já tinha lido “Love, Love, Love”. Eu já tinha me encantado pela maneira como ele mostrava essa questão, que também é uma questão mundial ligada ao mundo capitalista em vivemos em relação ao ambiente de trabalho, colocando isso dentro de um escritório. Com “Love, Love, Love”, falamos dessa mesma maneira, mas levando isso para o ambiente doméstico. Acho que isso gera uma identificação grande no público.

DM - Você fala em entrevistas que sua relação com os palcos vem da infância. Por que o teatro é um amigo tão presente em sua e vida e te ajuda a entender a realidade?

Falabella – Nasci e cresci nesse meio do teatro. Meu primeiro contato foi muito jovem, porque meu pai é ator, hoje em dia atua pouco, mas atuou por muitos anos em Belo Horizonte (MG), escreveu e dirigiu. Minha irmã também é atriz. Mais velha, ela começou nos palcos antes de mim. Tenho uma mãe que era cantora lírica, então estava acostumada a acompanhá-la nas óperas e concertos. Já tinha uma familiaridade com o palco. Isso pra mim contou muito. Faz parte da minha vida.

Falabella: "A gente teve um processo de ensaio muito ligado ao texto, pois era forte, potente"

Poderia, sim, ter ido por outros caminhos – opostos até –, mas não sei: a arte deveria ser forte dentro de mim. Comecei a fazer teatro muito cedo, por conta da timidez, que tinha quando jovem, na adolescência. Me ajudou a ter uma voz, me ajudou a ter uma coragem pra falar o que eu queria falar através de um personagem. Por isso, acho o teatro tão encantado. E tão forte em sua comunicação com o público.

DM - Considerado um dos maiores dramaturgo contemporâneos, em “Love, Love, Love”, o inglês Mike Bartlett propõe um passeio pela era do amor livre, da segunda onda do feminismo e do idealismo político por meio dos quais traçamos um paralelo entre os baby boomers e os millenials. Como foi o processo de preparo para a peça?

Falabella – A gente teve um processo de ensaio muito ligado ao texto, pois era forte, potente. E, claro, a gente teve que se agarrar aos estudos das épocas que estão na peça. Decidimos continuar com o enredo se passando em Londres, até porque as gerações, os anos, seriam um pouco diferentes no Brasil, apesar de acontecerem da mesma maneira. Houve movimentos parecidos. Mas optamos por manter em Londres. Isso não causa o menor estranhamento. O público se identifica da mesma maneira.

DM - Durante a pandemia, junto com as atrizes Mariana Ximenes, Andréia Horta e Bianca Comparato, você idealizou um projeto cujo objetivo era interpretar cenicamente trechos de poemas. Como a arte pode nos ajudar a atravessar para o outro lado da tempestade em curso no Brasil?

Falabella – Sim, nós quatro idealizamos o Cara Palavra. Já era um projeto que existia, a gente criou esse espetáculo. Juntou várias poetas para estarem conosco. Em cada dia, tínhamos a presença de uma poeta brasileira. Foi muito bonito. Tenho uma relação com a poesia que, a princípio, era de leitora. Hoje, tenho uma outra. Talvez é o que precisamos nesse momento: entender o mundo e falar sobre ele, com um pouco mais de poesia e um pouco mais de sensibilidade. A arte nos traz de volta essa sensibilidade. Estamos ficando com a casca muito dura, com tudo o que está acontecendo no mundo.

Love, Love, Love

Quando: dias 19 e 20

Horário: às 20h30 e às 19h

Onde: Teatro Goiânia

Ingressos entre R$ 40 e R$ 80

Classificação indicativa: 16 anos

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias