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ENTRETENIMENTO

A gastronomia posta à mesa entre versos e cores, caçarolas e paladar

E m sua grande maioria os en­contros literários são pauta­dos pelo toque mágico da culinária entre discursos de profis­sionais mesclados a incontáveis e tantos outros papos mais informais que discutem o forno e alcançam a mesa, não sem antes transcorrer entre o prazer e a rima. Esse ritual dá-se em todo o mundo.

Muito já foi dito sobre a gastro­nomia ser uma arte do paladar em forma de amor e poesia. Mescla­dos, viram estes dois conceitos li­gados intimamente ao coração e ao desejo que satisfaz a gula da alma e finalizam-se em forma de prato e prazer determinados pelo sabor. E nada faz esta retórica mais ver­dadeira que alguns nomes histó­ricos de importantes personagens que imortalizaram esse idílio ine­vitável, verdadeiro entrelaçamen­to de ingredientes e palavras, mé­tricas e aromas complexos ou não.

GASTRONOMIA INTELECTUAL

Nos versos da “Oração do Mi­lho”, a poetisa mais doce de Goiás, meiga e eterna Cora Coralina fala com o coração da simplicidade que é transformar-se no milagre da vida na morte, ou seja, de fazer da semen­te alimento e saciar a fome do ser hu­mano: “Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres. Meu grão, perdido por aca­so, nasce e cresce na terra descuida­da.” Em “Ode ao Vinho”, o imortal e Nobel de Literatura, Pablo Neruda, morto em 1973, denota à bebida as cores dos mais preciosos metais, as­sim como o vinho, extraídos da Ter­ra, quando escreve e finaliza seus versos na imponência de uma ferra­menta de luta, vitórias e derrotas tra­vadas a sangue cor do precioso líqui­do de Baco: “ Vinho cor do dia, vinho cor da noite, vinho com pés púrpu­ra, o sangue de topázio, vinho, estre­lado filho da Terra, Vinho liso como uma espada de ouro”.

Já a poeta americana Emily Dic­kinson, considerada moderna, ain­da no século XIX, nunca se cansou em afirmar que, para ela, a cozinha sempre foi um espaço de inspira­ção e interação criativas, e, certa vez, neste mesmo espaço escreveu um de seus poemas que foi acidental­mente adicionado ao rótulo de mais uma de suas receitas de bolo de coco a qual se tornou famosa no mundo por duas culpas benignas, ou seja, o nome e o sabor do bolo da autora e poetisa gastrônoma.

Brasileiríssimo, Vinícius de Mo­raes entregava-se à arte das panelas com a mesma paixão destinada aos versos que fizeram bater corações. O poetinha era dono do segredo em fa­zer um frango, único, embebido na cerveja e escondia detalhes da sua fórmula, especial, em cozinhar com prazer para os mais íntimos, como, por exemplo, as famosas fritas sequi­nhas. É ele o autor da descontraída “Feijoada à minha moda”, onde brin­ca com as palavras enquanto aguar­da para saciar o paladar: “Enquan­to nós, a dar uns toques no que não no seja a contento, vigiaremos o co­zimento, tomando o nosso uísque on the rocks” e ainda a carioquíssi­ma: “Não comerei alface verde pé­tala”, onde reafirma sua brasilidade: “Não nasci ruminante como os bois, nem como os coelhos, roedor; nasci omnívoro: deem-me feijão com ar­roz”. Segundo o filósofo Cícero: “O prazer dos banquetes não está na abundância dos pratos, mas na reu­nião dos amigos e o que advém des­ta conversação.”

Quando embarco na viagem do champanhe que lava uma taça en­riquecida com gelo mineral, tenho a impressão que essas taças, aponta­das para os céus e o infinito, denun­ciam pedidos, anunciam mais que cem desejos. E para que o momen­to do amor possa alcançar sua eter­nidade, um banho nos sentimentos lavado a emoções infinitas tatuadas no ego com a cor de um bom vinho.

Se sou poeta, como me afirmam alguns leitores de Prazeres à Mesa, talvez seja pela simples audácia de jorrar a identidade com alguma sen­sualidade influenciada pelo ritual e poder em transformar tudo o que é bom em bom de comer, além de be­ber da solicitude da alma que con­vida a beber na fonte da magia, da inspiração com transpiração, na ou­sadia pisada no caminho do roman­ce simples que é a ato de viver.

Ao produzir meu livro Emoções, fiz questão de trazer o subconscien­te à tona do mundo dos normais, ou seja, dar sentido com prazer ao prazer sem sentido nem cobrança alguma, banhado em vinho e suor, bebido, transpirando feito alimen­to perene levado ao fogo de lenha: “O vinho desperta o amor no dese­jo do quarto, de gritar: – Faça-me sua, rasgue minha roupa enquan­to bebe da minha boca e do meu vinho, sufoque-me no seu abraço, descubra-me inteira, e, perca-me em seu caminho.”

