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Projeto defendido pelo governo Temer, pode erradicar políticas de incentivos fiscais

Depois de emplacar a mo­mentos reforma da previ­dência – se é que vai mes­mo emplacar – o governo Temer vai se concentrar na reforma tributária. Se depender do relator já escolhido, o deputado federal tucano Luiz Car­los Hauly, toda o sistema arquitetô­nico da tributação, instituído pela Constituição de l988, virá abaixo. Não ficará pedra sobre pedra.

Até aí, morreu Neves, diriam os mais antigos. A porca torce o rabo quando se vê o que o deputado re­lator quer pôr no lugar. O projeto dele ainda não está pronto, mas já se conhece as “principais linhas da proposta”, um texto que ele redigiu e fez publicar na internet, consoli­dando e refinando o que ele já vi­nha dizendo a publicações especia­lizadas, mas de pouca penetração. O que o deputado paranaense quer colocar no lugar reduz os estados brasileiros, já tão carentes de auto­nomia, à condição de meras pro­víncias. Cada vez mais o Brasil ca­minha para ser não uma federação, mas um estado nacional unitário.

O deputado Luiz Carlos Hauly foi escolhido por sua expertise no assunto. Ele já foi secretário da fa­zenda do Estado do Paraná e está na Câmara Federal desde 1991. Tri­butação e finanças públicas são a sua praia. Ele substitui o deputado André Moura, que levando a refor­ma em banho Maria. Ele diz que a proposta de Moura mantém a atual estrutura dos tributos, apontando para uma unificação da tributa­ção sobre o consumo a se efetivar em futuro remoto. “É preciso ousar mais”, brada o novo relator.

É quase consenso no Brasil que a vigente estrutura tributária já não serve ao país. Nossa tributação in­cide basicamente sobre o consu­mo, deixando a renda quase incó­lume. Em termos proporcionais, os mais pobres pagam mais impostos do que os ricos, e isto já virou lugar comum. A alta regressividade a in­cidência prioritariamente sobre o consumo, são perversões do sis­tema que devem ser erradicadas. Um geral clamor o exige.

Mas também ocorre de, por trás das boas intenções oculta­rem-se aquelas intenções diabó­licas, jamais confessadas. Acabar com a chamada “guerra fiscal” sempre foi o sonho dos dirigen­tes dos Estados mais ricos e mais industrializados do país, os Esta­dos do Sul e do Sudoeste. A “Guer­ra fiscal” deslocou o eixo do de­senvolvimento nacional para os estados emergentes, dos quais Goiás se destaca por sua agressi­va política de atração de capitais industriais. A guerra fiscal foi re­centemente julgada legal, e cons­titucional, pelo Supremo Tribu­nal federal. Que se mude, então, a constituição e a guerra estará li­quidada.

É isto que o deputado tucano Luiz Carlos Hauly preten­de fazer. “É por isso que defendo que é preciso ousar mais e defini­tivamente tirar o Brasil desse ema­ranhado de tributos sobre o con­sumo com não cumulatividade incompleta, guerra fiscal entre os entes federados e tributação sobre a renda profundamente regressi­va, e nos alinhar com os modelos de tributação existentes no resto do mundo desenvolvido”, afirma ele em seu texto. O deputado tem em mente os sistemas europeus, a maioria aplicáveis a estados unitá­rios, o que não é o caso brasileiro.

Diz o deputado: “Outra carac­terística de nosso sistema tribu­tário que o difere daqueles dos países desenvolvidos é a grande concentração da arrecadação na tributação sobre o consumo em detrimento da arrecadação sobre a renda, o que termina por onerar mais gravosamente os pobres, já que estes são obrigados a aplicar a maior parte de seus rendimen­tos na aquisição de bens materiais e serviços”. Mais uma vez, o apelo aos pobres, para que se mobilizem em favor dos ricos.

A RECEITA DO BOLO

Enquanto, na média os países europeus recebem 37% de suas receitas da tributação da renda e 25% da do consumo, no Brasil, a tributação sobre bens e serviços responde por 51% da carga tribu­tária, enquanto a sobre a renda re­presenta somente 18%. ‘É por isso que pretendemos deslocar par­te da tributação sobre o consumo para a renda”, informa o deputado.

A outra linha mestra reforma de Hauly consiste em “garantir que os entes federados partilhem suas arrecadações, fazendo com que todos se comportem como sócios, e não como inquilinos, do sucesso de nossa economia. Pen­so que uma das razões das refor­mas anteriores terem falhado foi por se concentrarem sobremanei­ra na partilha dos tributos, e não na construção de um sistema econo­micamente simples e eficiente”.

