Home / Cultura

Artes visuais

Mário Pirata leva universo neoexpressionista ao Octo Marques

Artista abre exposição ‘Crônicas de um Mondo Bizarro’

Mostra reúne cerca de 45 obras que vão da estética neoexpressionista à pós-moderna - Foto: Secult Goiás/ Divulgação Mostra reúne cerca de 45 obras que vão da estética neoexpressionista à pós-moderna - Foto: Secult Goiás/ Divulgação

Uma sensação parecida com escutar “Marquee Moon” e “See No Evil” toma conta de você. O som bagunça seus tímpanos, os solos experimentais tocados por Tom Verlaine dizem que há algo errado ao nosso redor e as letras - poéticas e inspiradas na tradição simbolista da literatura francesa - são o que de melhor foi feito em matéria de punk rock. Bem-vindo à cidade do medo, aqui “Marquee Moon” é um segredo passado de geração em geração.

As músicas da banda norte-americana Television têm tudo a ver com a exposição “Crônicas de um Monde Bizarro”, individual do artista visual Mário Pirata, que abriu ontem na galeria Sebastião Reis, no Centro Cultural Octo Marques. Não a conhece? Ora, enfie bons fones no ouvido, vá ao Spotify e dê um play na faixa que irá aparecer: “Marque Moon”. É o estado em que se encontra o repórter após observar as obras assinadas por Mario na individual.

Com curadoria assinada pela artista Anna Behatriz, “Crônicas…” coloca em evidência o universo poético neoexpressionista de Mário. Quase sempre, afinal de contas, ele é influenciado pela obra de Defas (1834-1917), sobre o qual, ao contrário do que defendem historiadores, declara ser pós-impressionista. Mas os contemporâneos também lhe fazem a cabeça, como Jenny Saville, cuja obra recebeu elogios da crítica europeia pelos nus femininos que fazem referência a Velázquez e a Emanuel Sousa, mestre do humor, da carne e da tinta.

Há ainda espaço para os brasileiros, como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape, Wesley Duke Lee e Fábio Baroli. Nada de clichês em se tratando de Mário Pirata, está certo? Para ele, pintar envolve muito mais sofrimento do que prazer, diferente daquilo que é preconizado em certos círculos artísticos. O artista encontra sentido no estilo figurativo, razão pela qual passou a retratá-lo em sua pintura, onde esses elementos incorporam uma nova fase.

“Com o tempo, esses novos elementos, tais como signos linguísticos e a figura humana, foram ganhando maior importância, e a pintura gestual passa a se fazer presente de forma sutil, como poderá se observar na exposição”, afirma Anna, fazendo ecoar as próprias palavras de Mário, para quem habitar num mundo com requintes de bizarrices é também atrair sofrimento, mas é - sobretudo - gostar das misturas, sejam elas de cores ou signos.

Estranhamento

Mário Mendes Cavalcante, 54, bacharel em artes plásticas pela UFG, mestre em cultura visual pela FAV da mesma instituição, professor universitário que ministrou aulas nas disciplinas de Estética e História da Arte por lá e Arte, Arquitetura de expressão gráfica, Estética e História da Arte na PUC-GO, falou com DM quando abriu na Cidade de Goiás a mostra de desenhos “Um Olhar Bucólico Sobre o Cotidiano”. Mas, antes de mais nada, é preciso avisar que ali não era Mário. No Octo Marques, é - e em estado puro, cristalino.

Segundo o filósofo Charliston Nascimento, a obra de Mário Pirata costuma provocar estranhamento a um primeiro ou desatento olhar. Os motivos, para tanto, guardam entre si um aspecto que conjuga numa mesma obra um conjunto de elementos narrativos que talvez soem díspares e distantes, sem qualquer tipo de conectividade, e por meio dos quais se sobressaem elementos de figuração cuja plástica remonta às representações em afresco dos trecento e quattrocento italiano e dos muralistas mexicanos da primeira metade do século 20.

Observa-se ainda diálogo com ícones da cultura pop. Mário conta, por exemplo, que muitos lhe perguntaram se Mondo, em vez de mundo, não era uma referência a um disco dos Ramones. Como qualquer fã da sonoridade da banda nova iorquina sabe, entre eles, nota-se um impacto, sem esquecer-se, todavia, do estilo jocoso de dizer as coisas. Jocosidade, aliás, sempre pareceu ao repórter um jeito interessante de se comunicar num “mondo” bizarro.

Só que Mário, como se isso tudo fosse pouco, adiciona mais referências a seu caldeirão artístico. Charliston, o filósofo da arte, diz que o folclore, os cartões postais da terra natal do artista, os elementos geométricos e tipográficos que “por vezes nos parecem remeter ao desenho técnico e noutras aos avanços formalistas das poesias futurista, da vanguarda russa ou o concretismo, sugerindo uma espécie de bricolagem ou colcha de retalhos temáticos”.

“Trata-se de um engano, e antes resultante de uma leitura carregada de pré-concepções, expectaticas e costumes de um observador desatento, do que propriamente algo que diga respeito ao trabalho do artista goiano”, pontua Charliston Nascimento, no texto “Mário Pirata e o Caráter Alegórico da Cultura Pop”. A título de curiosidade, Mário foi contemporâneo do poeta Pio Vargas, morto aos 26 anos após se matar, e conheceu Gilson Cavalcante - “o conheci nos botecos da vida, filosofando e declamando poesia”.

É necessário dizer que a curadoria de "Crônicas de um Mondo Bizarro” passa pelo afeto. Com curadoria assinada por Anna Behatriz, junto de quem mantém amizade de 18 anos, Mário Pirata sacou, ao ver os desenhos e pinturas dispostos na parede, o que representa o ofício curatorial e, mais importante ainda, como trata-se de trampo regido pelo afeto. “Anna foi certeira e muito dedicada, estava certíssimo em minha escolha”, afirma. Estava, meu caro.

Anote aí

Crônicas de um Mondo Bizarro

Mario Pirata

Visitação: até dia 12 de maio de 2023

Horário: 9h às 17h

Local: Galeria Sebastião Reis, Centro Cultural Octo Marques, Parthenon Center

Endereço: Rua 4, entrada pela Rua 7, n° 515, Centro

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias