Quando uma banda está com as antenas ligadas para todas as experiências que vive e ainda usa a tecnologia de forma facilitadora da arte, de qualquer encontro, viagem ou conversa pode nascer criações. E foi isso o que aconteceu com os goianos–mais internacionais de nossa cena–da Boogarins. Além de tocar na terceira edição do No Ar Coquetel Molov, que aconteceu entre os dias 26 e 27 de outubro, em Belo Jardim (PE), como parte da programação do evento, ministraram uma oficina de dois dias, no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) de onde nasceram três músicas.
No festival, realizado no município localizado no agreste pernambucano, na região da Vale do Ipojuca, tocaram ainda nomes relevantes da música brasileira, a exemplo de Siba, Catarina dee Jah, A dOBRA, Gabi da Pele Preta, Pierre Tenório e o rapper Luiz Lins. Além dos shows, o evento contou com mostra de cinema e oficinas. E foi em uma destas atividades destinadas à formação e profissionalização de músicos locais que a Boogarins participou de uma imersão produtiva com o público do festival.
Fãs de música de cidades vizinhas, artistas da cena local, além de, claro, alunos da IFPE participaram da oficina de forma gratuita, e acabaram por firmar parceria com uma das bandas mais experimentais e criativas do Brasil, que nasceu em 2012 e já tocou em grandes festivais do Brasil e do mundo, a exemplo do: Rock in Rio Brasil e Lisboa, Primavera Sound, Porão do Rock, Bananada, Lollapalooza e South by Southwest.
A parceria entre banda e alunos aconteceu naturalmente. Já, que o maior foco da imersão era mostrar que o processo musical, com o avanço da tecnologia, pode nascer em qualquer lugar, até em casa. Para mostrar isso, em conjunto durante o encontro nasceram e foram gravadas canções originais num processo captado totalmente por celular.
Essa, aliás, foi técnica usada no último álbum da Boogarins “Lá vem a Morte”, que tem várias faixas, vocais e samples gravados através de um iPhone. Além banda contextualizou o processo dos seus outros dois trabalhos: “As Plantas que Curam” (2013), “Manual” (2015), que também utilizaram-se deste, digamos, processo artesanal de composição. Assim, ao final da oficina foram produzidas três músicas, ainda sem títulos, que foram captadas e editadas por Benke Ferraz, guitarrista da banda goiana, junto com os participantes.
A primeira faixa mostra a diversidade que a música feita em colaboração pode tomar, pois começa com um solo do baterista da Boogarins de Ynaiã Benthroldo, e em seguida ganha ares de "dub" com a linha de baixo gravada por Raphael Vaz. Já, a melodia vocal foi improvisada por Fernando Almeida, o Dinho, vocalista e letrista de grande parte das canções do grupo goiano. E, a participação local ficou por conta de Pierre Tenório, artista que também se apresentou no palco do festival e deu à faixa toques do pop e R&B americano.
As outras canções contaram com maior interferência dos participantes, como guitarras de Gleidson Lamartine e percussão de Heligeisson Feitosa (ambos subiram ao palco do festival com Pierre Tenório) na segunda faixa, que foi cantada por Ana Cordeiro. A poesia de David Henrique, vocalista do Virgulados, e a bateria de Hannah Carvalho do selo recifense PWR, deram uma cara mais rock pra faixa mais agressiva da imersão.
ARTESANIA MUSICAL
David Henrique "Birigui", da banda Virgulados, uma das bandas da cidade a movimentar a cena de Belo Jardim, ficou radiante, com a experiência, que até batizou informalmente, como “Oficina de Artesania Musical”: "Dei este apelido pelo fator orgânico de como as músicas foram captadas, recicladas e reinventadas a partir de coisas simples. Foi uma experiência incrível e necessária para quem produz música" segundo ele pelo", refletiu o vocalista.
"Birigui" também achou libertador, a técnica de utilizar-se do smartphone, não apenas na divulgação de um trabalho, como na própria produção. "Achamos massa essa autonomia de não ter que depender da disponibilidade de um estúdio pra gravar, além de ter o domínio da estética da música através da mixagem. Por essas e muitas razões gravar em casa é massa. E já estamos gravando", completa o músico Birigui.".
Benke, que fez parte ainda da comissão julgadora da seletiva que o Festival No Ar Coquetel Molotov promove para a inclusão de artistas e bandas do agreste na sua programação, é um defensor ávido desta autonomia que a tecnologia pode proporcionar ao músico.
"Praticamente todo compositor já se viu nesse dilema: depois de ficar muito tempo maturando e lapidando sua música, chega em um ambiente novo que não domina, com tempo limitado e tendo como única ponte entre a própria arte e o registro eterno dela uma pessoa que pode não ser a mais indicada para aquela música ou até mesmo, o que é muito comum, está lá só pra fazer bater ponto e não para colaborar artisticamente. Por isso achamos interessante contar essa história de como nosso som e estética foi baseada num lance totalmente caseiro e espontâneo”, compartilha Benke.
Vale lembrar que as canções podem ser conferidas na plataforma on-line de publicação de áudio SoundCloud.