Ainda pouco conhecida, é impossível passar incólume à sua obra. Nela, convida o expectador a criar narrativas, sejam elas quais forem, a partir de uma arte expressionista, voltada ao indivíduo e suas marca
Das conversas que geralmente apontam os nomes para esta coluna, uma em especial nos trouxe uma revelação interessante recentemente. Pois, após anos tentando ressaltar a arte goiana, acredito que nunca citamos o nome desta artista que colore a edição de hoje – o que veremos a seguir ter sido um grave equívoco. Conhecemos esta pintora e escultora – que nasceu em Turvânia, mas hoje mora em Trindade – , através do contato com o também artista plástico e presidente da Associação Goiana dos Artistas Visuais (AGAV), Nonattto Coelho. Quando pedimos a indicação de um nome que pudesse figurar esta página hoje, ele parece nem ter pensado antes de exclamar: Lú Valverdi!
É verdade que a conversa com o artista plástico aconteceu nas redes sociais. Mas, mesmo assim, ficou claro sua empolgação ao indicar essa “criadora tímida, que não sabe a força que tem”. “Rariana, a técnica dessa menina e a rica inabilidade com as cores, trazem um trabalho mais espiritual do que a imagem propriamente dita. Os olhos de suas imagens humanas são espíritos à deriva em um corpo sempre frágil. Essa insegurança com a pincelada deixa a intuição vir à tona e isso faz dela uma pintora intrigante”, disse o Nonatto.
O presidente da AGAV, em seguida mostrou suas obras e, realmente tudo que ele disse estava ali. Na pintura, ficou explícito que Lú Valverdi possui o dom de narrar histórias de indivíduos comuns de forma muito peculiar, ressaltando seu mundo interior de forma bem espiritual mesmo. Nas esculturas – sua primeira paixão – é sempre criativa e atenta, aproveitando-se do que encontra e vê na natureza.
Bem, após a descoberta, logo convidamos Valverdi para uma conversa, e, assim, outras características deste talento genuinamente bruto foram se descortinando. Ela revelou-se ainda mais interessante na arte de expressar o que faz e, soltando frase como: “‘roubo’ emoções alheias para criar”.
Mesmo com a aparente insegurança, ela se mostrou muito consciente do que faz. “Eu não crio nada aleatório, sem alma. Tudo tem uma história. Eu nunca me ponho diante uma tela em branco sem saber o que fazer. Sempre já está tudo pronto na minha mente. É como uma gravidez. Tudo se forma dentro de mim. Pintar é parir”, comparou.
TRAJETÓRIA
Apesar produzir uma arte da qual nunca se poderá passar incólume, Valverdi contou que começou a criar relativamente tarde, aos 31 anos (hoje ela tem 52 anos). Foi após um período difícil, que a artista prefere definir apenas como de “desconstruções”, que se descobriu escultora. Neste início, tomou para si a imagem da fênix – pássaro mitológico que renasce das cinzas – e conseguiu até driblar a timidez para se inscrever um trabalho seu no Salão de Arte realizado pela extinta Galeria de Arte da Fundação Jaime Câmara.
“Foi uma grande aventura da minha parte. Pois, naquele tempo não tinha a menor informação sobre arte. Entrei no concurso apenas para saber como seria a experiência. E para minha surpresa, fui selecionada. Fiquei muito feliz na época. Depois, em 2000, fui convidada pela mesma galeria para participar da exposição “Cinquenta Mulheres Artistas Plásticas de Goiás”, com artistas do calibre de Goiandira do Couto e Lourdes de Deus”, relembra.
Porém, com a carreira decolando, ela se deparou com mais momentos de dificuldades. Passou por divórcio, mudança de cidade e de trabalho. A boa notícia é que o sofrimento não a afastou da arte, apesar de modificá-la. Foi neste que descobriu uma outra linguagem de expressão: a pintura. “Pintava meio enlouquecida. Odiava o que eu pintava. Destruía quase tudo que eu fazia. Eu não conseguia me expressar como eu queria. Pensava que tinha que observar mais. Olhar mais para dentro de mim. Olhar mais para fora também”, recorda.
Aos poucos foi se sentindo confortável com as pinturas e em 2014, em outro momento de bravura, entrou em contato com Nonatto Coelho, que a ajudou a voltar ao mundo das exposições. “Apresentei alguns trabalhos meus e então ele me convidou para fazer parte da AGAV. Foi muito bom! Participei de uma exposição na Galeria Ivone Vaccaro e outra no Palácio Pedro Ludovico”, celebra a artista que ano passado fez as primeiras exposições individuais: no Cineteatro Afipe e também na Casa de Cultura de Trindade.
