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ENTRETENIMENTO

Pão, um alimento que alimenta a alma

Com certeza o pão e o vinho fazem parte da história da humanidade e possuem grande simbologia. Alimento de suma importância em diversos países, o pão pode ser a entrada e também o término de uma refei­ção. O pão e o vinho são alimento, comida, sustento. O pão, feito por muitos grãos de trigo, e o vinho feito de bagos. Os dois passam um sentido de união.

O segredo do pão é ser muito complacente e artista. Sou boa em várias coisas que parecem di­fíceis, mas não são – molho béar­naise, filé au poivre – em harmo­nizar pratos difíceis com vinho. Mas não sei fazer um vinagrete decente; qualquer coisa que in­clua uma “crosta de sal” me deixa insegura; e, até bem recentemen­te, eu nunca fizera pão.

CADERNO DE RECEITAS

Algumas semanas atrás, porém, encontrei um caderno de recei­tas da minha mãe, escrita à mão e emoldurada, uma receita chamada “Pão da Edinha” e uma foto minha quando era pequena me delician­do com o pão e colado na página da receita. Era grande, com cara da década de 1980, com instruções e ingredientes como painço, aveia e mel cercados por uma borda de fo­lhas, pétalas e abóboras.

– Pão da Edinha?, gritei. Ela sem saber o que estava dizendo, pois hoje se encontra com Alzheimer, me olhou fixa em meus olhos e me disse, minha filha, você adorava este pão. Como se suas lembranças por um flash se estabelecessem em sua memória. Comecei a chorar e sorrir tudo junto e misturado. Aquela se­nhora, linda, já utilizou de seus co­nhecimentos gastronômicos para me dizer que me amava transfor­mando trigo em pão para me en­cantar com suas delícias.

– Quando era adolescente – disse ela –, minha família era pobre e mi­nha minha mãe me ensinava a cos­turar as minhas roupas e também a cozinhar, o que eu mais adorava fa­zer, era o meu próprio pão. Foi assim que seu pai se encantou comigo. Era bonita e prendada...

Tenho lembranças de vê-la na cozinha fazendo pão. Tampouco costurava suas colchas de retalhos que adorava. Minha mãe se ves­tia lindamente com seus vestidos bem cortados que ela comprava em São Paulo, pois na época, por volta 1980, tinha uma loja de roupas. Em seu guarda-roupa era escondido um vestido Kenzo que ela guardava com muito cuidado e não empres­tava para ninguém. Usava sapatos de salto alto que meu pai amava. E aí, quando entrava na cozinha com sua peculiar elegância, encantava a todos da famíla. Contava histórias de quando via minha avó no seu fo­gão a lenha em sua humilde pensão na pequena cidade de Canápolis – Minas Gerais. Ela, enquanto amas­sava o pão, ia me descrevendo a sua infância. Minha mãe dizia que era acordada com minha avó tocando sanfona e cantando “Quem quer pão, quem quer pão? ” E ela me di­zia que sempre sentia os aromas da­quele pão de mel no forno a lenha.

PREPARAÇÃO DO PRIMEIRO PÃO

No dia seguinte, me perguntei:

– Então por que você não faz seu pão?

– Não é tão fácil assim – me res­pondi. A receita dizia que precisava de uma vasilha de cerâmica gran­de. E uma tábua de pão de madei­ra. Onde vou achar? De repente me peguei com muitas lembranças da­quela época. Me lembro que meu pai e eu passávamos um tempo na cozinha tomando uma cervejinha gelada, conversando, fazendo com­panhia para ela e vendo o pão cres­cer, depois ela assava e comíamos com manteiga e mel.

A imagem dela de avental, cerca­da pelas lembranças claras e acon­chegantes da década de 1980, era tão inebriante que resolvi fazer um pão no dia seguinte. Escolhi a recei­ta de “Pão sem sova”, que recortara de uma revista. Corri até o super­mercado, comprei fermento e se­gui as instruções de misturá-lo com água, sal e farinha. Deixei a massa crescer durante a noite e, pela ma­nhã, pus no forno a 230 graus.

Uma hora depois, lá estava ele. Era pão! Não era um pão bom; aliás, ruim, difícil de comer, não ti­nha muitas daquelas lindas bolhas e o sabor era meio amargo. Mas era pão, e não posso explicar como foi incrível e agradável.

Em uma semana, lá estava eu de novo na minha cozinha sem muitos equipamentos e uma ban­cada ruim. Mas nada que pudesse resolver, e saí atrás de uma banca­da móvel de rodinhas e que tivesse freio. Comprei um forno e lá fui eu me aventurar na arte de fazer pão. Logo fui estudar sobre os pães e entendi que o fermento é apenas um monte de bichinhos juntos – organismos eucarióticos do reino dos fungos, parentes dos cogume­los. “Quando misturamos esses bi­chinhos com um carboidrato, eles começam a consumir todo o oxi­gênio e a liberar um gás feito de ál­cool etílico e dióxido de carbono”. É com o álcool por eles produzido que se fazem as bebidas. É o dió­xido de carbono que forma o pão. O gás produzido faz a massa cres­cer. É ele o criador do pão.

