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Pixinguinha promoveu encontro do choro com jazz

Pixinguinha, que estaria com 125 anos se não tivesse infartado no carnaval de 1973, embarcou para França em 1922 no transatlântico Massília. Nos seis meses seguintes, além de não fazer ideia de quantas namoradas tivera – quatro ou seis? – e da quantidade de rum que bebera, o brasileiro virou atração fixa da Dancing Sheherazade, badalada casa noturna parisiense, encantando a todos com o som de sua flauta, promovendo um encontro entre o choro e o jazz e caindo nas graças da imprensa francesa, que se referia ao conjunto Batutas como L´Orchestre des Batutas.

Embora os jornais brasileiros descambassem ao racismo em se tratando de Pixinguinha, a estada do grupo foi custeada por Arnaldo Guinle e teve até uma apresentação dos Batutas para integrantes da família imperial, refugiada em Paris desde a queda da monarquia, em 1889. Em 14 de agosto de 22, o grupo retornou às terras do Rio de Janeiro e, na bagagem, o flautista trazia um saxofone, instrumento que nas próximas décadas seria eternizado por John Coltrane, Johnny Hodges e Stan Getz. Quem lhe presenteou? Para a felicidade da música, Guinle fez essa gentileza.

Foi mais ou menos assim: Guinle, que curtia o jazz tocado pelos negros americanos, não estava nem aí para os comentários de baixo tom feitos do outro lado do Atlântico. “Você toca aquele instrumento?”, indagou o francês, para um Pixinguinha que havia conseguido a façanha de beber 120 litros de rum. Sabendo tudo e mais um pouco sobre escalas, o mundo entre notas e a beleza em combiná-las, o brasileiro – sem pensar duas vezes – respondeu: “Toco.” E, jamais imaginando que uma tamanha gentileza estaria por vir, acabou que ele mesmo, Pixinga, ganhou um. Instantes depois, o choro já estava perfeitamente familiarizado com o instrumento de sopro.

Sua vida, tão fascinante quanto improvável, deu uma reviravolta: nascido em 23 de abril de 1897, não por acaso data em que se comemora o Dia do Choro, Pixinguinha – pouco tempo depois de voltar da França – embarcou para a Argentina, rumo a Buenos Aires, e fez sucesso na capital portenha ao ponto de ter um poema assinado por Musmée publicado no jornal La Razon (“Negro, tu tienes dos alas/ Y volando por losnidos/ Recogistelos sonidos/ em caprichosas escalas”). Atento aos conselhos dos amigos, nos anos 1930, encontrou espaço em sua apertada agenda – seja como instrumentista, arranjador, diretor de orquestras ou compositor – para estudar.

Matriculou-se então no Instituto Nacional de Música, hoje Escola de Música UFRJ, para se aprofundar em teoria musical. “A improvisação praticada por Pixinguinha consiste no que se chama de ‘contraponto popular’, sendo executado por instrumentos melódicos de registro médio-grave como de acompanhamento, a exemplo de violão, trombone, bombardino, saxofone, dentre outros”, aponta o pesquisador José Reis de Geus em “Pixinguinha e Dino Sete Cordas: Reflexões Sobre a Improvisação no Choro”, dissertação de mestrado defendida na UFG. “Pixinguinha resgata a prática adotada pelas primeiras gerações do choro em praticar a improvisação.”

Segundo o pesquisador João Máximo, Pixinguinha era, em vários sentidos, único. Era o único brasileiro a quem Brasílio Itiberê colocava ao lado de Bach na arte da polifonia e do contraponto. Era o único brasileiro que, dedicando-se durante toda a vida ao choro, à polca e ao maxixe, Heitor Villa-Lobos chamava de “músico”. Único brasileiro para quem Tom Jobim tiraria o chapéu. “Pixinguinha é, numa palavra, a música brasileira”, sentenciou o jornalista, especialista em MPB, na ocasião em que se iniciava as comemorações do centenário do autor de “Carinhoso”, em 1996.

Boêmio confesso, do tipo que era chegado a uma cervejinha, contava com o privilégio de ter uma cadeira cativa no Wiskeria Gouvêa, na Travessa do Ouvidor, no Rio, em que até seu nome chegou a ser gravado em ouro. “Fui tomar um negócio e fui ficando acostumado, porque não gosto de ficar mudando de ponto”, dizia o músico. “O velho Gouveia tinha um armazém na frente, depois foi se modificando. Parece até emprego. Você chega lá e me encontra.” Segundo o jornalista Sérgio Cabral, na obra “Pixinguinha: Vida e Obra”, o bar virou uma segunda casa para o compositor.

“Até a véspera de sua morte, de segunda a sexta-feira, lá estava ele, das 10 às 13 horas, religiosamente”, afirmou Cabral, que o conheceu na redação de “O Cruzeiro” em 1958, após conquista da Copa pela seleção de Pelé e Garrincha. Reverenciado por Baden Powell e Gilberto Gil, com Vinícius de Moraes, compôs o sucesso “Mundo Melhor”, faixa escolhida para abrir o disco “Muito Elizabeth”, da cantora Elizabeth Cardoso. Junto do parceiro, criou ainda a trilha sonora do filme “Sol Sobre Lama”, que contava com atuação da atriz Gesse Gessey. “Foi uma coisa dos deuses, nenhum casamento valeu tanto dentro da alma quanto essa parceria com Pixinguinha”, afirmava o poeta.

De acordo com a historiadora Virgínia de Almeida Bessa, Pixinguinha, assim como muitos músicos populares brasileiros do século 20, criou uma escuta aberta na qual incorporou novas sonoridades oriundas do contexto urbano, da música produzida em outras países – como o jazz – e divulgada por meio do disco e da edição de partituras. “Ao mesmo tempo em que participava, conscientemente ou não, da construção de uma nova ‘tradição musical brasileira’. Foi o que fizeram, nos Estados Unidos, por exemplo, jazzistas como Duke Ellington e Louis Armstrong.

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