Home / Entretenimento

ENTRETENIMENTO

Sob a sombra do Fascismo

“A história do fascismo não está concluída porque o fascismo é ainda uma realidade em suspenso”, disse João Bernardo no livro Labirintos do Fas­cismo. O autor lembra que apesar deste movimento ter sido derro­tado militarmente ele ainda não está politicamente e ideologica­mente esgotado. As discussões a respeito do fascismo no Brasil es­tão se espalhando, principalmen­te após a candidatura de Jair Bolsonaro à presidên­cia, que trouxe visibilida­de pública às suas falas, apontadas como discur­so de ódio contra diver­sos grupos sociais, mas que estranhamente fize­ram com que ele ganhas­se adesão de parte do elei­torado brasileiro.

Makchwell Coimbra, Mestre em História pela UFG e doutorando em História Social, fala sobre o fascis­mo: “A definição de fascismo é algo complicado, especialmente pelo fato do fascismo ser algo meio ca­maleônico e se aliar em determi­nados contextos com grupos que abominam, como o caso da alian­ça com os liberais e o catolicismo na Itália de Mussolini. Assim, não existe uma forma simples ou fácil para se definir o fascismo”.

“Edda Saccomani define o fas­cismo da seguinte maneira: Em ge­ral, se entende por Fascismo um sistema autoritário de dominação que é caracterizado: pela mono­polização da representação política por um partido único de massa, or­ganizado por hierarquia; por uma ideologia fundada no culto ao che­fe, na exaltação da coletividade na­cional, no desprezo dos valores do individualismo liberal e no ideal da colaboração de classes, em oposi­ção ao socialismo e ao comunismo; pela mobilização das massas; pelo aniquilamento das oposições, me­diante o uso da violência e do terror; pelo controle das informações; pela tentativa de integrar nas estruturas de controle do Estado, de acordo com uma lógica totalitária, as re­lações econômicas, sociais, políti­cas e culturais” elucida Makchwell.

Makchwell esclarece que o uso irrestrito do termo pode acabar por extrair seu significado: “A facilidade que o fascismo aparece no jogo po­lítico cria um duplo problema, de um lado pode ocorrer uma bana­lização, certa vulgarização do con­ceito, tudo se torna fascismo, de ou­tro, certa sacralização do conceito, nada mais é fascismo, é como se o fascismo tivesse morrido com Beni­to Mussolini. Mas enfim, em meio a tudo isso, o que é fascismo? Quan­do for utilizado deve ser feito de for­ma que não caia nem para um lado nem para outro dos extremismos conceituais, fascismo não é um ad­jetivo para atacar inimigos”.

FASCISMO PARA ALÉM DOS REGIMES

O mestre em sociologia pelo Ins­tituto de Estudos Sociais e Políticos do Rio de Janeiro, Ian Caetano, fala sobre as configurações do fascismo para além dos regimes totalitários, como aconteceu em alguns países: “Quando pensamos em fascismo, por vezes recorremos aos eventos mais bárbaros da história huma­na, como o nazifascismo alemão de Hitler ou o fascismo italiano de Mussolini. Este é o ápice do fascis­mo, sua manifestação mais plena e evidente. Antes disso e mesmo de­pois disso acabado, entretanto, ele existe de diversas formas”.

Ian aponta como a eleição de um candidato que propaga uma ideologia tida como fascista pode legitimar a ascensão deste movi­mento político: “O fascismo, his­toricamente, busca legitimidade através do Estado, portanto uma eventual vitória dele (Jair Bolso­naro) dará guarida para um recru­descimento social agudo. Visto que aqueles que nele se enxergam vão se sentir legitimados nas suas convicções fascistas”.

“Independente de quem vencer, não serão fáceis os próximos anos. Como disse, é possível derrotar a expressão elei­toral do fascismo, um pe­queno, porém importan­te passo, entretanto temos também de trabalhar para exterminá-lo nas suas raí­zes”, completa Ian Caetano.

Lira Furtado é cien­tista social, formada pela UFG, e explica um pouco sobre como acontece a consolidação deste fe­nômeno: “É preciso lembrar que o fascismo antes de ser um mo­vimento político é um fenôme­no social, um movimento que se consolida como movimento de massa. Então por isso mesmo o perigo do fascismo já está dado, ainda que Bolsonaro não ganhe, pois já existe um movimento de massa que tem como bandeira a opressão, a violência e até mesmo o extermínio das minorias sociais. São falas onde negros não são co­locados como gente. Em que qui­lombolas são comparados a gado”.

