Home / Economia

ECONOMIA

Real se desvalorizou 50% nos últimos doze meses

Ao atingir o recorde de R$ 4 na última quarta-feira, o dólar se tornou o sintoma mais visível do desequilíbrio político e econômico do Brasil. O real se desvalorizou 50% nos últimos doze meses, ou seja, perdeu metade de seu poder de compra frente à moeda de referência internacional. Na quinta-feira passada, o Banco Central testou uma jogada arriscada e, por alguns dias, foi bem-sucedido. Para o presidente do BC, Alexandre Tombini, e outros especialistas, o que se vê nas últimas semanas no Brasil é o início de um ataque especulativo.

Os ataques especulativos são fenômenos típicos da organização atual dos mercados financeiros internacionais, e acontece quando os agentes, dependendo das condições, podem desconfiar da disposição do Banco Central no sentido de defender a moeda interna, passando os mesmos a testarem tal intenção, tendo em vista a possibilidade de obter lucros, ou até mesmo, evitar prejuízos.

Tombini, avisou que, se necessário, usaria parte dos US$ 370,5 bilhões em reservas internacionais para corrigir o que parecia evidente exagero no mercado de câmbio. Na quinta e sexta-feira da semana passada, a cotação se acomodou abaixo do valor com o efeito psicológico da fala.

O uso da possibilidade de um ataque é muito justificável. Os ataques especulativos não necessitam necessariamente que a economia esteja tomando uma determinada direção. Mas, muito menos que isto, basta que os agentes desconfiem que, diante de uma pressão, as autoridades conduzam a política econômica numa direção que lhes possibilite a obtenção de algum lucro. O que acaba tirando, momentaneamente, a responsabilidade do governo. Por isto, se o país estiver realmente sob fogo, a responsabilidade pela manifestação de ataques especulativos em países como o Brasil não pode ser prontamente atribuída á condução da política econômica interna.

Opiniões

Americano radicado no Rio, James Gulbrandsen, diretor da NCH Capital, avalia que a precificação dos ativos brasileiros está deslocada da realidade e defende que BC faça choque de juros para enviar mensagem a investidores que apostam contra o país. “Se eu fosse o Tombini (presidente do Banco Central), aumentaria a taxa de juros em três pontos percentuais, para 17,25%, de uma só tacada. Seria um movimento temporário que enviaria uma mensagem aos fundos de hedge globais que estão promovendo um ataque especulativo contra o Brasil “ justifica.

Isso se encaixa com a o dito no artigo sobre ataques especulativos, escrito por Carlos Magno e João Gonsalo, de que a melhor forma de evitar uma ação especulativa contra a moeda local, é tomar uma atitude de defesa contra tal atitude, por exemplo, elevando os juros ou reforçando suas reservas com empréstimos contingenciais, não deixando espaço para apostas em sentido negativo. Ou seja, para evitar reversões bruscas nos fluxos de capitais, seria muito mais simples demonstrar aos agentes participantes do mercado que a política em vigor não está sujeita a outros objetivos, eliminando assim qualquer iniciativa que vise testar a determinação governamental de levar adiante os seus preceitos.

Para James, os Fundos de cobertura, tradução do inglês Hedge Fund ( é uma forma de investimento alternativa, de altíssimo risco, com poucas restrições e altamente especulativo ) estão com todos os olhos em cima do Brasil. “Isso significa que os fundos de hedge venderam ações que não possuem, papéis que alugaram com o objetivo de vendê-los, apostando na queda de sua cotação. Quando o valor do papel cai, esses fundos os compram a preço de mercado e devolvem para quem alugou. Assim, eles ganham com a diferença. A precificação dos ativos brasileiros está totalmente deslocada da realidade. Já estamos em um patamar ridículo que não faz o menor sentido” explica.

Especialista em capitais internacionais, Antonio Correa de Lacerda acredita que há "nível substancial" de reservas para conter movimentos especulativos. Tanto por questões externas, desaceleração da China e consequente queda nos preços das matérias-primas que o Brasil exporta, quanto internas com os muitos erros cometidos na economia. O real passa por uma correção que só não ocorreu antes porque o governo "fez de tudo para adiar".

