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O voo das bruxas

Conhecida popularmente como trombeta de anjo, a beladona é uma planta alucinógena extremamente tóxi­ca, e pode levar um adulto à morte se utilizada de forma equivocada. Ela compõe a fórmula de cosméti­cos, medicamentos e venenos, mas uma de suas funções mais antigas, que data de no mínimo 10 mil anos atrás, é a de ingrediente de poções e pomadas utilizadas em rituais ancestrais. Foi popularizada na li­teratura do final da Idade Média graças às bruxas deste período. No passado, acredita-se que elas uti­lizavam uma mistura de belado­na, ópio e outras plantas veneno­sas em uma “pomada de voo”. O historiador Carlo Ginzburg, entre outros, argumenta que essas po­madas eram destinadas para en­corajar sonhos alucinantes.

O cultivo da planta é legaliza­do em vários países da Europa, Pa­quistão, América do Norte e no Brasil. Todas as partes da planta da beladona podem ser cultiva­dos, comercializados e distribuí­dos sem licença legal ou prescrição médica nos Estados Unidos. Suas folhas e raízes também podem ser adquiridas em farmácias da Ale­manha com prescrição médica. A beladona é uma das plantas mais tóxicas encontradas no hemisfério oriental, e sua ingestão por via oral aumenta o riscos de várias condi­ções clínicas, como complicações na gravidez, doenças cardiovas­culares, transtornos gastrointesti­nais, doenças psiquiátricas, entre outras. Todas as suas partes pos­suem alcalóides de tropano, sendo a raiz a parte mais tóxica, com cer­ca 1,3% de sua composição.

MITOS

A artista Sarah Anne Lawless, que também é pesquisadora de ervas folclóricas, escreveu um ar­tigo em seu site sobre a história das conhecidas poções voadoras. “Para aqueles que talvez não sai­bam, um unguento de voo consti­tui-se de uma pomada ou óleo in­fundido com hervas psicoativas utilizados por bruxas em seus ri­tuais sabáticos entre o fim da Idade Média e início da Idade Moderna na Europa durante o auge da caça às bruxas na Europa”. Num mo­mento de extrema turbulência, em que a Igreja Católica tentava man­ter-se hegemônica, as poções ti­veram suas reais funções bastante distorcidas. “Caçadores de bruxas da época perpetuaram o mito de que as bruxas criavam suas poções através de gorduras de bebês, mas isso era apenas propaganda teme­rária”, explica Sarah.

Atualmente, a história e a ciência ajudam a entender me­lhor como funcionavam os rituais místicos daquela época. “Gordu­ra animal era utilizada para ex­trair os potentes óleos e alcaloi­des das plantas venenosas, pois esse produto era conveniente e acessível até às pessoas mais po­bres”. A gordura animal também facilita o processamento das po­ções. “Hoje, com o auxílio da ciên­cia moderna, sabemos que nossa pele absorverá uma pomada feita com banha de porco mais rápido do que qualquer outra substân­cia, pois nossa genética é similar à do porco”. de acordo com a au­tora, foi uma solução inteligente desenvolvida por nossos antepas­sados. “Adicionar um óleo vegetal em gordura animal resolve o pro­blema de absorver a substância estranha ao nosso corpo”.

HISTÓRIA

Apesar de as bruxas do fim da Idade Média terem ajudado a po­pularizar as receitas de poções, é possível encontrar registros que comprovam que o uso de poções vem de muito antes. “Alguns po­dem acreditar que poções de voo só existiam na Idade Média, devi­do à maioria dos registros e recei­tas ser datado daquele período. Mas se observarmos a mitologia, literatura antiga, e contos folcló­ricos, encontraremos uma rica fonte de sabedoria que remete ao período pré-Cristão”. Poemas épicos da Grécia e de Roma já traziam algumas citações. “Po­madas de vôo são mencionadas, por exemplo, no poema As Argo­náuticas, de Apolônio de Rodes, (200 a.C), em Metamorfoses, de Apuleio (160 d.C.) e na possível referência mais antiga, A Ilíada de Homero (800 a.C)”.

A autora faz uma viagem ainda mais extensa no tempo para que possamos observar o quanto o uso de plantas em rituais é inerente às primeiras sociedades. “Restos de meimendro, beladona e maconha encontrados na Escócia e no nor­te da Europa são datados do perío­do neolítico, ou seja, no mínimo 10 mil anos atrás”. Independente­mente da forma como essas plan­tas eram consumidas, sabe-se que elas já eram cultivadas naquele pe­ríodo. “A maioria dessas plantas foi encontrada em forma de semente, ou remanescentes de bebidas al­cóolicas ritualísticas. Não se sabe se eles tinham acesso à gordura ani­mal e usavam em forma de poma­da, mas existe material arqueoló­gico suficiente para mostrar que os povos neolíticos tinham fácil aces­so à gordura animal”.

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