GASTRONOMIA SENSORIAL

Com o fascínio atiçado pela cozi­nha sensorial, que desperta as mais nobres sensações de desejos e tam­bém prazer, aprendi com a percep­ção sensorial, aliada ao entendi­mento daquilo que venha a ser o sabor verdadeira trama dos senti­dos cuja relevância denota ao con­ceito da cozinha carente de aten­ção, tanto ao tempo presente e as diversificadas exigências denomi­nadas pelas atividades cotidianas, e, ao mesmo tempo, desconfiar da simplicidade em ‘saborear’ as coi­sas como se fosse menina, como um sorvete numa hora qualquer e numa área verde que sequer me esperava.

Se a atividade vital do ato de co­mer alimenta o corpo, é imperio­so saber que a alma também pede por alimento. Talvez seja por isso, e não por acaso, que existam na gas­tronomia moderna tantas citações de textos, fontes, links e livros sobre o prazer de ingerir a comida em to­das as cores e formas que se apre­sentam os alimentos. Muitos de­les são bem elaborados, capazes de nos fazer salivar, outros, trans­portam os sentimentos para o tem­po das cozinhas afetivas das mães e avós, tias, amantes e amigos que o tempo não deixou esquecidos.

E é exatamente este sentimen­to que me invade quando leio tre­chos do conto de Drummond. A cena descreve, transpira em chei­ro e sabor, dá cor e som ao imaginá­rio e, por isso, não penso duas vezes ao compartilhar sempre junto aos amigos da magia da culinária. Hoje, Prazeres à Mesa traz como entrada estes versos: “Certos bolos e cre­mes, antes de serem degustados pela boca à vida, o são pelo nariz e pelos olhos, e, se não o permitis­sem, o seria pelas mãos que ama­riam verificar a maciez, a doçura e a delicadeza da pasta.

Único sentido não beneficiado, o ouvido permaneceria alheio a essa fruição geral, se não chegassem até ele os ruídos normais de uma casa onde se come, choque de louça no mármore, de metais na louça, pe­quenos rumores familiares a que se ligam imemorialmente as sensações do paladar, e que tanto contribuem para a composição desse extraordi­nário prazer de comer”.

A cozinha sensorial encanta chefs estrelados, tais como Hele­na Rizzo, do restaurante paulista­no Maní. São os precursores da gas­tronomia de classe no Brasil. Eles brincam com as formas, texturas, va­riam temperaturas, mexem no aro­ma e estética dos alimentos. Que­rem mesmo é brincar, confundir, surpreender. Helena propõe uma sobremesa que visualmente lembra o ovo, frito. É composta de uma bola do sorvete de gemada adicionada com espuma de coco, imitando a clara. E que tal o Tagliatelle ao Pomo­doro sem um único fio de macarrão do badalado restaurante Clos de Ta­pas? São finas lâminas de mandio­quinha com xarope de açúcar, purê de tomate e castanhas provenientes do estado do Pará salpicadas, subs­tituindo o queijo ralado.

A culinária sensorial é esboça­da pelo ato de mexer com os pa­drões a que nosso inconsciente está acostumado.

Sair da rotina do memoriável ar­roz com feijão é se permitir a outros prazeres. Adoro como tudo na arte da gastronomia se torna imprevisível como o sabor, a textura e o formato, incluindo as combinações.

Sempre que me proponho a ex­periências novas, e, neste sentido, exercito a poesia sobre as receitas que a vida dá, e, sempre de uma for­ma feliz. Afinal, a felicidade encon­tra-se nestes pequenos, mas enor­mes prazeres do imaginário.

Já gerenciei alguns jantares sen­soriais que uniam a poesia, a músi­ca, e, claro, a gastronomia. Na ma­ravilhosa cidade do Rio de Janeiro, consegui encantar atores globais com as minhas poesias acompa­nhadas de um belo cardápio. Tive o privilégio de ter sentado à minha mesa figuras do mundo cultural, tais como o ator Pablo Morais, que tocou ao lado de sua incrível ban­da; Cissa Guimarães, Cande Salles, Paula Klin, Andrea Dellal, Alessan­dra Ambrósio e outros, o que de­finitivamente foi sucesso! Depois, retornei várias vezes ao Rio para ro­mancear o prazer à mesa.

Em Goiânia, realizei o jantar no Antônia Bistrô com a casa lotada. Infelizmente, na cidade poucos são sensíveis à poesia e o sentir. O resul­tado foi milhares de fotos no insta­gram, onde o mais importante foi o clique do inusitado, mas o sentir pouco importava. Fato curioso.

