Amigo escriba, amigo jornalista e amigo cachaceiro, eis que é inevitável dar-lhes algumas dicas sobre o ofício jornalístico. No primeiro período da faculdade dizem-nos que escrever é uma arte. Concordo, mas saliento: pode ser uma arte se o cara for um Hunter Thompson ou Nelson Rodrigues, por exemplo.
Para mim, que sou um mero escravo do lead e sublead, frequentador assíduo de redações e gutenberguiano por vocação, escrever é um ofício importantíssimo e árduo – é com ele que pago a cerveja, o cigarro e a folia de cada dia.
Você pode até criticar no bar a chefia, reclamar que o jabá impede-lhe de ser independente nas reportagens, desvairadamente pode tudo, menos desobedecer a linha editorial do jornal e propor pautas polêmicas.
Você pode até inventar desculpas para a chefia, dizer que a sua mãe está internada em estado grave e tudo o mais, quando na verdade o que passou pela sua zoada cabeça foi pegar apenas uma sessão de cinema no Cine Cultura e debater sobre diretores cubanos em algum lugar do Centrão.
Bem, diante disso, passo a bola para o escritor e Nobel William Faulkner, vai que é tua, mestre: “Uma ficção é mais verdadeira que qualquer jornalismo”. Chega de blá-blá-blá e vamos ao que interessa:
- Lembre-se: nem todo bêbado e drogado é um Hunter Thompson e Xico Sá. Se beber meia dúzia de cervejinhas, esqueça o gonzo, o fora da lei e o jornalismo literário. Invista apenas no velho e eficiente – nestes casos apenas – lead e sublead, pois esse caminho é bem mais fácil do que ter de se submeter ao constrangimento de conversar com um guarda no meio da madrugada.
– Nas assessorias de imprensa e nos números oficiais – quem entende esses números, meu caro Eduardo Galeano? – Você encontrará apenas o lero-lero, aquelas aspas para preencher os toques necessários e fechar a página. Agora, um relato humanizado requer caneta a postos e sola de sapato resistente. No subsolo do poder, está a essência do jornalismo. Pense nisso.
– Nunca acredite que o assunto é tão velho que não possa ser discutido com seu editor na reunião de pauta. Com um simples tapa nos dois primeiros parágrafos, você transformou o texto numa reportagem inédita, de interesse público. Tenha sempre em mente de que, caso nada disso dê certo, e você deixe a pauta passar, a chance de que vai rolar uma inveja guterberguiana no dia seguinte é enorme. Todo repórter é como um bom carroceiro de rua, vive da mais singela reciclagem.
– Apure com rapidez e requinte, deixe a matéria redonda e vá para o cinema no final da tarde com tua amiga de outro jornal – jornalistas conhecem uns aos outros, sobretudo de outros veículos. Um bom filme, como diz Xico Sá, ilustra a cabeça mais do que mil anos ligados na máxima voltagem que o jornalismo permite. Todavia, como tudo na vida, há um problema: encontrar algum superior por lá. Acredite: isso é um problema.
– Evite beber antes de ir trabalhar, porque no dia seguinte seu editor pode pedir para você ir cobrir uma coletiva de imprensa no Paço Municipal. Se o porre da noite anterior tiver sido daqueles, a probabilidade de dormir no gabinete do prefeito é grande.
Amigo jornalista, agora é a sua vez de dizer o que ficou fora, pois vou ali na esquina molhar a palavra. Até a próxima crônica do louco amor.
Tchau, obrigado!