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OPINIÃO

Flamengo: o fenômeno sociológico do esporte

José Carlos Vieira Especial para Opiniãopública

Em princípio, sou jornalista e não flamenguista. Corintianos, colorados, tricolores e outros torcedores podem questionar o artigo que busca analisar um fenômeno do esporte bretão. Em qualquer parte do Brasil (e até do mundo) onde o time da Gávea jogue ele tem mais torcedores de que o time da casa. É um acontecimento notável de uma área esportiva que mexe com a cultura brasileira. Vivemos a era do marketing, ambiente que ficam explícitas duas das maiores marcas do planeta, a Coca-Cola e o Google. A torcida do Flamengo é maior que a população da França, mostrando a força de um setor do futebol que mexe com camisas, comerciais, jogos, exposições, direitos de arenas e a proverbial venda de ingressos para os jogos do time do Rio de Janeiro. Em reuniões animadas, se apregoa que quem não tem religião é católica e quem não tem time é Flamengo, expressando a popularidade do clube eternizado na era Zico. É o marketing coletivo de um País que tem show de rua, BBB, jabá, escândalos políticos e homens honestos sendo presos. Não se pode culpar a pobreza de nossa cultura ou mesmo questionar a paixão do torcedor que compra ingresso, pegar ônibus lotado, viaja com o time pelo país inteiro e se sente identificado com o rubronegro carioca ou universal.
Brasil, atraso e avanço, Glauber Rocha e Hugo Caiapônia, universidades e analfabetos, conquistas e recuos, paixão e razão no duelo de um país continental. Aonde chega a anteninha da Rede Globo existe a busca da informação, mesmo sendo ela uma emissora mundial, que deveria valorizar todas as culturas e times, jogadores e artistas da bola. Pelos números, o Mengão é seis vezes campeão, com a discutível disputa com o Sport no episódio dos módulos verde e amarelo, que não ficou bem resolvido até o momento. O povo gosta de futebol, festa e Flamengo, dando a este o título de O mais Querido do Brasil. Alienação, vontades, chutes, encantos, histórias, jogos históricos e um time para ilustrar a realidade do povo brasileiro. Torcer é a sua missão, modo de vida, como se toda paixão tivesse as cores vermelha e preta. É um fenômeno sociológico, formatando um novo jeito de torcer, buscar uma identidade, como se o livro Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, nos trouxesse algumas indicações sobre a alma do povo brasileiro. O curioso de toda essa admiração pelo time carioca é que ele surgiu de uma dissidência do Fluminense, (ou seria o contrário?) objeto de pesquisa e glorificação tricolor. O flamenguista por ser maioria em todas as realidades e encontros curte o seu clube com grande paixão, observação, como se cada jogo fosse o cenário da disputa por um prato de comida institucional. O flamenguista padrão sabe a escalação completa de seu time e memoriza todas as conquistas efetuadas com louvor, deixando no seu inconsciente nomes como Cantareli, Raul, Leandro, Rondineli, Júnior, Dida, Nunes, Adílio, Andrade, Almir, Radar, Doval, Júlio César (Urigueler) Tita, Zico, Leonardo Moura, Márcio Braga, Ronaldinho Gaúcho, Bebeto, Beto, Nélio, Júnior Brasília, Luisinho, no baú da história remota ou recente. Toda paixão é honrada, admirada, mesmo injusta.
O Brasil é uma junção de Lampião, Macunaíma, Túlio Maravilha, analógico e digital, medo e iniciativa, Amazônia e devastação, igualdade e contraste, omissão e determinação, Arranca Toco Futebol Clube e Flamengo, canal de estudos sociológicos e antropológicos, desenhando a alma do cidadão. Como explicar a vocação flamenguista no País do Futebol que nem João Ubaldo Ribeiro soube retratar no livro Viva o Povo Brasileiro e suas nuances? Torcer, torcer, torcer, chorar e sorrir, mesmo que o Maracanã esteja cheio e a barriga vazia. O flamenguista se orgulha e assim escreve as mais lindas e inusitadas crônicas do futebol, desenvolvendo os degraus de sua essência. Recordes de públicos, versão e subversão, Campeonato Brasileiro, Carioca, Libertadores e o mundo é o limite. Seria o Brasil um erro de português ou uma bola rondando a grande área de nossas vidas? No País do Futebol, o Flamengo ilustra as mais variadas teses sobre a paixão e nossa origem indígena, miscigenada, temperada com amor, suor e chuteiras. Torcer, torcer, torcer, até morrer, a Nação rubronegra mais que um clube simboliza a eugenia ou apatia de uma raça. Entre a ditadura e a democracia, uma bola empresta sentido para ricos e pobres, um gol do Mengão ajuda o sociólogo a desvendar mais um mistério social: diga ao povo que Zico. Eternamente Flamengo, tão simples e ao mesmo tempo tão complexo. A Gávea é o nosso Cabral redescoberto.

(José Carlos Vieira, escritor e jornalista do Jornal Folha da Cidade, Rio Verde. E-mail: [email protected])

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