Enquanto eu misturava e sovava, os sons reconfortantes de minha in­fância retornaram: o zumbido cons­tante da batedeira elétrica da minha mãe, o batedor para massas zunin­do ao girar. “Quanto mais tempo os bichinhos levam para consumir o oxigênio, mais gostoso fica o pão”, ela me dizia. “O calor forte do forno mata o restante dos bichinhos, mas preserva seu trabalho. Todas as bo­lhas de dióxido de carbono se fixam com os lindos furos esponjosos do miolo do pão”, segundo ela.

Prossegui para o pain Poilâne (pão da França), cujo fermento eu preparei; e ele foi se desenvolven­do sob um plástico na pia. Mistu­rei água e farinha de trigo, deixei a mistura exposta ao ar e esperei que os fermentos naturais pousassem na mistura e começassem a con­sumir os carboidratos.

Passei dois dias misturando água e fermento com farinhas diferentes, e depois esperei tempos variados. Fiz o pain Poilâne, escuro, de cas­ca crocante e que requer um longo período de descanso. Fiquei encan­tada com a plasticidade da massa: primeiro mergulhando as mãos, pu­xando, resistindo, estranhamente viva, como se tivesse inteligência própria, a inteligência coletiva de todos aqueles bichinhos. A massa de pão se mantém inerte; ela respi­ra, cresce, reflete sobre a vida.

Depois, há os aromas. O cheiro lento de “amor”, que se evola do pão que cresce, e o cheiro que traz tantas lembranças, que se intensifica con­forme ele assa no forno. O mais pro­fundo prazer sensual do pão surge na hora de cortar, quando afunda­mos a faca na textura macia e que de repente ganhou estrutura e corpo.

GRATIDÃO

Percebi que nunca, nem uma vez, agradeci todo aquele pão. No caminho para casa refleti que aque­les “muito obrigado” que dizemos aos pais nunca são suficientes, e às vezes nos sentimos constrangidos de agradecer mais. Imaginamos que nossa existência já tenhamos agra­decido o suficiente. Mas não.

Quando somos jovens, pen­samos que tudo é obrigação dos pais e não agradecemos. Depois de alguns anos, me emociono lembrando daquela linda cena da minha mãe, alta, linda e vibrante, com seu lindo avental preto, seu cabelo arrumado, dançando suas mãos na massa do pão. Ela fazia aquele pão com maestria; na ver­dade, logo pela manhã, levava o pão quentinho no meu quar­to e colocava-o sobre o meu na­riz para que sentisse os aromas. Acordava de imediato para po­der tomar o café da manhã e co­mer seu delicioso pão e ia para a escola feliz. Hoje, não sobrevive­ria sem essas lembranças.

Com este saudosismo, enfim, estava pronta para fazer o meu pão. Encontrei o tipo certo de va­silha de cerâmica e o tipo certo de tábua de madeira. Achei um aven­tal preto no meu guarda-roupa. Liguei minha pick-up. Misturei todos os ingredientes naturais – a farinha integral e o painço (cereal nutritivo) – e depois cobri a vasi­lha de cerâmica com um pedaço de linho branco.

Uma vez crescida a massa, abri um vinho Bordeaux para assistir. O jeito de eu sovar a massa me espan­tou: sovava com fervor doméstico e feliz. Em seguida, comecei a trançar com habilidade três longos rolos de massa. Depois de assado, o pão fi­cou lindo, passei manteiga numa fatia e provei com o vinho tinto. Foi uma sensação maravilhosa, ali na minha cozinha, sozinha, me deli­ciei com o “Pão da Edinha”.

Comoharmonizarpãocomvinho?

Os sabores do pão e do vinho de­vem ser complementares e não po­dem se sobrepor. Os espumantes fei­tos com a uva Chardonnay são ótimos para harmonizar com pães de aveia. Já os Pinot Noir são melhores com­binados com pães mais “massudos”, tipo italiano.

Os vinhos tintos são perfeitos para harmonizar com pães gour­met, que apresentam uma junção inusitada de ingredientes. As me­lhores combinações acontecem quando o pão e o vinho têm suas virtudes mutualmente ressaltadas. Isso acontece por conta do equilí­brio das estruturas e pelo contras­te das sensações que proporcio­nam o prazer gustativo.