Até aqui, o deputado nada a favor da corrente de pensamen­to dominante. Todos os estudio­sos do sistema tributário brasileiro afirmam isto, e aí estão as estatís­ticas para comprovar a correção dessas proposições. A questão, no entanto, está no que fazer, no como fazer. Aqui a racionalidade tecno­crática empaca diante dos interes­ses políticos, legítimos, diga-se, da cada região brasileira. É justo pe­dir a Goiás, por exemplo, que re­nuncie à sua política de industria­lização via incentivos fiscais para maior glória da bela e racional ar­quitetura tributária proposta pelo deputado paranaense? Os esta­dos poderão perder arrecadação, e muitos trabalhadores ficarão sem emprego se a guerra fiscal for en­cerrada. Os estados ricos ficarão mais ricos e os que tentam se livrar da pobreza ficarão mais pobres.

Pelo projeto do deputado, a União continuará com os tributos sobre o comércio exterior (Impos­tos de Importação e Exportação), com o Imposto de Renda, com as contribuições previdenciárias e com tributos regulatórios (CIDE). O IPI será incorporado ao Imposto sobre Valor Agregado – IVA, novida­de que o deputado está apresentan­do, e o ITR passará para a compe­tência dos Municípios. O IOF será possivelmente extinto, pois o de­putado entende que possui função mais arrendatória que regulatória. Mas isso será objeto de maiores re­flexões por parte do deputado.

O deputado não pretende, em princípio, propor o Imposto sobre Grandes Fortunas, a não ser que se chegue ao consenso de trazer o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCD para a esfe­ra federal. Quanto às contribuições sociais, a CSLL será incorporada ao Imposto de Renda, e o Pis, ao IVA. Ao menos por enquanto, não have­rá alterações nas contribuições ao Salário-educação e ao Sistema “S”.

Para reduzir a contribuição pre­videnciária sobre a folha de salários, o relator diz que será criada uma contribuição sobre movimentação financeira. Ele, que já foi contra o retorno da CPMF com mera fun­ção arrecadatória, diz que hoje “ela pode ter uma função importante na redução da carga tributária sobre a folha, reduzindo os custos de con­tratação”. Além disso, a contribui­ção sobre movimentação financei­ra obrigará todos a arcarem com a Previdência, mesmo aqueles que gozam de isenção ou imunidade.

OS IMPOSTOS E OS ESTADOS

Quanto ao Imposto de Renda, diz o deputado que não será sufi­ciente promover alterações apenas no texto constitucional, sendo tam­bém necessária a apresentação de projeto de lei que o regule. Como se pretende deslocar parte da carga tri­butária da tributação do consumo para a da renda, não será possível simplesmente o aumento de alí­quotas, mas sim uma reformulação total do sistema, buscando-se alcan­çar bases antes pouco exploradas. “Além disso” destaca o relator, “de­ve-se garantir sua efetiva progres­sividade, de modo a taxar, de fato, mais gravosamente os ricos.

As competências dos Estados e do DF serão profundamente alte­radas pelo projeto do deputado pa­ranaense. O ICMS será incorpora­do ao IVA; o IPVA passará para a competência dos Municípios; e o ITCMD passará para a competência dos Municípios ou da União.

Os Estado passarão a contar com o Imposto sobre Valor Agre­gado, que absorverá os atuais ICMS, IPI, PIS, COFINS e ISS, e será regulado por lei federal, com arrecadação centralizada e fiscali­zação pelos Estados e pelo Distrito Federal (pelo Superfisco Estadual, como se verá adiante).Esse impos­to não será cumulativo, com con­cessão de crédito financeiro co­brado “por fora” (sem incidência de imposto sobre imposto), com arrecadação integral para o Esta­do de destino, e não onerará bens do ativo fixo nem produtos expor­tados. Terá alíquotas mais baixas para medicamentos e alimentos.

Para trazer a alíquota do IVA para valores compatíveis com a média dos países desenvolvidos, o relator também criou um “Im­posto Seletivo monofásico sobre alguns produtos, como petróleo, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, energia elétrica, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, aparelhos eletroeletrônicos e ele­trodomésticos, veículos automoto­res, supérfluos, telecomunicações, e qualquer outro produto ou servi­ço indicado em lei complementar.

“Esse tributo também será re­gulado por lei federal”, informa o deputado, “com arrecadação cen­tralizada e fiscalização pelos Esta­dos e pelo Distrito Federal. “Ainda é necessário ponderar se o

Imposto Seletivo será o único tributo a incidir sobre esses produ­tos, ou se incidirá em conjunto com o IVA”, diz o deputado, insinuando que o princípio “non bis in idem” poderá ser revogado.

