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Titãs apresenta clássicos de uma discografia demolidora em show na Capital

Os Titãs são uma banda venenosa, forte e resistente. Seus discos, verdadeiros petardos roqueiros, entraram para a história: “Cabeça Dinossauro”, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”,  “Õ Blésq Blom”, “Titanomaquia” e “Tudo Ao Mesmo Tempo Agora” devem estar em qualquer prateleira de elepês obrigatórios aos tímpanos acostumados a receber “socos na cara daqueles que criticam o rock água-com-açúcar”, como vociferou o crítico musical Alberto Villas, em 1986, numa clássica crítica sobre o ‘Cabeça’.  

Com o revoltado vinil, a banda destilou um veneno capaz de matar as musiquinhas simpáticas lançadas entre 1984 e 1986. Em “Titãs”, o primeiro álbum da carreira, os oito músicos experimentaram o gosto do sucesso ao apostarem em “Sonífera Ilha”. Foi um hit certeiro. Havia nele uma coisa gostosa. Dançante, até. E com “Televisão”,  cuja produção foi assinada por Lulu Santos, era possível perceber em faixas como “Massacre” e “Pavimentação” a necessidade em descer a porrada nos caras que não fazem nada.

Meteram, então, o pé na porta. Simplesmente arrombaram-na com um chute agressivo. Isso aqui é os Titãs?! Nas 13 faixas de ‘Cabeça’, o som sujo, já dando as boas-vindas ao ouvinte na faixa-título e em “AA UU”, não era visto nos anteriores e, como um livro de Karl Marx ou Mikhail Bakunin, o estado, seus mecanismos de repressão e micropoderes transformavam-se no alvo prioritário de Arnaldo Antunes, Branco Mello, Charles Gavin, Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto e Tony Bellotto. O que, sem a menor dúvida, criou um estranhamento, mas nada de antipatia. E, num estalar de dedos, estava na boca do povo.  

Mas por que tanta fúria? Ora, simples: o ano anterior fora conturbado para os oito músicos por causa da prisão por porte de heroína de Arnaldo Antunes e Tony Bellotto. O tempo no xadrez serviu-lhes para pavimentar a raiva contra o sistema e, claro, lapidar esse sentimento até ele virar letra de música. Quem melhor resumiu o espírito do disco foi Arnaldo, numa entrevista à jornalista Rosângela Petta, no Estadão: “É mais invocado esse disco. A gente sempre foi mais agressivo em show, mas os dois primeiros LPs não registram isso.”

O nome disso, meu caro Arnaldo, chama-se punk em estado bruto. Era como se, num país de terceiro mundo recém-liberto de uma emburrecedora ditadura, os caras do The Clash, junto de Sex Pistols ou The Damned, viessem tirar umas férias abaixo da Linha do Equador e, sem a menor cerimônia, fossem apresentados à desigualdade social, ao abismo entre classes e a todo tipo de absurdo próprio de um país como o nosso. E só então se dessem conta que não restava mais nada, apenas fazer um som primitivo e direto ao ponto. 

A grosso modo, como se não soubéssemos, ‘Cabeça’ é isto: primitivo e visceral. Já na abertura, com as primais “Cabeça Dinossauro” e “AA UU”, saca-se essas duas qualidades. Depois disso, o que se sucede é uma sequência de tirar o fôlego, ou criar sensação de revolta generalizada, ao problematizar igreja, polícia, estado, capitalismo, família, rotina e os humanos. A faixa “Bichos Escrotos”, hoje um hino obrigatório dos Titãs que deve estar no repertório do show no Flamboyant In Concert, proporcionou um reconfortante “vão se fuder” que estava preso à garganta após duas décadas de mordaça verde-oliva. 

Para o jornalista Ricardo Alexandre, responsável pelo podcast “Discoteca Básica”, “Cabeça Dinossauro” radicalizou os Titãs e o rock brasileiro dos anos 80, seja com os dilemas internos que permeavam seus membros ou com a prisão dos dois músicos. O episódio esmiúça o contexto da época, reconstrói a gravação do disco, analisa sua importância para o cenário musical, lembra o que os críticos falaram e, como não poderia deixar de ser, o ‘Cabeça’ é simplesmente uma obra-prima capaz de refletir sobre as nuances de um Brasil opressor.

Se com ‘Cabeça’, como afirmou o poeta Paulo Leminski no release distribuído à imprensa, os Titãs demoliram os cinco pilares da ordem social, a polícia, o estado, a igreja, a família e o capitalismo, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” (1987) demoliu as coisas por dentro. “Os Titãs é o que restou do rock, suas letras são o que restou de um país falido, um vice-país, vice-governado, vice-feliz, vice-versa”, analisou o escritor paranaense, que viria a falecer no ano seguinte, em decorrência de cirrose hepática. Depois de “Jesus não Tem Dentes…”, vieram “Õ Blésq Blom”, “Tudo Ao Mesmo Tempo Agora” e “Titanomiaquia”.

E o que têm em comum esses três discos? A musicalidade demolidora. Os Titãs, mesmo na atualidade como um power trio formado por Tony Bellotto, Branco Mello e Sérgio Britto, são lendas do roquenrou brasileiro. É o que esperaremos para o show nesta terça-feira, às 19h30, no Flamboyant In Concert (Deck Parking Sul, piso 1): uma apresentação digna da envergadura roqueira da banda. Junto de Beto Lee (guitarra) e Mário Fabre (bateria), Tony, Branco e Sérgio não precisam de muita coisa para conduzirem uma verdadeira viagem ao rock brasileiro. Apenas suas músicas já são suficientes para isso. Aguardemos.

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