 Receita da semana

Se aventure e faça um delicioso pão e harmonize com vinho branco Chardonnay Aurora

PÃO DO AMOR

INGREDIENTES

3 ½ xícaras (chá) de farinha de trigo

1 ⅓ de xícara (chá) de água

1 colher (sopa) de fermento biológico seco (cerca de 10 g)

2 colheres (chá) de sal

farinha de trigo para polvilhar a bancada

azeite para untar a tigela

água para borrifar os pães

MODO DE PREPARO

  1. Numa tigela grande, misture a farinha com o sal e o fermento. Acrescente a água aos poucos, misturando com uma espátula para incorporar. Deixe repousar em temperatura ambiente por 10 minutos – assim a farinha absorve melhor a água.
  2. Após os 10 minutos de repouso, com a espá­tula, revire e dobre a massa sobre ela mesma, até que esteja numa consistência mais fácil para ma­nusear. Transfira a massa para a bancada e sove por cerca de 15 minutos – dobre, amasse, estique e amasse novamente até ficar bem lisa, macia e úmida. Se preferir, pode sovar a massa na batedei­ra com o gancho em velocidade baixa.
  3. Unte uma tigela grande com azeite. Modele a massa de pão numa bola e transfira para a tigela untada. Cubra com um pano de prato (ou filme) e deixe em temperatura ambiente para crescer por cerca de 1 hora ou até dobrar de volume.
  4. Assim que a massa tiver crescido, polvilhe um pouco de farinha de trigo sobre a bancada e sove novamente a massa por mais 5 minutos. Modele novamente uma bola, cubra com o pano de prato e deixe a massa descansar por mais 10 minutos. Enquanto isso, separe uma assadeira grande e polvilhe com farinha de trigo.
  5. Sobre a bancada, corte a massa ao meio com uma espátula (ou faca) e modele dois pães re­dondos. Transfira os pães para a assadeira com a emenda da massa para baixo, cubra com o pano de prato e deixe descansar por mais 30 minutos.
  6. Enquanto isso, preaqueça o forno a 220°C (temperatura alta) – assim o forno vai atingir a temperatura certa no momento em que o pão estiver crescido.
  7. Após os 30 minutos, com a ponta de uma faca afiada (ou estilete), faça 3 cortes paralelos na superfície de cada pão. Borrife com água e leve ao forno. Deixe assar por cerca de 30 minutos até fi­carem com a casca bem dourada.
  8. Assim que estiverem assados, retire a assadei­ra do forno e, com cuidado, transfira os pães para uma grelha. Deixe esfriar antes de cortar.

CAÇAROLAS DA SEMANA E VINHOS

POBRE JUAN

Fui recentemente ao restaurante à espera de uma deliciosa carne à la Argentina. O atendimento é excelen­te, o couvert nem tanto. Provei uma cerveja argentina que estava bem gelada e tinha bom custo-benefício. A decepção veio no prato principal, meu pedido era uma carne mal-pas­sada e que chegou à mesa crua e ge­lada. Pedi ao maître que retornasse com meu prato. Na segunda vez, veio uma carne totalmente passada e que tinha saído do ponto. Por fora, esta­va puro carvão, sem atrativo, e com um arroz biro-biro feio e sem sabor, as verduras assadas também não es­tavam lá essas coisas. De sobreme­sa, pedi churros com doce de leite argentino, ambos estavam bem sa­borosos. É um restaurante onde vol­taria para um fim de tarde, mas não sei se volto para o almoço ou jantar.

DE OLHO NAS TAÇAS

Durante oito dias, as 351 amostras inscritaspor50vinícolasdeseisestados brasileiros (Bahia, Minas Gerais, Para­ná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina eSãoPaulo) serãodegustadasàscegas por120enólogos. Otrabalhocomeçou hojeesegueaté23deagosto, noLabo­ratóriodeAnáliseSensorialdaEmbra­pa Uva e Vinho, em Bento Gonçalves.

Serão 24 horas de degustação às ce­gas. Para que todas as amostras sejam degustadas nestes oito dias, exceto sá­bado e domingo, os enólogos foram divididos em oito grupos com 15 pro­fissionais cada. A cada dois dias, dois grupos de enólogos entram em ação. Para o presidente da Associação Brasi­leiradeEnologia(ABE)– promotorado evento –, enólogoEdegarScortegagna, esta é a etapa mais criteriosa, que ava­lia tecnicamente cada amostra. “Todo conhecimentoesensibilidadedoenó­logo são empregados neste processo que visa avaliar a qualidade e a evolu­çãodovinhobrasileiro. Aqui, abandei­ra é a dos vinhos brasileiros, indepen­dente de marca”, destaca.

DICA

O que pode custar caro, sobretu­do quando não se tem boa informa­çãoemmãos, éovinho. Quemnunca arregalou os olhos diante dos preços praticados por restaurantes, lojas es­pecializadas e até supermercados? Cecília Aldaz, sommelière do restau­rante Oro e apresentadora do progra­ma Um Brinde ao Vinho, do canal Mais Globosat, ensina a escolher vi­nhos nos supermercados e dá dicas de bons rótulos que são facilmente encontrados nas grandes redes. Ne­nhum custa mais de R$ 100.

RIO GASTRONOMIA

Já ouviu falar em alimentação plant-based (conceito de alimen­tação rica e sustentável), kimchi e kombuchá? São tendências da gas­tronomia contemporânea que serão apresentadas por chefs e produto­res durante o evento. Vai ser possível aprender a preparar o Kombuchá, experimentar um parmesão produ­zido nas margens do Rio Araguaia, no Tocantins. O Rio Gastronomia acontece durante dois finais de se­mana: de 17 a 19 de agosto e de 23 a 26 de agosto, nos armazéns 3 e 4 do Píer Mauá. Fonte: Jornal O Globo.

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