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OPINIÃO

A desonestidade do padre e a opressão dos simbolismos

Manoel L. Bezerra Rocha ,Especial para Opinião Pública

A sociedade, desde os seus primórdios, é tendente a cultuar signos (p??a??da), possivelmente originados a partir de arquétipos (a???t?p?), em muitos casos, uma forma de simbolismo para mitigar ou justificar a ignorância acerca da existência – início, meio e fim de todas as coisas, em especial quanto aos mistérios da vida. Em Psicologia Analítica, o arquétipo significa a forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos tendem a se moldar. Para C. G. Jung, trata-se de uma espécie de imagem apriorística incrustada profundamente no inconsciente coletivo da humanidade, projetando-se em diversos aspectos da vida humana, como sonhos e narrativas. Segundo Jung, as “imagens primordiais” – termo utilizado como sinonímia para arquétipos -, originam-se de uma constante repetição de uma mesma experiência, durante muitas gerações. Creio que, em razão desse fenômeno psicológico, em todas as civilizações sempre houve a necessidade da representação através dos signos. Desde a Grécia Antiga, onde cada lar detinha o fogo sagrado que representava a proteção de cada família, passando pelo paganismo da fase mitológica, até a fase atual de nossa sociedade, o ser humano sempre valeu-se de representações arquétipas que se revelam absolutamente indissociáveis de seus conceitos. A representação religiosa, no inconsciente coletivo, ressai-se como a mais preponderante. Talvez resida aí a facilidade com que líderes religiosos manipulam e conduzem multidões de resignados e adestrados fiéis. Os religiosos (e as religiões), bem como toda instituição, organizações ou sociedades, sejam elas secretas ou não, sempre recorrem à construção de símbolos como forma de referência psicológica de poder. Ainda que surjam fatos que denotam condutas de pessoas absolutamente contrárias aos cânones de uma pregação, por exemplo, religiosa, a força coercitiva dos símbolos, amalgamada no inconsciente coletivo, impedirá a reflexão crítica, a irresignação, a subversão, dos fiéis contra o seu mentor. Os símbolos religiosos são os mais eficazes instrumentos de adestramento, considerando que são associados à Divindade, ao Sobrenatural, escapando dos questionamentos e da intervenção por parte dos simples mortais. Nenhum governo ditatorial, nenhum déspota, é capaz de adestrar mais que os sentimentos religiosos. Contra o tirano se insurge, contra os poderes sobrenaturais, não. Por isso nenhuma ditatura sobrevive se não for auxiliada pelas religiões ou qualquer outra forma de força invisível coercitiva. Desta maneira, é providencial e estratégico que os líderes religiosos, em forçoso e incômodo exercício de “humildade”, de modo a atemorizarem os fiéis e demovê-los de algum questionamento moral ou qualquer crítica, colocam-se como meros “instrumentos” de intercessão junto a Deus, como numa espécie de intermediário que busca eximir-se da responsabilidade sobre o produto vendido com defeito. O charlatão vende a promessa de um milagre, porém, em caso de não surtir o resultado prometido, isso não é um problema dele. O prejuízo quem sofre é o “homem de pouca fé” e, eventual reclamação pelo fracasso do resultado esperado, deve ser feita à Divindade. Desvios de conduta praticados por líderes religiosos quase ou nunca são criticados ou condenados por seus seguidores. De duas, uma: ou os fiéis dizem que isso é um problema entre o líder faltoso e Deus, ou, então, tudo não passa de maledicências orquestradas pelo Diabo. Ainda não inventaram uma forma de poder mais eficaz que o poder que as religiões exercem sobre as pessoas. O poder político sabe muito bem disso e, desta forma, sempre manteve com os líderes religiosos estreita relação e cumplicidade. Tenho, por mim, que toda religião e sua forma de doutrina de fé trata-se de mero exercício de poder. É o êxtase provocado pela sensação de poder dominar, conduzir, comandar multidões e ainda servir de referência ético-moral. Concluo, portanto, que por trás de toda imagem de bondade de quem professa uma doutrina religiosa encontra-se, em verdade, um indivíduo que, se não um tirano, regozija-se e se diverte em ter sob o seu poder e influência um grande número de pessoas. Particularmente, eu não creio na bondade, puramente altruísta, dos humanos. Acredito que por trás de todo gesto travestido de bondade, há, verdadeiramente, um indivíduo ávido por alguma vantagem, ainda que espiritual, numa espécie de “investimento para o além-vida”. Não é possível imaginar que Madre Tereza de Calcutá seria tão generosa se a sua fé religiosa não fosse tão grande a ponto de crer tão resolutamente na existência no martírio do fogo do Inferno ou no castigo de Deus, quando morresse. Por esta razão, não fiquei nem um pouco surpreso com a revelação e a repercussão de que um padre em Goiânia (GO) recebe salário da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, sem trabalhar, como funcionário “fantasma”, durante mais de 15 anos. Da mesma maneira, encarei com naturalidade quando ele mentiu para a imprensa dizendo que nunca tinha feito uso do dinheiro que, segundo ele, ficou todo esse tempo depositado em uma conta. Entretanto, em seu interrogatório à polícia, disse que a quase totalidade do dinheiro teria sido gasto para promover obras sociais. Quem teria dificuldades para fazer caridade com o dinheiro alheio? Aliás, o que de incomum há nisso? Não agem assim todos os outros fi(pi)lântropos, como políticos e esses sonegadores que escondem-se atrás de suas fundações? Sim, todo pilantra encastelado em corporação logo cria uma “fundação”. As ações criminosas, portanto, passar a travestir-se de “filantropia’, de “caridade”. Assaltantes e traficantes também utilizam-se das mesmas táticas. Aos arredores de áreas comandadas por criminosos sempre existem serviços de “ajuda social”. Dizem que ajuda a suportar os encargos da consciência e a manter adestrada e colaboradora a vizinhança. Para Friedrich Nietzsche, em “A Genealogia da Moral”, o binômio “bem” e “mal”, “bom” e “mau” surge de alguma maneira por influência de interesses, geralmente os interesses de quem pretende ou exerce o desejo ou o poder de dominação. Referindo-se à ascese, exercício prático que leva à efetiva realização da virtude, Nietzsche diz que os ideais ascéticos para o padre é a autêntica crença de padre, ou seja, seu melhor instrumento de poder, a “suprema” autorização de acesso ao poder. A defesa do padre, feita por sua legião de milhares de seguidores, é a prova da eficácia dos arquétipos. Os símbolos continuam e vão sempre exercer intensas influências no consciente coletivo. No caso do padre, ele é a “imagem primordial” representativa do Divino, do Sobrenatural. Também não foi por acaso que o padre recebeu pronta proteção e defesa por parte dos políticos, principalmente de deputados goianos. Com um rebanho tão grande como o que é conduzido e adestrado por ele, apesar de hipócrita, trata-se de útil garantia de uma quantia considerável de eleitores.

(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista – [email protected])

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