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ENTRETENIMENTO

Velho safado e sensível ao seu tempo

Se não tivesse sido acometi­do pela leucemia, o escritor estadunidense Charles Bu­kowski (1920-1994) provavelmen­te iria enxergar a internet com re­ceio. O autor do romance Mulheres (1978) testemunhou apenas o início da rede, mas ainda assim conseguiu escrever o poema this flag not fon­dly waving (cujo trecho será repro­duzido no final desta matéria). Con­tista com grande poder de síntese, a obra de Bukowski divide opiniões. Alguns o veem como um cara in­decente, outros defendem que ele democratizou o acesso à literatura por meio de sua linguagem colo­quial. Mas, na verdade, o velho sa­fado (alcunha que lhe acompanhou durante a vida) abalou as estruturas do sonho americano.

Nascido na Alemanha na déca­da de 1920, o autor é considerado o maior exemplo de um sujeito que vivia envolto entre bebidas baratas e cigarros vagabundos e faz disso sua obra-prima, criando uma lite­ratura genuinamente original. Em grande parte, o sucesso que Buko­wski teve derivou dessa fracasso. Atualmente, o autor virou um fe­nômeno entre o público jovem. Se o anjo pornográfico brasileiro Nelson Rodrigues (1912-1980) represen­ta a máxima da vida como ela é, o dirty old man da prosa realista nor­te-americana no contexto da Gran­de Depressão (recessão econômica que assolou o Tio-sam na década de 1930) é uma espécie de cronista da classe trabalhadora.

Bukowski é publicado pela edi­tora gaúcha L&PM desde a década de 1980. Os dois primeiros livros saíram em 1983, Crônica de um Louco Amor e Fabulário Geral do Delírio Cotidiano. A obra do velha safado já foi lida por várias gera­ções e ainda resiste. E resiste bem. “Nos anos 1980, muito pouco se sabia dele. Eu diria que além de nós da editora, só uma meia dúzia de pessoas tinha ouvido falar em Bukowski. Eu o conheci na Itália, primeiro país em que fez sucesso fora dos Estados Unidos”, explica Ivan Pinheiro Machado, editor da L&PM, em declaração ao Bibliote­ca Pública do Paraná.

“A irreverência e honestida­de de Bukowski são recursos que atraem jovens leitores em todo o mundo. Ao contrário da maioria dos adultos, ele não aprendeu a ser um diplomata polido. Sempre foi um rebelde, e essa é a persona favorita dos jovens”, diz Howard Sounes, autor da biografia Charles Bukowski, vida e loucuras de um velho safado, publicada no Brasil pela editora Conrad e atualmen­te fora de catálogo. Bukowski era um rebelde literário, mas também pode ser considerado um intelec­tual sólido, como pode ser cons­tatado no livro Pedaços de um ca­derno manchado de vinho (2008), que reúne ensaios sobre arte vi­suais e literatura.

PONTO DE PARTIDA

Charles Bukowski despertou para a literatura ainda muito cedo. Com problemas dentro de casa, apanhando diariamente do seu pai, ele começou a teclar para su­portar as dores que sentia. Ainda jo­vem publicara seu trabalho em di­versos jornais underground de Los Angeles, chegando a ter uma colu­na em Open City, chamada de No­tas de um velho safado. Os textos foram compilados no livro homô­nimo. Marcada consolidada em O amor é um cão dos diabos (1977), os poemas só chegaram quando o es­critor tinha 40 anos e, mais ou me­nos, duas décadas dedicadas à su­bempregos e à escrita.

Tudo começou a mudar no momento em que Bukowski co­nheceu o editor John Martin, fã de literatura marginal. Ao ler a pro­sa do velho safado, Martin teve convicção de que estava diante do novo Walt Whitman (1819-1892), poeta estadunidense autor de Fo­lhas na Relva (1855). O homem iniciou uma amizade com o escri­tor. Tendo Bukowski como ídolo, Martin resolveu criar uma edito­ra com o objetivo de publicar os trabalhos do amigo. Na ocasião, o autor trabalhava nos Correios (pe­ríodo que fora relatado no primei­ro romance Cartas na Rua (1971). Bukowski passou a ter um salário fixo de 100 dólares mensais.

Em Cartas na Rua, o escritor dá o pontapé inicial a uma série de romances que tinham como per­sonagem principal seu alter-ego, Henry Chinaski, personagem cé­lebre que já estava em contos no início da carreira. Com linguagem simples, beirando a oralidade, o autor conquistou fãs no mundo inteiro e, um ano após a publica­ção do romance, chegou a ser tra­duzido para 15 país. Até a mor­te, lançou os clássicos Factótum (1975), Mulheres (1978), Holly­wood (1989) e Pulp (1994).

Confira o trecho do poema em que Bukowski anteviu a evolução tecnológica:

EM INGLÊS

now it’s computers and more com­puters

and soon everybody will have one,

3-year-olds will have computers

and everybody will know everything

about everybody else

long before they meet them.

nobody will want to meet anybody

else ever again

and everybody will be

a recluse

like I am now.

TRADUÇÃO

hoje tudo são computadores e mais computadores

e logo todo mundo terá um,

as crianças de três anos terão com­putadores

e todo mundo saberá de tudo

sobre todo mundo

muito antes de se conhecerem.

ninguém vai querer encontrar nin­guém

nunca mais novamente

e todo mundo será

um recluso

como eu sou agora.

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