Para Everton Sotto, economista e professor da UFG, em entrevista dada para o Diário da Manhã nessa semana, o Brasil tem capacidade de resistir se estiver sofrendo um ataque “Hoje o país tem plenas condições de evitar um choque especulativo particular“, opina. De acordo com ele, o Brasil nunca sofreria da mesma forma que sofreu com os ataques da década de 90.

“Com segurança, posso dizer que o país é infinitamente mais robusto do que era nos anos 1990. Não é uma exclusividade do Brasil, os países emergentes aprenderam a duras penas que as políticas “sugeridas” pelo FMI não eram o melhor para as suas economias. Lição aprendida pelas crises que enfrentaram. Desde então, abandonaram o câmbio fixo, adotando o câmbio flutuante e a tão criticada política de acumulação de reservas internacionais” explica.

Julio Hegedus Netto, Economista-chefe da Lopes Filho & Associados, não pensa da mesma forma. “A crescente valorização do dólar é um claro sinal de descontrole. Foi um momento de irracionalidade dos agentes, e para muitos, um ataque especulativo. O que realmente ocorreu foi resultante da total perda de credibilidade deste governo, dados os movimentos desastrados na operacionalização da sua política econômica nos últimos anos. Numa queda de braço entre mercado e BC, houve movimentos de fuga para todo lado” disse em um artigo escrito para o Monitor Digital.

Na avaliação da economista Monica Baumgarten de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e diretora da consultoria Galanto/MBB, em Washington, a valorização do dólar é reflexo dos problemas internos e não externos, como o governo tenta justificar. “Esse último movimento do dólar, rompendo a barreira dos R$ 4, mostra claramente que o mercado está testando o Banco Central para ver até quanto ele deixa o câmbio ir”, afirmou.

Na avaliação de Monica, o país está sofrendo um ataque especulativo diferente porque o país tem pouco mais de R$ 370 bilhões em reservas. “Não é igual ao que ocorreu na década de 1990, quando o país não possuía reservas e tinha um problema sério que era o câmbio fixo. Agora, o câmbio é flutuante e o país tem reservas, mas ele precisa tomar cuidado para usá-las”, destacou.

A economista alertou porém, para o fato de que as reservas tendem a ser insuficientes caso o país opte por segurar a cotação da moeda norte-americana por meio da venda direta de reservas. “O problema atual do Brasil está relacionado com a falta de rumo fiscal e político. Se o BC resolver usar parte das reservas para controlar essa desvalorização do câmbio, ele vai fracassar. O mercado está testando o BC até onde ele pode ir”, alertou.

Década de 90

Para conter a inflação de preços, carro chefe da campanha política de Fernando Henrique Cardoso na década de 90 (que concorria a reeleição em fins de 1998), o Real foi mantido artificialmente valorizado em relação às moedas estrangeiras. Assim, os produtos importados competiam com os nacionais e impediam o aumento de preços, mesmo havendo “criação de dinheiro” (governo deficitário depende de criação de dinheiro ou de endividamento para financiar seus gastos).

Para manter a taxa de câmbio do Real valorizada o Governo recomprava os Reais postos em circulação, usando para isto as reservas em moeda estrangeira. A partir de janeiro de 1999, com as reservas internacionais reduzidas a cerca de US$ 30 bilhões, a situação ficou insustentável e o processo de queima de reservas foi descontinuado, fazendo com que o Real sofresse ataque e uma enorme desvalorização (cerca de 70% em dois meses), partindo de câmbio de R$ 1,20 no início de 1999 até chegar a equilíbrio de mercado de cerca R$ 2,00 / dólar em março/1999, e pico de cerca de R$ 4,00 / dólar em 2002.

A dimensão do ataque foi muito clara e não havia dúvida do que estava ocorrendo. O Brasil pode estar passando por isso agora, mesmo que de forma mais amena (a desvalorização da moeda foi de 56% durante o ano inteiro, ou seja, nos últimos 9 meses), o que gera preocupação. Se o Banco Central acredita que está sob ataque, provavelmente irá resistir com as ferramentas que tem. Assim como fez em 99, tabelando o valor do dólar.

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias