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Fantasia da metamorfose

Vinícius Figueiredo explica ao repórter que nunca fez nada como artista para deixar os conservadores embirrados. Pelo contrário, o tempo lhe mostrou que sua simples existência era uma afronta aos mais reacionários e esse aspecto libertário acabou sendo incorporado às pinturas, aos desenhos e outros objetos. Até mesmo a questão queer é recente, pois antes Vinícius apenas vivia, sentia e se relacionava esteticamente com as coisas nas quais encontrou o combustível para o prazer criativo.

As obras de Vinícius, que abre exposição nesta sexta-feira, 8, no Centro Cultural Octo Marques, em Goiânia, são produzidas pelo cruzamento entre elementos que retornam às memórias da infância, numa simbiose gestada pela mistura entre diferentes referências visuais e produzida pela manipulação de imagens de segunda geração extraídas da atualidade. É uma criação onde, embora constituída de técnicas tradicionais, como pintura ou bordado, o artista tem como base figurações e imagens prontas que correm na internet, além de registros fotográficos de si mesmo.

Em seu método criativo, esses detalhes vão ganhando novos significados, e os elementos – de alguma maneira – se repetem em obras distintas, cruzadas, recombinadas ou associadas a outras: é aí, em meio a essas características, com a tampa da transgressão artística aberta, que a figura humana se desgasta, se dissolve, assume distorções, posições, deformações e irregularidades, das quais o artista, é verdade, tira aproveito. E então chega a verdadeira dádiva de Vinícius, a qualidade fantasiosa.

Intenso e colorido, como se fosse uma metamorfose em direção à conscientização existencial, seu trabalho trata de ciclos, da vida e da morte. “A ideia que eu trago para minha pintura, ao performar corpos inférteis com máscaras e chifres de animais do Cerrado, é uma maneira de ritualizar através da pintura uma aproximação do homem com aquilo que pode ser nosso elo perdido mais importante: a relação com a natureza”, afirma o artista, ressaltando o momento complicado sobre o apagamento do Cerrado.

A exposição, intitulada Fantasias no Jardim das Metamorfoses, reúne 39 obras realizadas entre 2019 e 2021 e oferece olhar sobre a produção de Vinícius. Seus trabalhos nascem de mesclas de imagens e provocam discussões sobre o simbolismo do corpo híbrido e metafórico, além do processo criativo de apropriação dos registros imagéticos que se desdobram em três modalidades cujo eixo é a ideia de cruzamento entre elementos ligados à memória da infância do artista, como o jardim da avó e ossos de animais.

“O lugar imaginário criado por Vinícius, na verdade, se baseia em um local guardado na memória, onde o contato íntimo com a natureza se torna fundamental”, escreve o crítico Divino Sobral, em texto elaborado para a mostra. Nos jardins tropicais pintados pelo artista, diz, as flores coloridas e exuberantes vêm da recordação de uma época em que brincava em meio aos canteiros de espada-de-São Jorge, antúrios, alocáceis e caládios. “O jardim é lugar de fantasia onde ele ficciona ritos de vida e de morte.”

Vinícius retrata a esfera autobiográfica e de experiência da sexualidade - Foto: Divulgação

Para o artista, as imagens que compõem a exposição surgem da ideia de um cruzamento entre elementos da memória, os quais ele busca em recortes e fotografias as lembranças que fazem parte de seu imaginário e das vivências na região do semiárido norte-mineiro, onde nasceu. É nesse sentido que a mostra procura compreender como esses registros nas artes visuais podem redefinir o conceito de memória, fazendo nascer uma nova imagem que dá corpo à estrutura do imaginário.

Vinícius relata que seu processo de trabalho ocorre de maneira fluída e natural, mas garante que não pensa muito no que está fazendo durante a curadoria e criação: é tudo orgânico, dinâmico, cheio de conexões que partem de uma premissa. No caso de Fantasias das Metamorfoses, o guia são as relações entre corpo e natureza. “Quando se fala em corpo me remete a camada da pele e isso se revolve bem na pintura. Ao retomar alguma relação com o passado, a linha do bordado faz essa figuração”, diz.

Sua primeira mostra em Goiânia, “Onde a Linha Lavra o Tempo”, realizada em 2013, também ia nessa mesma direção. Também pudera, nela era deflagrada uma camada artística que, ao ser aberta, exibia uma resposta para cada linguagem específica, com tudo sempre girando em torno da esfera autobiográfica, de experiência da sexualidade e como o erotismo é colocado na revelação do próprio corpo. “Só fui perceber mesmo esse aspecto do preconceito quando os museus passaram a censurar a nudez.”

Nascido em Montes Claros, município localizado na região norte de Minas Gerais, Vinícius Figueiredo é formado em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com habilitação em Artes Plásticas, além de mestre em Arte e Cultura pela mesma instituição. É doutorando em Artes Visuais pela UFRGS. Tudo nele, vale salientar, é um corpo que se pretende dissecado, observado em sua singularidade. É, para usar uma expressão de Divino Sobral, como um “corpo-vaso para flores e folhas”.

De fato, Vinícius criou uma obra concebida sob o pilar do afeto: o corpo como metáfora do jardim em situações misteriosas e ritualísticas, inserido num processo performático de ensaio hibrido do humano com o animal e vegetal. “Mas é um corpo frágil e a morte lhe é lembrada a todo instante pelo Memento mori constituído pelos ossos e cadáveres de pássaros, com os quais convive no espaço das obras. Morrer é a última metamorfose do corpo”, arremata Sobral. Assim é Vinícius Figueiredo.

Quando: 8 de outubro a 12 de novembro

Horário: 09h às 17h

Onde: Galeria Sebastião dos Reis - Centro Cultural Octo Marques

Endereço: Rua 4, 515 - St. Central

Telefone: (62) 3201-4610.

A entrada é gratuita e é necessário o uso de máscaras

Centro cultural segue todos os critérios sanitários para garantir a segurança dos visitantes

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