Os Municípios perderão o ISS, que será incorporado ao IVA. Em compensação, receberão a o direi­to de cobrar o IPVA e o ITR, mas sem competência para legislar so­bre tais tributos, que serão regu­lados em lei federal. Quanto ao ITCD, a ideia original é também entregá-lo aos Municípios, tam­bém regulado por lei federal, con­centrando a tributação do patri­mônio na esfera local. “Contudo, também considero a possibilidade de elevá-lo à esfera federal, como um significativo imposto sobre o patrimônio, em substituição ao Imposto sobre Grandes Fortunas, como é feito nos Estados Unidos”, informa. “Isso porque os grandes patrimônios estão normalmente espalhados por diversos Municí­pios, sendo mais consistente one­rá-los com um tributo de alcance nacional, além de a Receita Fe­deral estar melhor equipada para uma fiscalização dessa nature­za, em conjunto com o Imposto de Renda. Nossa reforma tam­bém trará dispositivos que proi­birão que os Prefeitos conce­dam isenções indiscriminadas em seus tributos, em detrimen­to das finanças municipais”.

SUPERFISCO

Mas a grande novidade des­te projeto de reforma e a criação do que o deputado chama de “Superfisco”. As secretarias es­taduais de fazenda ficarão, vir­tualmente esvaziadas. “Para ar­recadar os novos IVA e Imposto Seletivo, entendo ser importan­te a criação de um novo órgão, que agregará todos os Fiscos Es­taduais, e será de competência conjunta dos Estados e do Dis­trito Federal”. Diz ele.

Explica o deputado que tal órgão será dirigido por um Secre­tário Nacional, contará com Su­perintendentes em cada unidade federada (ou possivelmente em re­giões que agreguem alguns Esta­dos), e terá estruturas de carreira e remuneratória unificadas. Além disso, será pautado pelos princí­pios da unidade, indivisibilidade e independência funcional.

Já a Receita Federal se concen­trará na fiscalização e arrecada­ção do novo Imposto de Renda, das contribuições previdenciárias dos empregadores e dos emprega­dos, da contribuição sobre movi­mentação financeira, e dos tribu­tos aduaneiros e regulatórios.

Visto que o que se pretende é ra­cionalizar o sistema tributário, pode parecer uma insânia a criação des­te superfisco, uma repartição fede­ral jurisdicionado pelo Ministério da Fazenda com função sobrepos­ta à da Receita Federal. Não seria mais consentâneo com os ditames da economicidade um órgão só para arrecadar e fiscalizar tributos? Sim. Mas a razão política sempre fala mais alto do que a razão técnica.

Embora evite abordar com cla­reza o tema, fica evidente que o projeto de reforma quer mesmo acabar com a “Guerra fiscal”. Para atingir estre objetivo, nada melhor do que privar os Estados do poder de arrecadar e fiscalizar seus pró­prios tributos, e sobre eles legislar. Os estados e os municípios ficarão sob tutela da União em matéria tri­butária. Sendo que os estados sulis­tas possuem as maiores bancadas parlamentares, fica patente que a reforma tributária está sendo cor­tada, com precisão de alfaiate, para priorizar os interesses de São Pau­lo, Minas Gerais, Paraná, etc. Em detrimento dos estados do centro oeste, do Nordeste e da Amazônia. O pirão deles primeiro.

Como todo bom discurso de do­minação, o projeto do deputado pa­ranaense vem embrulhado em bela retórica. Os prejudicados devem se convencer de que levar prejuízo é bom. “Como já esclarecido, preten­demos garantir que os Entes Fede­rados sejam sócios do sucesso do país, exigindo que todos compar­tilhem do resultado de suas arreca­dações. Assim, evita-se que se con­centre a arrecadação em tributos não partilháveis, como foi feito pela União com as contribuições sociais”, argumenta o deputado relator.

“Nesse sentido” prossegue, “ga­rantiremos que Estados, DF e Mu­nicípios recebam uma parte do Im­posto de Renda, bem como que a União e os Municípios tenham di­reito a um quinhão do IVA e do Im­posto Seletivo”. Estados e municí­pios vão perder receitas? Parece que sim. Mas o deputado doura a pílula. “De qualquer modo, para se evitar as desconfianças naturais com uma mudança tão profunda, nos primei­ros anos após a reforma se garanti­rá que cada ente federado mante­nha o quinhão de sua arrecadação nos mesmos moldes dos anos an­teriores, evitando-se perdas com o novo modelo. Para isso, calculare­mos a participação de cada Muni­cípio, Estado e União na arrecada­ção dos últimos anos dos tributos que estão sendo alterados, e garan­tiremos que esse mesmo percentual lhes seja entregue com base na ar­recadação dos novos tributos. Ela­boraremos uma regra de transição que, em alguns anos, transfira essa partilha com base nas arrecadações anteriores para o novo modelo”.

O que se conclui de tudo isso? O novo regime fiscal barrando inves­timentos em grandes obras estrutu­rais. A reforma trabalhista está pre­carizando as condições de trabalho e quebrando a crista do sindicalis­mo. A reforma da previdência cujo efeito básico será prejudicar o tra­balhador. E agora uma reforma tri­butária que na certa vai proibir os estados de fazer política desenvol­vimentista. A que leva tudo isso? É a mão invisível do mercado finan­ceiro desviando para o rentismo o produto do labor dos brasileiros. E não se ouve um só bater de panelas!

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