A tendência dos dias nas cidades é o caos, só que absolutamente programado para que as pessoas cumpram suas funções sociais. Almoçando quase em pé, correndo para o ponto de ônibus ou terminais, a espera ansiosa e a ociosidade vazia da espera. Não se trata de ócio criativo, o ônibus demora e vem lotado e é nisso que a gente pensa, ônibus e lotação. Para todos os lados que você olha a correria das funções cotidianas é cinza, exceto pelas embalagens coloridas que os ambulantes vendem nos terminais.
Cerca de 250 mil pessoas atravessam a cidade nos ônibus articulados do Eixo Anhanguera. Você sabe o que esperar dessas viagens, cinco paçocas a um real, vez ou outra algum religioso falando sobre a salvação do sofrimento terreno. Como disse Carlos Drummond de Andrade: “Pernas brancas, pretas, amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada”, a viagem é sempre cheia de pernas, aperto e os olhos não perguntam nada no automatismo do cotidiano. Se nessa programação surge uma intervenção artística está implantada uma dose de surrealidade aos dias de labuta.
Para quebrar o cinza, acalentar as esperas e permear a arte pela cidade, neste domingo, 3 de dezembro, o fotógrafo Wagner Araújo inaugurou a exposição Céu de Anil, que leva 50 fotografias aos terminais Padre Pelágio e Praça da Bíblia, até o dia 3 de fevereiro do próximo ano. As imagens penduradas nos tetos dos terminais refletem a riqueza cultural do povo brasileiro, e goiano em particular, e reforçam nosso pertencimento a esta cultura e também nossa ancestralidade. A curadoria é de Diógenes Moura, ex-curador da Pinacoteca de São Paulo. Entre as imagens, que têm um olhar artístico mais do que documental, estão registros das Congadas e Cavalhadas, retratos dos índios kayapó e krahô e muito mais.
Wagner Araújo representa em suas fotografias as matrizes culturais formadoras das culturas brasileiras. “As fotos são sobre cultura e religiosidade também. Rituais narrativos indígenas, a influência do colonizador nas cavalhadas, por exemplo, as manifestações de matriz africana como o culto a Iemanjá e as Congadas. Aqui em Goiânia e Catalão acontecem Congadas e pouca gente sabe, é um culto negro a Nossa Senhora do Rosário. A minha ideia é seguir enaltecendo a grandeza do povo”, explica o fotógrafo.
Parte das fotos é colorida e parte em preto e branco, Wagner fala sobre a potencialidade da falta de cores nos retratos: “Existe uma abstração no preto e branco a respeito das diferenças de cor da pele. Ainda existe um racismo ridículo, algumas pessoas ainda não se aceitam como diferentes, o preto e branco deixa as pessoas mais humanas.”
O fotógrafo fala sobre o objetivo de espalhar arte pelos terminais e outros espaços públicos de grande fluxo: “A urbanidade é um contraposto da violência. Escolhi os terminais porque são milhares de pessoas, é um volume imenso. A maioria delas não tem acesso ou tempo, de certa forma estão à margem do que é uma contemplação artística. Uma moça que trabalha no terminal me falou que com esse trabalho eu poderia dar um pouco de conforto pra essa massa sofrida. Esse é o objetivo, um alento, para que o povo se veja e entenda o quanto somos um povo bonito, isso é uma riqueza.”
Esta é a proposta do Céu de Anil, projeto do fotógrafo e produtor cultural Wagner Araújo, que vem modificando a maneira como o goianiense lida e consome fotografia, elevando a oitava arte a um patamar diferenciado, ainda que os holofotes sejam os faróis das ruas ou dos ônibus.
PERTENCIMENTO E ANCESTRALIDADE
As 50 fotografias foram feitas por Wagner Araújo entre os anos de 2005 e 2016 numa série que aborda as profundas manifestações de arte e religiosidade goianas e brasileiras a partir de uma visão poética e não apenas documental. As imagens revelam a miscigenação e pluralidade do povo brasileiro, suas manifestações culturais, e propõem uma reflexão sobre nossa ancestralidade, uma série que busca resposta para questões definitivas: De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?.
“Num momento em que o Brasil está à beira, nada mais precioso do que poder observar a nossa matéria, corpo e alma, lutando para preservar o que temos de mais significativo: as nossas manifestações culturais, públicas, espelho de um povo brasileiro e goiano que não tem medo de se ver refletido no espelho da existência, da memória”, ressalta Diógenes Moura, que recentemente realizou a curadoria do Goyazes Festival de Fotografia, em Goiânia.
Moura explica que Céu de Anil, por meio das imagens de Wagner Araújo, sugere um instante de reflexão no trânsito dos terminais rodoviários, justamente no fluxo do dia a dia, onde cada um dos transeuntes que por ali passa, para e segue adiante tem a possibilidade de olhar para si mesmo e rever o que lhes pertence: a Cavalhada em Pirenópolis, as Congadas em Goiânia e Catalão, os retratos dos índios kayapó, krahô e outros nos encontros decultura na aldeia Multiétnica em São Jorge e Alto do Paraíso, a louvação a Yemanjá, lá mais adiante, na Baía de Todos os Santos, na praia do Rio Vermelho, em Salvador, na Bahia.
“Porque o que é nosso, nos pertence, não se apaga, não se lastima. Pertence porque trata da nossa história. Pertence ao nosso corpo, ao conflito permanente entre dor e prazer que temos que enfrentar diariamente. Aqui está o Céu de Anil. Eis a nossa liberdade para existir, cantar, dançar, entrar em transe, e gritar, cada vez mais. Simplesmente porque somos vencedores”, ressalta o curador, enfático. Céu de Anil foi contemplado pelo Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás 2016, do Governo do Estado de Goiás por meio da Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), e fica em cartaz até 3 de fevereiro.
EXPOSIÇÃO CÉU DE ANIL
De 3/12/17 a 3/02/18
Terminais Praça da Bíblia e Padre Pelágio
Fotógrafo Wagner Araújo
Curador Diógenes Moura
Representação do povo indígena como