A cientista se refere a episódio, que teve um vídeo amplamente divulgado em redes sociais, em que Bolsonaro utilizou termos as­sociados à criação de gado, de for­ma pejorativa, se referindo a qui­lombolas: “Fui num quilombo em Eldorado Paulista. Olha, o afrodes­cendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais“ disse o candidato.

FORMAÇÃO DE UM MOVIMENTO AUTORITÁRIO

Ian Caetano reitera a gravidade das afirmações públicas do candi­dato: “Quando Bolsonaro diz, im­punemente, que um “afrodescen­dente pesa sete arrobas”, ele está distanciando-se deste enquanto um igual e equivalendo-o a um ani­mal. Quando ele diz que as pes­soas só “aturam” homossexuais, mas que “no fundo ninguém gos­ta deles”, o que ele faz é dar legiti­midade àqueles que são incapazes de respeitar e aceitar que o outro tenha desejos e vontades diferen­tes das próprias. Quando diz que uma mulher “só não foi estuprada porque não merece” está implicita­mente afirmando que existem ou­tras que mereçam” especifica Ian.

O cientista político ainda expõe que a adesão dos eleitores de Bolso­naro, devido aos seus discursos, de­monstram a formação de um movi­mento autoritário e excludente: “O diagnóstico mais rigoroso do fascis­mo não é só o absurdo destas de­clarações e eu poderia citar várias outras, mas o fato de que elas en­contram reconhecimento, ainda que difusamente, no seio da socie­dade. Podemos, por isso, nomeá­-lo uma expressão do fascismo. A falta de reconhecimento do outro como um igual que merece não só o mesmo tratamento, mas a digni­dade existencial de um igual; a in­transigência e o autoritarismo que muitos de seus eleitores manifes­tam, legitimados pela sua ascen­são nas pesquisa, tudo isso confi­gura elementos que nos permitem considerar sua candidatura parte de um movimento fascista”.

“O desprezo ainda que “joco­so”, “menos explícito”, racial; o des­prezo com o outro sexo; o desprezo com homossexuais... tudo isso im­plicitamente supõe uma noção do “normal” e do “anormal”, uma pre­missa básica do fascismo. Ao dizer que é legítimo a mulher ser penali­zada com menores salários porque pode engravidar, está dizendo que o “normal” é o homem, pois não tem essa possibilidade. Ao dizer que ninguém gosta de homosse­xuais, mas só os atura, está dizendo que é um “desvio” da normalida­de. Ao equiparar negros a gado está a dizer que somente brancos me­recem ser pesados como iguais. Todas estas são características do fascismo, pois criam um padrão específico dito “superior” e, a par­tir deste como régua, definem um inferior” conclui Ian.

APOIO NEONAZISTA

Lira ainda pontua a participa­ção direta de movimentos neona­zistas em favor do candidato: “Eles (os neonazistas) estão apoiando a candidatura de Jair Bolsonaro. Tempos atrás houve o apoio pú­blico de um movimento neona­zista ao candidato em São Pau­lo, colaborando na construção de um ato. Então, inclusive por essas alianças, claramente a perspecti­va bolsonarista vai de encontro ao fascismo e ao nazismo.”

Uma manifestação de apoio a Jair Bolsonaro foi convocada na internet no ano de 2011, no vão do Masp em São Paulo. O protesto, ba­tizado de "ato cívico", foi divulgado em uma rede social no fórum "Stor­mfront", em página administrada pelo movimento neonazista "Whi­te Pride World Wide". A ideia do ato era justamente apoiar o lança­mento como candidato a presiden­te o então deputado Jair Bolsonaro.

Um dos argumentos utilizados pelos eleitores de Bolsonaro é a proteção de uma suposta amea­ça comunista, que o candidato diz que irá combater caso eleito, para Lira este medo exacerbado de ideologias de esquerda tam­bém é um traço do fascismo cres­cente: “É interessante porque o fascismo chega no atual contexto a se aproximar de sua forma clás­sica com o temor do comunismo e o ódio a esquerda, que é uma característica clássica do fascis­mo, inclusive com a propagação de notícias falsas sobre o risco do comunismo, que sem sombra de dúvidas não existe. Vale lembrar que temos ainda em atuação um movimento integralista, que é um movimento fascista”.