A SEGUIR LÚ VALVERDE CONTA UM POUCO SUA HISTÓRIA ARTÍSTICA
O COMEÇO
Descobri a poesia de fazer arte quando deixei Goiânia e me mudei para o campo. No começo, não havia muito o que fazer num lugar tão calmo e lúdico. Por isso eu gostava de caminhar nos pastos e estradas. Comecei a recolher raízes secas, galhos retorcidos, tocos queimados...Tudo que eu encontrava pelo caminho eu guardava com muito zelo. Até então, não sabia porque os queria, apenas precisava ter aquilo que um dia foi uma árvore frondosa e cheia de vida – até hoje dou preferência em esculpir madeiras velhas ou podres e com sua própria história. Num dia qualquer eu reconheci, numa raiz de jabuticabeira que havia morrido no pomar do quintal, um pássaro no emaranhado de raízes. Nesse dia eu descobri porquê eu guardei tudo que encontrava pelo caminho. Imediatamente enxerguei castelos, rostos, animais, uma infinidade de formas e, era tudo meu. Um mundo completo. Estava tudo lá, tudo pronto. Precisava só tirar excessos. A pintura chegou depois. Quando senti a necessidade de me expressar mais, agregando outros olhares e outros sentimentos.
ESTILO
Até hoje, quando vou esculpir, eu trabalho em cima do que a madeira me diz. Para mim, sempre será assim, respeito ao que a madeira me dá. Como minha arte é expressionista, eu começo com a desconstrução do que desejo fazer. Reviro o caos e, como uma Fênix, eu realizo o meu desejo. Uso muitas cores misturadas e trabalho com elas. Uso até os dedos para pintar. Há muitos artistas que me inspiram. Em especial Vincent Van Gogh.
GESTAÇÃO
Eu sou muito observadora e isso me ajuda muito. Quase nada passa despercebido por mim. O presente, o passado e minhas memórias me inspiram. As pessoas e seus dramas também. Observo a expressão facial, os olhos me fascinam. Eu memorizo as expressões. “Roubo” emoções alheias e transformo em arte. Eu não crio nada aleatório, sem alma. Tudo tem uma história. Eu nunca me ponho diante uma tela em branco sem saber o que fazer. Sempre já está tudo pronto na minha mente. É como uma gravidez. Tudo se forma dentro de mim. Pintar é parir.
PRIORIZA A DOR
Uma pessoa carrega suas emoções e não é difícil ver seu interior através dos olhos. Tanto a emoção boa ou os sentimentos ruins explodem nos olhos, nos poros, no cheiro. Um princípio que uso quando começo um trabalho é sentir a emoção, o cheiro do meu personagem, do lugar. Às vezes choro com a dor do personagem. Sinto. Tudo o que faço é com sentimento. Ainda não descobri porquê priorizo a dor. Não busco essa resposta. Não se pode explicar a origem de certas coisas. No fundo, no fundo, o poeta, o pintor, o escultor, o escritor precisam guardar seus sentimentos mais íntimos. Afinal, é isso que o faz serem o que são.
EXPRESSIVIDADE
Eu conto histórias. Amo fazer isso. Amo ouvir as interpretações alheias sobre minha arte. Gosto de saber que somente eu conheço os fragmentos de um livro de duzentas e oitenta folhas que eu coloquei ali na pintura. Eu tenho uma relação muito íntima com minha arte. Ela me faz um ser humano melhor, me acalma, me faz rir me faz chorar, me leva para onde eu não posso ir, me faz viajar, e isso é maravilhoso, pois me faz sentir que sou uma artista caminhando, estudando e aprendendo. Eu sempre fiz arte para mim. Preciso respirar, preciso fazer arte. Isso é o que anda comigo. É o meu amor que demorou chegar, mas chegou. Trabalho a expressão porque, se não há expressão não há vida na arte.
PRETENSÕES
Não vivo da arte. não consigo muito falar sobre minhas pretensões, porque é difícil falar sobre expectativas. Eu preciso fazer arte. É uma coisa mais forte que eu. Ainda não sei bem o que eu busco com a minha arte, pois sou uma pessoa muito introspectiva e calada. Então uso tudo isso ao meu favor, e fico feliz com o resultado. Gosto de ter a arte à minha frente, ela é o meu refúgio, o meu apoio e escudo.