MÁSCARA

A venda nos olhos faz com que te­nhamos um momento destinado a parar e prestar mais atenção, a cada detalhe, tanto no cheiro quanto nas texturas, tudo que nos rodeia, à ma­gia da música, a poesia erótica cheia de sensualidade e amor que escre­vo e declamo. Sentir as pessoas e, por que não, a nós mesmos. Nos dias de hoje, com a frequente estimulação da visãonocelular, aguçada, outrossenti­dos tornam-se pouco explorados. Há que se dar espaço para que isto acon­teça, e, suprimir a visão, mesmo que por alguns instantes, é uma forma de proporcionar prazer, enriquecer a ex­periência que brota da mágica arte e do prazer gastronômico. Pare, olhe, sinta, cheire, ouça, se permita. Uma visita incomum, com estímulos aos quatro sentidos. Coloque a venda, se solte, viaje com seu parceiro e descu­bra os roteiros que provocam intera­ções humanizadas.

 Receita da semana

PASTA AMATRICIANA: BACON E O VINHO BRANCO JUNTOS

O sabor forte e defumado do bacon casa mui­to bem com os vinhos tintos, mas isso não signifi­ca que usá-lo com um vinho branco também não possa funcionar bem. Um dos pratos mais famo­sos da culinária italiana é o macarrão à Matricia­na, uma receita de molho que promove essa mis­tura encantadora.

A receita original vem da província de Amatri­ce, na região italiana de Lazio, e na verdade não leva bacon, mas sim o guanciale, uma carne pare­cida com o bacon, mas retirada das bochechas do porco. Devido ao preço e à dificuldade de encon­trar o guanciale, quase todas as adaptações moder­nas do Matriciana levam toucinho em sua receita.

MODO DE PREPARO

Para fazer essa delícia, deve-se refogar o ba­con em sua gordura até dourar. Tire da pane­la e reserve. No mesmo recipiente, cozinhe to­mates maduros ou pelatti com queijo pecorino, depois coloque o vinho branco e o bacon no­vamente. Neste caso, o vinho deve ter um bom corpo e boa acidez para acompanhar o tomate e para que deixe um pouco do seu sabor no mo­lho. Deixe tudo cozinhar por alguns instantes e sirva com bastante queijo ralado! Se quiser apre­ciar sua receita com o mesmo vinho, tome cui­dado para que ele tenha boa acidez, assim você terá uma combinação harmoniosa. Mas prefi­ro harmonizar com o vinho tinto italiano da uva Primitivo, da região de Puglia.

CAÇAROLAS

TENDÊNCIAS GASTRONÔMICAS

A sustentabilidade, a preocu­pação com a saúde, a vontade de descobrir sabores ainda pouco globais e retomar métodos tra­dicionais de cozinha vão crescer ainda mais.

CHOCOLATE DE MANHÃ

Já é muito nas mídias que chocolate amargo é bom para a saúde. A pesquisa da univer­sidade america­na Syracuse concluiu mais: entre os benefícios está a capacidade de raciocínio, a melhora na memória e no foco. A Tel Aviv University comple­ta: a sobremesa, quando con­sumida pela manhã, ajuda na perda de peso. Então, está en­tendido: bolo de chocolate logo de manhã.

“CARNES” VEGETAIS

O grão-de-bico, milho, legu­minosas e cogumelos tomarão o posto das carnes. Haverá o crescimento do vegetarianis­mo e do veganismo, mas, principal­mente, o aumento de carnívoros que irão buscar alter­nativas à carne de todo dia. Esta mu­dança acontecerá muito pela cons­cientização sobre a produção da car­ne, investigada por uma série de do­cument á r i o s que estão sen­do produzidos e assistidos.

ZERO DE DESPERDÍCIO

Consumidores e empresas vão reduzir o desperdício dos alimentos, reutilizando caules, cascas e tudo que tradicionalmente seria descar­tado. O impulso para esta mudan­ça será a vontade de consumir com mais consciência ambiental e social. As receitas são criativas, como picles de casca de melancia, arroz de caule de couve-flor e muito mais.

APPS-CHEF

Assim como Uber e Airbnb, o aplicativo EatWith conecta casa cozinheiros com pessoas famin­tas. Os dois marcam e o cozinhei­ro vai à casa do cliente preparar a refeição. A ideia é boa, só resta sa­ber se vai pegar por aqui.

COMIDA DOS IMIGRANTES

Os refugiados estão espalhan­do culturas gastronômicas pouco conhecidas por todo o mundo. Este movimento trará inúmeras fusões de sabores entre o Oriente Médio e o resto do mundo. Recei­tas que vão muito além do hum­mus e do kebab. As cozinhas es­tarão abertas para estes sabor.

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