ASSÉDIO NO TRABALHO

Lira ainda especifica que exis­te uma relação do fascismo com a intensificação da exploração de trabalhadores: “E é bom lem­brar que o fascismo não é só uma questão cultural, é uma forma po­lítica que ao oprimir ainda mais as minorias se utilizam disso para in­tensificar o processo de explora­ção. A política econômica do Bol­sonaro diz isso: corte de direitos, aumento da alíquota no imposto de renda. O fascismo é uma polí­tica contra a classe trabalhadora. Basta lembrar dos assédios dos patrões que estão acontecendo, como do dono da Havan”.

Lira se refere a Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, que publicou um vídeo no qual está coagindo os funcionários a vota­rem em seu candidato. O empresá­rio ameaçou os funcionários dizen­do que caso Bolsonaro não ganhe “Talvez a Havan não vai abrir mais lojas (sic). E aí se eu não abrir mais lojas ou se nós voltarmos para trás? Você está preparado para sair da Havan? Você está preparado para ganhar a conta da Havan?”.

Independente de quem vencer, não serão fáceis os próximos anos” Ian Caetano, mestre em Sociologia   É preciso lembrar que o fascismo antes de ser um movimento político é um fenômeno social, um movimento que se consolida como movimento de massa” Lira Furtado, cientista social

O HISTORIADOR MAKCHWELL COIMBRA EXPLICA O CONTEXTO DE SURGIMENTO DO FASCISMO E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS:

Mussolini Em 1914, fundou o gru­po Fasci d’Azione Rivoluzionaria (mais tarde, em 1922, surgiria o conhecido Partido Nacional Fascista). O uso do fascio não foi à toa. A Itália enfrenta­va uma profunda crise desde sua uni­ficação tardia (concluída em 1870), e as consequências da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) pioraram a situa­ção. Mussolini prometia, com o fascis­mo, trazer de volta os tempos áureos do antigo Império Romano.

Em 1919, os italianos Alceste de Am­bris e Filippo Marinetti publicaram o Il manifesto dei fasci italiani di combatti­mento, texto hoje conhecido como Ma­nifesto Fascista, que propunha um con­junto de medidas para resolver a crise da época. Nas décadas seguintes, o ter­mo “fascismo” passou a ser usado para designar as políticas adotadas por Mus­solini e seus seguidores.

Saliento, que mais importante que uma definição fechada é observarmos as principais características do fascis­mo, para tal, busco a junção das caracte­rizações de Robert Paxton e de Umberto Eco em “Ur-Fascism ou o fascismo eter­no”, texto de fácil acesso, linguagem sim­ples e esclarecedora e que sugiro para quem quer entender minimamente so­bre a temática. Pois bem, as principais características são:

A retórica apoiada no sentimento de uma profunda crise; para além do alcan­ce das soluções tradicionais.

Monopólio da representação política por um único partido de massa; organi­zado hierarquicamente.

Uma ideologia fundada no culto do chefe; que sozinho é capaz de liderar e re­construir valores nacionais e encarnar o destino histórico da nação.

A exaltação da coletividade na­cional, no desprezo tanto por ideais liberais quanto por projetos comuns como o Socialismo, Comunismo, Anarquismo optando ao invés deles pelo ideal da colaboração de classes estagnadas e corporativas.

Mobilização das massas e seu enqua­dramento em organizações que tendem a uma socialização política planificada, que trabalha para o regime.

Crença que um determinado gru­po racial, nacional, regional, religio­so ou a junção de alguns deles, é uma vítima, sentimento que justificaria qualquer tipo de ação, sem limites legais ou morais, contra inimigos in­ternos ou externos.

Um aparelho de propaganda baseado no controle das informações e dos meios de comunicação de massa.

Um crescente dirigismo estatal no âm­bito de uma economia que continua a ser, fundamentalmente, de tipo privado.

Tentativa de integrar nas estruturas de controle do partido ou Estado, de acordo com uma lógica autoritária ou totalitária, a totalidade das relações econômicas, so­ciais, políticas e culturais.

Ênfase em valores tradicionais em con­traposição à modernidade e a recriação do passado a partir da invenção de tradições.

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias